sexta-feira, 28 de junho de 2013

Marta Bellini.


Antonio More/ Gazeta do Povo / Teresa Urban, em registro feito em maio deste ano: “Continuo sendo um ser político que ainda não achou seu lugar” Teresa Urban, em registro feito em maio deste ano: “Continuo sendo um ser político que ainda não achou seu lugar” Luto

Ativista, Teresa Urban soube dar sentido à vida

Jornalista que foi presa, torturada e exilada por combater a ditadura militar morreu quarta-feira, vítima de enfarte, aos 67 anos
Publicado em 28/06/2013 | Mauri König 
 
“O segredo da existência humana reside não só em viver, mas em saber para que se vive”, disse Dostoievski certa vez. Como no axioma do escritor que a influenciou na juventude, a jornalista e ambientalista Teresa Urban soube desde cedo dar sentido à vida. Entregou-se a uma causa num momento crucial para o Brasil. Esteve na linha de frente no combate à ditadura militar, uma militância que resultou em prisão, tortura e exílio. Sobrevivente da ditadura, Teresa morreu quarta-feira, vítima de enfarte, aos 67 anos. O corpo foi cremado ontem em Campina Grande do Sul, na região de Curitiba.

Os passos de Teresa Urban contra uma vida de ilusões e impressões insubstanciais começaram cedo. A mãe, Janina, filha de poloneses, era mulher independente e um tanto avessa ao comunismo. O pai, Estanislau, um polonês muito tolerante, brindou os filhos com o hábito da leitura. A paixão com que a mãe se entregava às causas cristãs e à amplitude do mundo apresentada pelo pai por meio da leitura forjaram a personalidade de Teresa e de seus três irmãos. Todos, em alguma medida, viram-se engajados em alguma causa.
Pioneira também na luta em defesa do meio ambiente
Ao sair da cadeia, em 1973, condenada à revelia a dois anos de prisão pelo regime militar, Teresa Urban notava que as pessoas atravessavam a rua para não encontrá-la. Não conseguia emprego como jornalista, nem registro profissional. Recorreu à Justiça. “Mas riscavam o ‘bons’ e deixavam só ‘antecedentes’”, lembrou numa entrevista. “Entendi que precisava procurar algo que me aproximasse das pessoas. Queria uma causa comum. E imaginei que ter água de boa qualidade para beber e ar para respirar era algo que todos poderiam compartilhar.” Assim nasceu a Teresa Urban ambientalista.
Formada em Jornalismo pela UFPR, foi contratada no fim dos anos 70 pelo jornal semanal A Voz do Paraná, da Arquidiocese de Curitiba. Depois, passou pelos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, além da revista Veja.

Pioneira no jornalismo ambiental, mapeou os remanescentes da floresta de araucárias no Paraná e desenvolveu projetos com ONGs como SPVS, SOS Mata Atlântica e Mater Natura. Ajudou a criar a Rede Verde de Informações Ambientais e atuou no Con­­selho Nacional do Meio Am­­biente (Conam).
O primeiro de seus 20 livros, Boias-frias — Vista Parcial, foi lançado em 1984. Sua única obra de ficção, Dez Fitas e um Tornado, um suspense, foi lançado no mês passado.

O presidente da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), Marcos Cordiolli, lembra que Teresa vinha contribuindo com a Fundação na definição das políticas de Patrimônio Material e Imaterial.
“Foi uma humanista, que lutou para melhorar o Brasil”, disse, em nota, o Fórum Paranaense de Resgate da Verdade, Memória e Justiça. “Anos depois, seria precursora da luta ambiental no Brasil, defendendo a preservação do meio ambiente, sem perder o foco nas pessoas mais carentes e desprotegidas pelo Estado. Jamais abandonou a luta política. Percebeu, quando seus netos cresceram, que precisava contar a história dos que lutaram pela democracia no Brasil. Por isso, lançou o livro 1968 Ditadura Abaixo. Dizia que o livro era necessário para contar às gerações mais novas mais sobre este período.”

A menina era um bocado contestadora, apesar da idade. Isso tem alguma consequência quando se estuda em colégio de freiras. Leitora de Dostoievski, teve problemas no Colégio São José porque perguntava demais. Depois, prestes a terminar o Normal, deparou-se na escola com cartazes contendo imagens de Cristo com uma coroa feita de foice e martelo, símbolos do comunismo. Aquilo soava para ela como uma neurose coletiva. “A gente rezava todo dia para o comunismo não vir para o Brasil”, disse, em entrevista à Gazeta do Povo no ano passado.

A coisa ficou séria quando a luta anticomunismo deixou de ser doutrina colegial para virar política de Estado. O golpe militar de 1964 seria decisivo na vida de Teresa Urban. Os militares andavam alucinados à procura de subversivos em toda parte e o nome dela já estava na lista. Custaria caro sua posição política em defesa da democracia.

Durante o curso de Jornalismo na Universidade Federal do Paraná, participou das manifestações estudantis. Acabou presa pela primeira vez em 3 de outubro de 1966, dia da eleição para o colégio eleitoral que poria o general Costa da Silva na Presidência do Brasil. A polícia cercou o quarteirão da casa dela, na frente da Praça 29 de Março. Levaram Janina acreditando tratar-se da filha. Corrigido o engano, a prisão durou um dia, mas rendeu uma longa crise familiar.

Impotência

A prisão de junho de 1970 foi mais longa. Um mês. Foi torturada no quartel da Praça Rui Barbosa, que não existe mais, ao ser interrogada pelo delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury, conhecido agente da repressão durante a ditadura militar. Anos mais tarde, ela diria em entrevista que a tortura tem um impacto que não é físico, e carrega em si um antagonismo: a impotência absoluta e a prepotência absoluta. Teresa aguentou calada os rigores da tortura, sem delatar ninguém.

Solta, mas perseguida, se exilou no Chile, entre 1970 e 1972, com o marido e o filho de colo, Gunter. Lá nasceu a segunda filha, Lupe. Condenada à revelia pela ditadura militar, no retorno ao Brasil foi presa e enviada à Penitenciária de Piraquara. Fez greve de fome, adoeceu e, um mês depois, a levaram para um convento no bairro Mercês. A transferência se deu graças à intervenção do arcebispo dom Pedro Fedalto. Quando acordou, Teresa se viu num quarto branco, com uma freira vicentina toda de branco ao seu lado. Ficou ali quase dois anos, em prisão especial.

O peso das restrições continuava. O Comando de Caça aos Comunistas (CCC) mantinha as torturas psicológicas com seguidas cartas em tom de ameaça. Quando saiu da cadeia, as organizações de esquerda tinham sido extintas, seus companheiros estavam na cadeia, mortos, desaparecidos ou no exílio. Olhava com desconfiança as estruturas partidárias, mesmo a do Partido dos Trabalhadores. Tomou a difícil resolução de não se envolver mais nas causas políticas. “Continuo sendo um ser político que ainda não achou seu lugar”, disse em uma de suas últimas entrevistas.