Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 23 de junho de 2013 a 29 de junho de 2013 – ANO 2013 – Nº 566Mariposa ajuda a preservar espécies da Serra do Mar
“Jardineiros da floresta” polinizam plantas que dependem desse trabalho para se reproduzir
Seu nome comum é mariposa. Também
a chamam de “bruxa”. Crianças, com medo, fogem dela. Existem muitos
tipos desse inseto, pequenos e grandes, mas apenas sua estranha
aparência costuma ser observada. Poucos sabem que a mariposa é uma das
“engrenagens” de uma complexa “máquina” da natureza capaz de produzir a
vida ou a extinção nas florestas. De flor em flor para consumir o néctar
que as atrai, elas levam grãos minúsculos de um pó chamado “pólen”,
onde estão as células sexuais masculinas, para o órgão feminino das
flores que visitam. Do sucesso dessa polinização, quando ocorre a
fecundação, nascem os frutos e as sementes, o que assegura o futuro da
espécie. Mas elas próprias, as mariposas, dependem de outras plantas,
cujas folhas alimentam suas lagartas até a fase adulta, quando então
passam a dedicar-se à tarefa de espalhar a vida pela floresta. Tire uma
peça dessa “máquina” e comprometerá um ciclo de vida.
Esse é o cenário do estudo de doutorado do biólogo Felipe Amorim, realizado no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, sob a orientação da professora Marlies Sazima, e que chegou a uma constatação inédita sobre polinização por mariposas na Serra do Mar: elas se deslocam pelas distintas áreas de vegetação da Mata Atlântica, saindo de áreas de restinga e de floresta de terras baixas (próximas do nível do mar) para o alto da serra na floresta montana (acima de 800 metros de altitude), onde existem espécies de plantas que dependem exclusivamente do serviço desses insetos para a reprodução. “Ou seja, é necessário que haja conectividade entre as diferentes fisionomias florestais que formam a Mata Atlântica para possibilitar o deslocamento de polinizadores, e consequentemente, a reprodução de espécies de plantas altamente especializadas. Nesse sentido, a fragmentação florestal ocasiona, não apenas a perda de espécies de maneira isolada, mas a perda de interações ecológicas importantes”, explica.
É
uma constatação importante no atual contexto da Serra do Mar e da
vegetação de Mata Atlântica, que já cobriu, no passado, toda a costa
brasileira e parte do interior do país. Hoje, restam menos de 8% desse
tipo de vegetação em “fragmentos” que, em sua maioria, não são
superiores a 100 hectares – imagine um quadrado com 1 km em cada lado –,
distribuídos com pouca ou nenhuma conexão entre eles pelo Brasil.
“Esses animais dependem de áreas contínuas de floresta para a manutenção
de interações biológicas importantes”, explica o biólogo.
O
trabalho foi desenvolvido na maior área contínua de Mata Atlântica
ainda preservada no Brasil, o Parque Estadual de Serra do Mar (SP), que
tem 315 mil hectares e se estende desde a divisa do Estado de São Paulo
com o Rio de Janeiro até Itariri, perto do Paraná.
A
mesma constatação obtida com os estudos sobre as mariposas, segundo o
pesquisador, possivelmente pode ser ampliada para outros grupos de
polinizadores da natureza, como beija-flores, morcegos e abelhas, por
exemplo.
PESQUISA
O
objetivo do trabalho era entender como as plantas se reproduzem na
região mais elevada da Serra do Mar, particularmente as plantas que
dependem da ação de mariposas no processo de polinização, ou seja, que
abrem suas flores, em geral à noite, exalam um odor adocicado e produzem
um líquido, o néctar, para despertar a atenção desse tipo de visitante
floral. De fato, os insetos atraídos colaboram porque, ao visitarem as
flores para se alimentarem do néctar, tocam os órgãos reprodutores e,
consequentemente, transportam pólen dos órgãos masculinos para os
femininos das plantas, o que dará origem ao fruto. Mas por que isso é
importante? De forma resumida, outro animal – geralmente espécies de
aves ou de mamíferos – come o fruto e carrega as sementes para outros
cantos da floresta, permitindo que as sementes caiam cheguem ao solo e
que nasça uma nova planta.
O estudo
para a tese de doutorado apresentada na Unicamp foi realizado em um dos
projetos temáticos (Gradiente Funcional) do Programa Biota/Fapesp,
coordenado pelos professores Carlos Joly (Unicamp) e Luiz Martinelli
(Universidade de São Paulo) e que articula diversos tipos de trabalhos
em diferentes universidades, como a Unicamp. “A Mata Atlântica é um dos
biomas mais ricos, diversos e ameaçados do planeta”, escreveu o
pesquisador.
