24/10/2012 07h02
- Atualizado em
24/10/2012 13h49
Especialistas elogiam julgamento do mensalão pelo STF
Supremo condenou 25 dos 37 réus e absolveu 12 acusados no escândalo.
Veja a análise de juristas, cientistas políticos e entidades sobre o resultado.
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Ao longo de mais de 40 sessões, 25 de 37 réus acabaram condenados pelo pagamento de propina em troca de apoio político ao governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre eles, políticos da alta esfera do governo federal, como o ex-ministro chefe da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino, além de empresários, como o ex-publicitário Marcos Valério, deputados e dirigentes de instituições bancárias.
Veja a seguir o que dizem juristas, cientistas políticos e entidades ligadas ao combate da corrupção sobre os impactos do julgamento do mensalão:
Nelson Calandra, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) | "Acho que essa deliberação do Supremo, no exercício da sua
competência originária, agindo como primeira e última instância, traça
uma orientação nova para a deliberação de vários tribunais do Brasil, na
medida em que adota a teoria do domínio do fato e isso faz toda a
diferença no modo de julgar. Aqueles que são protagonistas dos órgãos de
cúpula são responsabilizados por um ato porque se teria como impedir a
ocorrência desse tipo de fato criminoso. Na verdade, no Brasil, sempre
esse tema do caixa 2 foi banalizado. E só agora que o Supremo adotou uma
posição dura sobre isso. De sorte que é muito positivo, passar a limpo a
atividade política, eliminar essa questão do caixa 2. No fundo os
políticos imaginam que tudo podem. A partir desse calvário eles vão
repensar em tomar uma atitude como essa que lhes foi imputada na ação
penal 470. Os debates mostraram que o STF tem agido democraticamente. O
Brasil tende a passar a limpo várias coisas que ficaram no passado." |
Márlon Reis, juiz de direito no Maranhão, co-fundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) |
"Representa um divisor de águas, porque o Brasil não está
acostumado a ver sequer um julgamento efetivo de pessoas que detêm
posições privilegiadas. E agora vê um julgamento independente, que não
se curvou a posições políticas. Não consigo ver nesse julgamento nenhum
tipo de pressão inidônea, porque os ministros estão acostumados a lidar
com a opinião pública, com as divergências. Fico feliz com toda a
independência. Está servindo para a uma abertura de precedentes, no
enfrentamento da corrupção em matéria penal e abre espaço para uma
jurisprudência. A maior lição é que o Judiciário precisa enfrentar com
brevidade e muita independência todos os processos, envolvam quem for. A
história que vemos é de muita leniência ao julgar pessoas poderosas.
Essa é a quebra de paradigma para que as normas sejam respeitadas por
todos." |
Sepúlveda Pertence, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal | "Rios de tinta ainda vão correr sob a figura da nova interpretação
do crime de lavagem de dinheiro, por isso esse tema dividiu ao meio o
tribunal. Logo, a perplexidade que o julgamento gerou, uma concepção
absolutamente ampliativa do que se pode considerar lavagem de dinheiro.
Citou-se muito neste julgamento o processo contra o ex-presidente
Fernando Collor, mas a discussão não é a mesma. O que a Corte entendeu
àquela época é que a acusação deveria identificar o ato de ofício que
teria sido o objeto do corruptor. O que se dispensou neste julgamento
foi a prática do ato de ofício. No caso Collor, o ponto de discussão foi
esse, que não se teria caracterizado o ato de ofício. Jamais se
sustentou que era necessária a prática de um ato, e sim
identificá-lo.(...) [Formação de quadrilha] é uma concepção bastante
ampla. Como não acompanhei últimas sessões, prefiro não me manifestar. A
impressão que fiquei é que se ampliou demasiadamente o conceito de
quadrilha. (...) Evidentemente, é pouco concebível que o STF se ocupe
três meses de um mesmo caso [em razão do peso para a administração da
Corte]. " |
Luís Roberto Barroso, advogado especialista em Direito Constitucional, professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre pela Yale Law School | "O comentário que posso fazer é sobre o que eu acho que esse
julgamento representa institucionalmente para o Brasil. Eu acho que o
julgamento mais do que a condenação de pessoas, ele é a condenação de um
modo de fazer política, que tem marcado toda a República brasileira.
