Sistemas eleitorais
Você decide. Mas não vai ser fácil
Plebiscito sobre a reforma política vai
exigir que a população decida, em pouco tempo, sobre temas complexos e
sem consenso na sociedade
Publicado em 30/06/2013 | André Gonçalves, correspondente
Mesmo
sendo mais restrita a questões eleitorais que a problemas cotidianos da
democracia brasileira, a reforma política idealizada até o momento pelo
governo federal vai exigir uma imersão relâmpago dos eleitores em temas
complexos e distantes de um consenso. Se seguir o rumo das mais
recentes discussões feitas no Congresso Nacional sobre o assunto, o
plebiscito defendido pela presidente Dilma Rousseff pode se desdobrar
entre duas a oito questões. Há dúvidas ainda se a decisão popular vai
precisar ser transformada obrigatoriamente em uma nova legislação pelos
parlamentares.
Foco errado
Propostas do plebiscito não mudarão a prática política, diz analistaAs questões que devem ser tratadas no plebiscito proposto pela presidente Dilma Rousseff passam ao largo dos verdadeiros problemas do cotidiano político brasileiro. A opinião é do professor de Filosofia e Ética Roberto Romano, da Unicamp. “As mudanças atingem aspectos técnicos das eleições, mas não reformam a prática política”, diz ele. Segundo Romano, o primeiro foco deveria estar em construir novas normas para o funcionamento dos partidos e para o exercício do lobby. “Se não houver democratização dos partidos, obrigatória por lei, é bobagem falar de reforma política. Hoje os partidos não representam nem seus filiados, quem dirá a população.”
Romano diz que, pelo formato atual do jogo político, os políticos incorporam o papel de lobistas de grupos de interesse, seja no Executivo seja no Legislativo. “Eles exercem lobby 24 horas por dia. Quando você lê uma notícia sobre a bancada disso ou bancada daquilo, o que quer dizer? Que tem gente usando um cargo público para defender interesses privados.” A interpretação do professor é que a democratização dos partidos ajudaria na “prevenção” de escândalos. Além disso, outras propostas poderiam ser colocadas em prática sem necessidade de mudanças na lei, como a redução no número de cargos comissionados – foco de intensa barganha política entre as legendas e o Executivo.
Atualmente, o governo federal tem cerca de 22 mil postos de livre nomeação. Outra maneira de aprimorar as relações institucionais entre Executivo e Legislativo seria acabar com as emendas parlamentares. “Quando um parlamentar negocia a liberação de uma emenda, está de alguma forma praticando lobby.”
O cronograma do Palácio do Planalto para colocar a consulta
popular em prática começou na semana passada, quando Dilma realizou uma
série de reuniões com os chefes dos poderes Legislativo e Executivo,
presidentes de partidos e líderes no Congresso. Dos encontros saíram as
premissas da reforma, que serão transformadas em uma mensagem do governo
ao Congresso. A intenção é fazer com que deputados e senadores
convoquem o plebiscito para agosto ou setembro e, a partir do resultado,
produzam as mudanças legais até outubro, prazo máximo para que elas
possam valer para as eleições de 2014.
Certezas
De acordo com o governo, dois temas vão estar com certeza nas
perguntas que serão feitas à população: o sistema das eleições para
vereador, deputado estadual e federal e o modelo de financiamento de
campanhas (veja mais detalhes no infográfico ao lado). “São pontos
discutidos há décadas e que a classe política realmente nunca teve
coragem de enfrentar”, avalia a cientista política Maria do Socorro
Braga, da Universidade Federal de São Carlos (SP). A partir deles,
desdobra-se uma série de outras mudanças como o fim das coligações em
disputas proporcionais e dos suplentes de senadores, adoção da cláusula
de barreira e do voto facultativo, além da possibilidade de candidaturas
avulsas (sem vínculo partidário).
Todos esses temas já foram abordadas em propostas que estão em
tramitação no Congresso. Entre 2011 e 2012, as sugestões motivaram duas
comissões especiais sobre reforma política que funcionaram ao mesmo
tempo na Câmara e no Senado. Nenhum projeto debatido, entretanto, virou
lei.
“Existia um certo consenso do que precisava ser debatido, mas não
sobre como seriam feitas as modificações”, relembra o deputado
paranaense Sandro Alex (MD), que integrou a comissão da Câmara. Há dois
anos, ele encomendou um estudo ao Instituto Paraná Pesquisas que mostrou
que 86% dos curitibanos eram contra o financiamento público de
campanhas e 67% favoráveis ao voto distrital.
As experiências dentro do Congresso também mostram a dificuldade de
encadeamento das propostas na formatação dos questionamentos do
plebiscito. “A discussão sobre a participação popular é fantástica, mas é
necessário cuidado para não se criar um Frankenstein”, alerta o
presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral, Guilherme
Gonçalves. Segundo ele, há mudanças que podem ser aprovadas pela
população, mas que na prática são incompatíveis. “Não dá para casarmos a
possibilidade de candidaturas avulsas com a exigência de voto em
lista.”
Depois de realizado o plebiscito, há incertezas sobre o caminho das
decisões no Congresso. De acordo com o professor de Direito
Constitucional Cristiano Paixão, da Universidade de Brasília, tanto a
Constituição de 1988 quanto a Lei 9.709/1998 (que regulamentou o uso do
referendo e do plebiscito) não forçam os parlamentares a seguirem o
resultado do plebiscito. “É uma consulta política à sociedade, mas o
Parlamento não está vinculado a ela. Não dá para achar que vai se tratar
de uma decisão direta do povo. É uma orientação”, diz Paixão.
Clique aqui e confira o infográfico em tamanho maior