quarta-feira, 18 de março de 2009

Correio Popular de Campinas, 18 de março 2009

Por coincidência, como se fosse para replicar o conteúdo do artigo que publiquei hoje em minha coluna no Correio Popular de Campinas, o Painel da Folha (18/03) traz as duas notinhas abaixo, marcas inconfundíveis da idiotia que habita as mentes do Congresso Nacional. Tempos atrás vereadores de Mogi Mirim, na tribuna, disseram que o povo "tem inveja" dos edís. Agora senadores dizem o mesmo. Ah! Se o povo tem inveja! Ter salvo conduto para delinquir, mordomias mil, safadezas sublimes, além de legislar em causa própria, é de causar inveja a todos os governados e governantes democráticos do mundo. A rainha da Inglaterra, da Holanda, da Suécia, do Japão, mais o Papa, somando Obama, Merkel e outros menos ilustres do que os congressistas brasileiros, se ralam de inveja dos que habitam o antro que um dia foi chamado Casa do Povo. Só não atribuo o Garotinho de Ouro aos senatores (cito Marta Bellini, claro) porque eles estão abaixo do nível requerido para tal láurea.
RR
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Sucupira 1. De Wellington Salgado (PMDB-MG), soldado fiel de Renan Calheiros (PMDB-AL), sobre o noticiário incômodo: "Todo mundo fala da gente. Mas, enquanto nós não criarmos aqui alguma lei que, se falar mentira, tem que indenizar... Tem que pagar o que vale o nome de um senador da República!".

Sucupira 2. Mão Santa (PMDB-PI) consolou o colega cabeludo: "Há muita inveja. Mas representamos o que há de melhor neste país, virtuosos, os pais desta pátria!".
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Publicada em 18/3/2009


Segredos e poder

Roberto Romano

Os parlamentares brasileiros escondem dos cidadãos as reais despesas com as obscenas “verbas indenizatórias”. Além de vergonhoso, o procedimento impede a publicidade, única via democrática de governo. Mas a defesa de privilégios secretos não é apenas brasileira. Governos do mundo escondem os pontos graves das políticas públicas. A opacidade estatal atinge níveis inéditos. O aumento do segredo em Estados hegemônicos diminui a possível força dos dependentes ou não hegemônicos. Após a implosão da URSS, surgiram no horizonte mundial três cenários nos quais se revelam as potências da Federação norte-americana, da insipiente União Européia, de uma possível união asiática, onde se disputam a hegemonia a China, o Japão, a Índia e os pequenos “tigres”.

Sendo fato social, o segredo se manifesta em todos os coletivos humanos, das igrejas às seitas, dos Estados aos partidos, dos advogados aos juízes, dos quartéis às guerrilhas, das corporações aos pequenos vendedores de rua, da imprensa às formas de censura, dos laboratórios e bibliotecas universitários às fábricas, dos bancos às obras de caridade. O segredo arruína toda comunicação. Adam Smith, o filósofo economista perguntou um dia: “Como é possível determinar segundo regras o ponto exato no qual, em todo caso, um delicado sentido de justiça segue para o escrúpulo fraco e frívolo da consciência? Quando o segredo e a reserva começa a caminhar rumo à dissimulação?” A prudência define a passagem de uma prática eticamente correta, para uma outra, em que o poder abusivo se manifesta. O segredo integra a vida, como uma realidade não visível. Neste sentido, ele vive na consciência dos homens que, ao se reunirem para qualquer fim, agem tendo em vista alvos não imediatamente perceptíveis pelos alheios ao grupo. Segundo o sociólogo Simmel “o segredo oferece a possibilidade de um segundo planeta ao lado do planeta manifesto; e o último é influenciado decisivamente pelo primeiro”.

O velho pensamento liberal é oposto ao segredo, salvo em situações de guerra. Um ensaio de Bentham (Of Publicity) salienta tal aspecto. A publicidade é “a lei mais apropriada para garantir a confiança pública, sendo a causa de seu avanço constante rumo ao fim de sua instituição”. O segredo, pensa Bentham, “é instrumento de conspiração; ele não deve, portanto, ser o sistema de um governo normal”. Na Inglaterra, entretanto, o segredo do Gabinete é garantido pelo Privy Councillor´s Oath: o ministro deve “manter segredo em todas as matérias atribuídas ou reveladas (…) ou a serem discutidas no Conselho”.

O problema com o segredo, no entanto, é a sua fácil descoberta. “A preservação do segredo é instável, as tentações de trair são múltiplas; a estrada que vai da discrição à indiscrição é em tantos casos tão contínua, que a fé incondicional na discrição envolve uma incomparável preponderância do fator subjetivo”. Em outras palavras: “o segredo é cercado pela possibilidade e tentação de trair; e o perigo externo de ser descoberto é entretecido com um perigo interno, que se parece com o fascínio de um abismo”. E porque o segredo é tão vulnerável? Ele é “um arranjo provisório para forças ascendentes e descendentes” (Simmel).

Não é por acaso que os deputados e senadores brasileiros odeiam os jornais, a mídia em geral, a opinião pública. Eles desejam que seus atos, mesmo os mais questionáveis em termos éticos, recebam camadas espessas de fumaça, embaçando os olhos da nacionalidade. Tal prática covarde se coaduna com várias outras, como a trazida pelo foro privilegiado e outras tibiezas de suas excelências. Cabe à cidadania que paga impostos exigir dos representantes prestações de contas e responsabilidade. Se nada fizermos contra os improbos que se escondem da vista coletiva, o seu parasitismo logo esgotará a vida que ainda corre pela sociedade política. Como diz N. Bobbio, um Estado secreto não é democrático. O que basta para dizer que o poder brasileiro, no relativo aos deputados que escondem seus gastos (garantidos pelo nosso dinheiro) é apenas... tirânico.