Trata-se da condenação de um sistema eleitoral e partidário que faz o
contrário do que se espera do processo civilizatório: ele exacerba os
defeitos e reprime as virtudes. O julgamento, portanto, significa um
momento desesperado da sociedade brasileira por reforma política. É
preciso diminuir o peso do dinheiro e elaborar uma fórmula em que a
eleição presidencial seja capaz de produzir também maioria no
parlamento. O varejo da negociação política para a formação de maiorias
que induz o fisiologismo e a corrupção. Este julgamento é tão
excepcional nas suas circunstâncias que é difícil avaliar as suas
consequências no plano jurídico." |
Ophir Cavalcante, advogado e diretor do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) | “A meu ver, o processo correu dentro da normalidade, foi sempre
observado o devido processo legal e a ampla defesa para o convencimento
do juiz. A maior lição deste julgamento é que o princípio de que todos
são iguais perante a lei é aplicado sempre a todos, indistintamente, do
mais alto escalão até o mais humilde. Pretende-se mudar a lógica da
impunidade, de que nada acontece com quem tem cargo de poder. No duelo
entre defesa e acusação, a defesa sempre tenta buscar a absolvição e a
acusação mostrar as provas. Acho que ambos tiveram todas as garantias
para o exercício profissional. Não acredito que gere jurisprudência a
partir do julgamento, mas defendo que o princípio secular garantista do
“In dubio pro reo” (a dúvida favorece o réu) será usado no critério de
desempate. Uma Corte como o STF tem o dever de proteger o maior bem do
cidadão, que é a liberdade. Com o julgamento do mensalão, ganha a
Justiça, sai fortalecido o STF, ganha a democracia e ganha a República
brasileira.” |
Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) | “Este julgamento sinaliza uma mudança de comportamento do STF, que
naturalmente vai repercutir nas outras instâncias. O STF não tem
história que o lisonjeia, não tem passado de cidadania, mas de apoio ao
governo. Basta lembrar do período Vargas, decisões que foram tomadas
absolutamente contrarias à democracia, como a autorização para criação
do Tribunal de Segurança Nacional, em 1934, sendo que isso não era
permitido pela Constituição. A grande novidade desta decisão é que, pela
primeira vez, o corpo do STF toma uma atitude contra um partido que
controla o governo federal. É um marco na história do STF e da Justiça
brasileira. Destaco ainda a inovação do Supremo, com a transparência de
expor a votação nas TVs, ao público. Para mim, o mais admirável voto
durante todo o processo, não pela personalidade, mas pela qualidade dos
votos, a doutrina, o saber, foi o ministro Celso de Mello. E o mais
importante trabalho foi o do presidente da Corte, Ayres Britto, que
conseguiu, com habilidade, levar o julgamento adiante, intervindo sempre
que necessário, mas nunca questionando o conhecimento jurídico de um ou
de outro colega, sempre com prudência. Encerra seu período no STF com
chave de ouro.” |
Ricardo Caldas, professor e diretor do Centro de Estudos Avançados (CEAM) na Universidade de Brasília | “Penso que o procurador-geral da República [Roberto Gurgel] teve
um papel importante no julgamento, pois atuou mesmo sendo questionado
por falta de iniciativa. Acho que ele poderia ter sido mais incisivo,
pois omitiu algumas pessoas importantes da lista de acusados dele. Ele
também deixou de questionar a atuação de ministros do STF, como o José
Dias Toffoli, o que foi surpreendente. Além disso, o próprio Toffoli não
ter se declarado impedido. E teve o Ricardo Lewandowski, por suas
relações com os envolvidos no julgamento, que também não se declarou
impedido. A classe política, e há exceções, entende que não será
afetada. Isso pode mudar muito pouco. O impacto das condenações do
mensalão no sistema político será pequeno. O próprio TSE está permitindo
que candidatos com ficha suja participem das eleições. Acho que o
princípio da ficha limpa veio para ficar, mas a real operacionalização
disso vai demorar. Vai demorar para termos uma geração de políticos e
juízes incorruptíveis.” |
Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da ONG Transparência Brasil | “As consequências do julgamento para o PT ou para o Lula são
fugazes. Daqui um ano ninguém vai se lembrar. Alguns aspectos são
relevantes, principalmente o fato de o STF ter condenado indivíduos bem
situados na política, mas isso não pode ser comemorado, pois um fato só
não faz milagre. O julgamento do mensalão, pelo fato de ter condenado
gente, só terá efeito, em longo prazo, se outros casos de condenação por
corrupção também ocorrerem. O efeito didático só vai ocorrer se as
condenações forem sistemáticas daqui por diante. Caso isso não ocorra,
isso será um caso isolado. É muito comum no Brasil que a Justiça exija
que se prove causa e efeito em situações de recebimento de algum
dinheiro por agente público. Mas isso é impossível provar que aconteceu.
Para essa condenação, é preciso ter o dom da telepatia.” |
Diego Werneck e Vitor Chaves, da Fundação Getúlio Vargas | "Se o Supremo mantiver essa posição no futuro, uma coisa é certa.
Um funcionário público terá de pensar duas vezes antes de receber
qualquer vantagem em razão de seu cargo. Não bastará dizer que não fez,
nem prometeu fazer nada em troca". Leia mais em "Legados do Mensalão", no blog Traduzindo o Julgamento do Mensalão. |
Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República | "Supremo reconciliou-se com o conceito seminal de República e fez por merecer o reconhecimento de ser o mais alto Tribunal do país, porque a ele cabe, mais do que a ninguém, defender as garantias e princípios da Constituição. Neste julgamento, é certo que o fez magistralmente. Fez, a um só tempo, Justiça e História". Leia mais em "Supremo faz História e reconcilia-se com o conceito de República", no blog Traduzindo o Julgamento do Mensalão. |