De
2008 a 2012, o biólogo Felipe Amorim percorreu uma área de cerca de 60
km de floresta (montana) no Núcleo Santa Virgínia do Parque Estadual da
Serra do Mar, localizado entre as cidades de São Luiz do Paraitinga e
Ubatuba, no litoral de São Paulo, onde identificou 24 espécies de
plantas associadas à polinização por mariposas, especialmente pela
dimensão alongada do tubo floral (veja foto nesta página), e estudou
cerca de 50 espécies de uma família de mariposas chamada “Sphingidae”,
um grupo de invertebrados que no mundo reúne cerca de 1.400 espécies
diferentes. Essas mariposas, também chamadas de “esfingídeos”, possuem
aparelhos bucais longos, conhecidas como “língua” ou “probóscide”, que
servem para buscar o néctar dos tubos florais.
Quase
600 mariposas foram capturadas para análise em um trabalho que tinha
que ser realizado particularmente à noite, com o apoio de lanternas
especialmente preparadas para não afastar os polinizadores e até com o
emprego de óculos de visão noturna. Para se ter uma ideia das
dificuldades, determinada espécie de orquídea foi observada por 110
horas durante a noite (o equivalente a quatro dias e meio) para que
fossem registrados apenas três contatos com os insetos polinizadores
estudados.
A confirmação de que as
mariposas migram entre os diferentes tipos de vegetações da Serra do Mar
aconteceu a partir de pistas deixadas pelas flores. Ao se alimentarem
do néctar, passando de flor em flor, elas vão se “sujando” com o pólen
de várias espécies de plantas. Segundo o biólogo, foram encontrados
polinizadores na parte mais elevada da Mata Atlântica (floresta montana)
carregando pólen de uma planta que somente existe na vegetação de
restinga, localizada próxima ao nível do mar, distante dali.
Para
o biólogo, as mariposas migram dentro da floresta principalmente para
se reproduzirem e, como precisam recuperar a energia gasta com esse
deslocamento, dependem do alimento, no caso o néctar, fornecido pelas
flores. Enquanto se alimentam, realizam serviços de polinização, que são
de grande importância para a reprodução das plantas nesse ambiente.
Para saber mais sobre o Biota/Fapesp, veja: www.biota.org.br .
Forma de orquídea levou Darwin a predizer espécie
Na
segunda metade do século XIX, o naturalista britânico Charles Darwin
(1809-1882), ao observar o tubo floral extremamente longo (cerca de 30
centímetros) de uma espécie de orquídea de Madagascar, predisse a
existência de uma mariposa com uma “língua” (probóscide) longa o
suficiente para alcançar o néctar escondido na flor dessa planta. O
próprio Darwin escreveu em seus relatos que teria sido ridicularizado
pela previsão.
De fato, a “Mariposa
de Darwin” só foi descoberta 41 anos mais tarde, no começo do século XX,
e a nova espécie de mariposa de “língua longa” recebeu o nome de
“Xanthopan morgani praedicta”, exatamente por sua existência ter sido
predita.
Pelo mesmo princípio, já era
esperada a ocorrência de mariposas com línguas muito longas na Serra do
Mar de São Paulo, encontradas em uma proporção muito reduzida na
pesquisa de Felipe Amorim, capazes de polinizar a “Orquídea Paulistana”
(Habenaria paulistana) – presente apenas nessa região do país e que
depende de polinizadores especiais em razão do tamanho de seu tubo
floral (podendo alcançar até 16 centímetros).
Segundo
Amorim, menos de 10% das espécies de esfingídeos coletas em sua área de
estudos na Serra do Mar tinham probóscide (“língua”) com medidas
superiores a 5 centímetros, insuficientes para alcançar o néctar desse
tipo de orquídea.
Publicação
Tese: “A flora esfingófila de uma floresta ombrófila densa montana no sudeste brasileiro e relações mutualísticas com a fauna de Sphingidae”
Autor: Felipe Wanderley Amorim
Orientadora: Marlies Sazima
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
Financiamento: Fapesp
Tese: “A flora esfingófila de uma floresta ombrófila densa montana no sudeste brasileiro e relações mutualísticas com a fauna de Sphingidae”
Autor: Felipe Wanderley Amorim
Orientadora: Marlies Sazima
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
Financiamento: Fapesp