"O protesto é positivo para a democracia", diz filósofo
Para o filósofo da Universidade Estadual de Campinas, a eclosão das manifestações é uma prova de que o setor público no Brasil não tem respeito pelo cidadão
Roberto Romano sobre os protestos em São Paulo: “No Fora, Collor, o PT estava por trás da mobilização. Agora o movimento é apartidário”
São Paulo - Professor de ética e filosofia política da Unicamp, Roberto
Romano é autor de inúmeros artigos sobre democracia. Ao longo de sua
carreira, sempre procurou entrelaçar questões da atualidade com estudos
de problemas fundamentais da tradição filosófica.
Para Romano, é um erro menosprezar as manifestações que tomaram as
principais cidades brasileiras sob o argumento de que são mera demanda
pela redução das tarifas de transporte público. “Os protestos são mais do que isso. Mostram que os brasileiros sabem reivindicar seus direitos.”
1) EXAME - Qual é o significado dos recentes protestos de rua em várias cidades do país?
Roberto Romano - O Plano Real atenuou a
inflação e permitiu a inclusão de vastas camadas da população ao mercado
consumidor. A estabilidade econômica deixou a população, de certa
forma, adormecida diante dos outros problemas graves, como a péssima
qualidade dos serviços públicos.
2) EXAME - A economia cresce
pouco, mas no mercado de trabalho a situação ainda é de quase pleno
emprego. A adesão aos protestos não surpreende?
Roberto Romano - Basta
pegar um ônibus às 6 horas da manhã em Porto Alegre, Salvador, São
Paulo ou Rio de Janeiro para ver o tipo de serviço oferecido. É péssimo.
E isso ocorre no mesmo momento em que cresce a percepção de corrupção
em várias esferas da administração pública. É só observar a quantidade
de escândalos ligados a empresas de transporte. Isso cansa a população.
Foi o que ocorreu.
3) EXAME - O que os protestos revelam do atual estágio da democracia brasileira?
Roberto Romano - Nosso
Estado — Legislativo, Executivo e Judiciário — tem muito pouco respeito
pelo cidadão que paga os impostos. Os impostos são altíssimos, mas a
qualidade dos serviços é baixíssima. De quebra, não há transparência.
Mas, sinceramente, não sei até onde esses protestos podem ir. Por enquanto, é um sinal positivo de que efetivamente existe a possibilidade de nossa população reivindicar direitos.
4) EXAME - Quais são as diferenças entre esses protestos e os que tivemos no passado?
Roberto Romano - No
caso do Fora, Collor, de 1992, o país vivia uma situação concreta de
inflação altíssima e uma oposição, no caso o PT, organizada de norte a
sul para mobilizar as massas. O PT era o catalisador. Depois, o partido
chegou ao poder e abandonou essa característica. A novidade agora é os
manifestantes fazerem questão de se declarar apartidários.
5) EXAME - O nível da violência não é um fator novo?
Roberto Romano - Desde
a ditadura, a polícia é treinada para reprimir, não para orientar ou
dissuadir. Se você trata o cidadão como inimigo, vai receber tratamento
de inimigo. Isso não quer dizer que não houve excessos por parte da
massa.
6) EXAME - Que tipo de mudanças esse movimento pode conquistar?
Roberto Romano - Não
dá para prever. A Revolução Russa começou com reivindicações sobre pão
e, de repente, virou um regime totalmente novo. Por outro lado, esses
protestos também podem acabar na semana que vem. Ninguém sabe.
7) EXAME - Falta liderança ao movimento?
Roberto Romano - Não
acredito em líder carismático. É possível que falte um programa. São
diversos movimentos, com tendências distintas, e não há uma direção
clara.