Tornar a corrupção crime hediondo é "demagogia atroz", diz filósofo Roberto Romano
Guilherme Balza
Do UOL, em São Paulo
Do UOL, em São Paulo
A aprovação no Senado do projeto de lei que torna a corrupção crime hediondo, conforme pedido pela presidente Dilma Rousseff
após a onda de manifestações que se espalhou pelo país, é uma medida de
"demagogia atroz", na opinião do filósofo Roberto Romano, professor de
Ética e Filosofia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
"Tornar a corrupção crime hediondo é de uma demagogia atroz. Não foram
modificados os procedimentos para a punição [dos corruptos]", diz. Para
Romano, a medida não irá funcionar porque os representantes no
Legislativo e Executivo continuam a ter foro privilegiado. "Ou seja,
pouco importa se é hediondo ou não. Não haverá punição. Tornar um crime
hediondo sempre foi uma tática para aplacar multidões ressentidas."
O filósofo diz que as manifestações deixaram claro que a população não
dá legitimidade aos que ocupam cargos políticos. "Nós últimos dois anos
eles [os políticos] se esmeraram em adotar atitudes arrogantes, que
desafiaram a população". Como exemplo, Romano cita tentativas de se
afrouxar a lei da Ficha Limpa e a Lei de Improbidade Administrativa,
além da tentativa de aprovar a PEC (Proposta de Emenda Constitucional)
37, arquivada nesta semana pela Câmara.
Populismo?
O professor diz que a derrubada da PEC na Câmara, a aprovação de 75% royalties para a educação e 25% para a saúde
na mesma Casa e do projeto que torna corrupção crime hediondo no
Senado, bem como os cinco pactos anunciados por Dilma na segunda-feira
(23), não podem ser reduzidos a medidas populistas, mas são uma
tentativa de se reconquistar a legitimidade do Legislativo e do
Executivo.
"O populismo integra a política municipal, estadual e federal no Brasil
desde 1945. Temeria chamar de populismo essas medidas do Congresso e da
Presidência da República. São tentativas bastante toscas de se
recuperar o mínimo de legitimidade dessas instituições perante à
população", afirma Romano.
Para o filósofo, a atuação do Congresso e do Executivo daqui para
frente dependerá, em grande parte, dos rumos das mobilizações que se
alastraram pelo país. "O que vamos experimentar é se essas direções de
movimentos têm condições de amadurecer do ponto de vista prático e
organizacional e fazer uma agenda menos difusa, com tantos temas."
Disputa pela hegemonia
Romano acredita que as manifestações devem arrefecer nas próximas
semanas, mas podem criar uma cultura de protesto, em especial pela
juventude. O filósofo crê ainda que haverá uma disputa pela hegemonia
das mobilizações, que determinará os sentidos e pautas dos protestos.
"Em movimento político e de massas, a partir do momento em que passa
ser significativo, começa a haver uma disputa pela hegemonia, pelas
palavras de ordem. Uma vez estabelecida essa hegemonia, é natural que
determinadas reivindicações surjam como prioritárias", afirma.
Além da mobilidade urbana, o filósofo aponta a violência policial e os
gastos com a Copa do Mundo como questões que devem ganhar força nos
protestos.