sexta-feira, 28 de junho de 2013

UOL Notícias, 28/06/2013


Tornar a corrupção crime hediondo é "demagogia atroz", diz filósofo Roberto Romano

Guilherme Balza
Do UOL, em São Paulo

A aprovação no Senado do projeto de lei que torna a corrupção crime hediondo, conforme pedido pela presidente Dilma Rousseff após a onda de manifestações que se espalhou pelo país, é uma medida de "demagogia atroz", na opinião do filósofo Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

"Tornar a corrupção crime hediondo é de uma demagogia atroz. Não foram modificados os procedimentos para a punição [dos corruptos]", diz. Para Romano, a medida não irá funcionar porque os representantes no Legislativo e Executivo continuam a ter foro privilegiado. "Ou seja, pouco importa se é hediondo ou não. Não haverá punição. Tornar um crime hediondo sempre foi uma tática para aplacar multidões ressentidas."

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Internautas registram protestos motivados por aumento das tarifas do transporte; veja fotos200 fotos

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26.jun.2013 - O internauta Carlos Sodré fotografou confronto entre a Tropa de Choque e manifestantes em frente à Prefeitura de Belém Carlos Sodré/Vc Manda/UOL
 
O filósofo diz que as manifestações deixaram claro que a população não dá legitimidade aos que ocupam cargos políticos. "Nós últimos dois anos eles [os políticos] se esmeraram em adotar atitudes arrogantes, que desafiaram a população". Como exemplo, Romano cita tentativas de se afrouxar a lei da Ficha Limpa e a Lei de Improbidade Administrativa, além da tentativa de aprovar a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 37, arquivada nesta semana pela Câmara.

Populismo?

O professor diz que a derrubada da PEC na Câmara, a aprovação de 75% royalties para a educação e 25% para a saúde na mesma Casa e do projeto que torna corrupção crime hediondo no Senado, bem como os cinco pactos anunciados por Dilma na segunda-feira (23), não podem ser reduzidos a medidas populistas, mas são uma tentativa de se reconquistar a legitimidade do Legislativo e do Executivo.

"O populismo integra a política municipal, estadual e federal no Brasil desde 1945. Temeria chamar de populismo essas medidas do Congresso e da Presidência da República. São tentativas bastante toscas de se recuperar o mínimo de legitimidade dessas instituições perante à população", afirma Romano.

Para o filósofo, a atuação do Congresso e do Executivo daqui para frente dependerá, em grande parte, dos rumos das mobilizações que se alastraram pelo país. "O que vamos experimentar é se essas direções de movimentos têm condições de amadurecer do ponto de vista prático e organizacional e fazer uma agenda menos difusa, com tantos temas."

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Manifestantes contam em cartazes quais são suas reivindicações 212 fotos

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17.jun.2013 - Manifestante durante concentração para o 5º protesto contra o aumento da tarifa do transporte coletivo no largo da Batata, em Pinheiros (zona oeste de São Paulo) Leia mais Léo Pinheiro/Futura Press

Disputa pela hegemonia

Romano acredita que as manifestações devem arrefecer nas próximas semanas, mas podem criar uma cultura de protesto, em especial pela juventude. O filósofo crê ainda que haverá uma disputa pela hegemonia das mobilizações, que determinará os sentidos e pautas dos protestos. 

"Em movimento político e de massas, a partir do momento em que passa ser significativo, começa a haver uma disputa pela hegemonia, pelas palavras de ordem. Uma vez estabelecida essa hegemonia, é natural que determinadas reivindicações surjam como prioritárias", afirma.

Além da mobilidade urbana, o filósofo aponta a violência policial e os gastos com a Copa do Mundo como questões que devem ganhar força nos protestos.