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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 07 de maio de 2012 a 13 de maio de 2012 – ANO 2012 – Nº 525As fronteiras da xenofobia
Para docente, sociedade brasileira precisa se preparar para receber os novos fluxos migratóriosCom a entrada do Brasil na rota das migrações internacionais e com a reconfiguração dos fluxos migratórios internos, a sociedade brasileira precisará aprender a conviver com essa “nova população”, que pode ser transitória ou não. A avaliação é da professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp, Rosana Baeninger. De acordo com ela, parte dos brasileiros ainda tem uma visão distorcida acerca dos processos migratórios. “Com frequência, essa visão, que tem um forte viés ideológico, tende a reavivar antigos preconceitos e xenofobias, segundo os quais os imigrantes é que seriam os responsáveis pela presença de problemas sociais, como o aumento da pobreza e da violência em uma dada localidade”, adverte.
A
fronteira entre a população necessária e a população excedente, conforme
a especialista, é muito tênue. “A sociedade local precisa dessa mão de
obra extra para suprir as atividades produtivas. Entretanto, se as
administrações municipais não estiverem preparadas para receber os
fluxos migratórios internos e internacionais, é possível que ocorram
problemas. De um lado, esse novo contingente traz impactos para setores
como saúde, educação, transporte e moradia. De outro lado, por serem
migrações com destino urbano, são mais visíveis – estão na vida
cotidiana – e trarão, certamente, o estranhamento; serão ‘essa gente que
vem de fora’, o ‘diferente’, o ‘outro’. Assim, se não houver um
trabalho para que a sociedade receptora entenda a importância dessa
migração, a visão negativa pode ser reafirmada”, reforça Rosana
Baeninger.
A docente da Unicamp
lembra que outro ponto importante em relação ao acolhimento dos
imigrantes internacionais está vinculado à legislação. Embora cada fluxo
migratório tenha a sua particularidade, as normas legais precisam
abarcar todas as situações. “Nós da academia temos participado de
discussões sobre esse tema. Nosso objetivo tem sido o de mostrar aos
gestores públicos evidências que contribuam para a formulação de leis e
políticas públicas voltadas ao atendimento dos migrantes”, revela.
Conforme Rosana Baeninger, os primeiros anos do século XXI mudaram
completamente o entendimento que os estudiosos tinham a respeito tanto
da migração interna quanto da internacional. “Do ponto de vista da
migração interna, por mais que São Paulo continue recebendo um grande
volume de pessoas de outras regiões, o Estado já não tem mais a
capacidade de retenção que tinha até meados dos anos 90”, afirma.
Atualmente,
prossegue a professora do IFCH, São Paulo é o local de onde mais saem
pessoas para alimentar o fluxo migratório interno, com intenso fluxo de
migração de retorno. O Estado recebe perto de 1 milhão de migrantes por
ano, mas envia em torno de 1,2 milhão para outros pontos do país. A
Região Metropolitana, de forma muito particular, experimenta uma
rotatividade migratória. “Até o final dos anos 90, nós explicávamos as
condicionantes da migração interna por meio da desconcentração
econômica. Ou seja, Paraná, Minas Gerais e Nordeste passaram a receber
novos investimentos, o que promoveu um redirecionamento dos fluxos. A
partir do início do século XXI, porém, ocorreu uma mudança fundamental.
Embora a migração histórica ainda seja verificada, numa espécie de
complementaridade entre Nordeste e Sudeste, ela agora está inserida num
processo de reestruturação produtiva. Assim, além da desconcentração
econômica, ocorre também a implantação de empreendimentos, via capital
internacional, diretamente no Nordeste, que acaba absorvendo parte da
mão de obra que viria para São Paulo, notadamente aquela de menor
qualificação”, detalha.
Nos dias
atuais, continua a especialista, tem se configurado um novo corredor de
migração no Brasil, com os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e
Goiás, tendo o Distrito Federal como a principal metrópole de serviços. É
para lá que estão se dirigindo contingentes que partem do Maranhão e
Piauí, em busca de trabalho tanto nas lavouras de soja quanto nas
atividades ligadas ao serviço. “Isso não quer dizer, vale ressaltar, que
São Paulo tenha deixado de ser o grande dinamizador dos fluxos de longa
distância no país. Se analisarmos São Paulo separadamente, vamos
constatar que há de fato uma nova face da migração, vinculada à questão
da reestruturação produtiva. O Estado passou a conviver tanto com as
migrações internas quanto com as internacionais. É na metrópole
paulistana que vão se instalar, a partir do final dos anos 80, os fluxos
de migração boliviana e asiática, justamente como parte da circulação
do capital. Esse fenômeno também passa a ser verificado em outras
metrópoles, como Buenos Aires e Montevidéu, apenas para ficar nos nossos
vizinhos”, explica Rosana Baeninger.
A
migração de bolivianos e asiáticos para São Paulo, observa a docente da
Unicamp, tem uma diferença fundamental em relação ao fenômeno
registrado no final do século XIX e início do século XX, quando as
primeiras levas de estrangeiros chegaram ao Brasil. Na oportunidade, boa
parte dessa nova população veio para trabalhar nas fazendas de café,
substituindo a força de trabalho escrava. Agora, os estrangeiros têm
como destinos as áreas urbanas. “Dessa forma, mesmo que os volumes sejam
menores do que em períodos anteriores, esses imigrantes são muito mais
visíveis, como já mencionei. Tomando São Paulo mais uma vez como
exemplo, o fluxo recente de bolivianos, peruanos e paraguaios já está se
consolidando na Região Metropolitana. Esses estrangeiros chegam aqui
para trabalhar em nichos muitos característicos, como o da confecção”.
Os
asiáticos, principalmente coreanos e chineses, têm se instalado em São
Paulo nos últimos anos para trabalhar, como empreendedores, nos ramos de
confecção e comércio, respectivamente. Por causa do já mencionado
processo de reestruturação produtiva, pontua Rosana Baeninger, esses
imigrantes começam a se espalhar por um corredor constituído por outros
municípios. Assim, uma parte tem se instalado no Litoral e outra, na
região de Campinas, Limeira e Piracicaba. Um exemplo claro da chegada
desses estrangeiros é a presença deles em lojas que vendem miudezas,
instaladas nas áreas centrais das cidades. Em Campinas, por exemplo, os
asiáticos dominam os pontos de venda dos chamados produtos R$ 1,99.
“Essa migração internacional vai conviver com a migração interna nesses
locais, visto que muitos nordestinos ainda se dirigem ao interior
paulista para trabalhar na colheita da cana e da laranja ou em
restaurantes, como garçons”, diz a professora.
Refugiados
Em
termos de perspectivas, a docente da Unicamp chama a atenção para o
surgimento de um novo fluxo de migrantes internacionais, este composto
por refugiados. Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, são os dois
principais polos receptores de africanos. A capital paulista também tem
acolhido latino-americanos, particularmente colombianos. Ademais, no
contexto da crise humanitária, várias empresas têm se dirigido até o
Acre, onde vão convocar haitianos para trabalhar na construção civil, na
lavoura e na indústria de calçado, esta última em Franca. “Estamos
retomando os processos migratórios internacionais no Estado de São Paulo
como um todo. E por que os haitianos estão vindo para cá? Mais uma vez,
há a questão da reestruturação produtiva, mas há também o redesenho da
migração interna. Os nordestinos continuam chegando ao Estado, mas em
menor volume e para ficar menos tempo. Parte dessa mão de obra está
sendo suprida justamente pelos haitianos”, pormenoriza Rosana Baeninger.
Estas
e outras questões relacionadas à migração estão sendo objeto de estudos
tanto na Unicamp quanto no âmbito do Observatório das Migrações em São
Paulo, que constitui um projeto temático financiado pela Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Coordenada
por Rosana, a pesquisa reúne pesquisadores de diversas universidades do
Estado (Unesp, UFScar, Unifesp, Anhembi-Morumbi) e tem como objetivo
resgatar a trajetória das migrações internas e internacionais em
território paulista, bem como a suas implicações passadas,
contemporâneas e futuras para a formação social paulista no período que
compreende o final do século XIX até a primeira década do século 21
(1880-2010), avançando em anos subsequentes. Entre outros
docentes/pesquisadores, participam do projeto: Cláudio Salvatore
Dedecca, Maria Silvia Casagrande Beozzo Bassanezi, Oswaldo Mário Serra
Truzzi, Sênia Maria Bastos, Maria do Rosário Rolfsen Salles, Odair da
Cruz Paiva, Paulo Eduardo Teixeira, Álvaro de Oliveira D´Antona,
Fernando Antonio Lourenço, Lili Kawamura, Lilia Teresinha Montali, Maria
Fátima Chaves e Marta Maria do Amaral Azevedo.
“Contamos
com 16 pesquisadores e 25 bolsistas de pós-graduação de diferentes
áreas do conhecimento, que desenvolvem 16 estudos temáticos. Embora o
projeto esteja somente no seu terceiro ano de atividade, nós já
publicamos 27 artigos em revistas nacionais e internacionais,
participamos de cerca de 100 congressos e publicamos dois livros”,
relaciona a docente da Unicamp.