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Revista USP
versão ISSN 0103-9989
Rev. USP n.78 São Paulo jun./ago. 2008
GESTÃO E POLÍTICA NA UNIVERSIDADE PÚBLICA
Gestão universitária, autonomia, autoritarismo
Roberto Romano
Professor do Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp
Para
o estudo das formas administrativas universitárias é fundamental,
antes, examinar a noção e a prática da autonomia acadêmica. Esta
última varia de país a país de acordo com normas jurídicas que
determinam a vida do Estado e da sociedade civil. Em regiões européias
e norte-americanas, cujos regimes políticos vêm das revoluções
inglesa e francesa, apesar de existirem problemas na aplicação da
autonomia, ela é um fato respeitado pelos governos. Os períodos de
exceção totalitária (nazismo, fascismo, governo de Vichy) confirmam a
regra.
No Brasil não existe efetivamente autonomia das instituições estatais e civis diante dos governos. Nos campi
federais impera o modelo oposto ao da autonomia. A centralização dos
recursos financeiros e humanos no governo federal afasta as
veleidades de controle acadêmico autônomo. O reflexo mais evidente do
mimetismo entre o poder federal e as suas escolas superiores é a
excessiva concentração das decisões no setor executivo do campus.
Antes de refletir sobre a administração universitária, portanto,
vale inspecionar a prática política nacional, que ignora a vida
autônoma das unidades basilares da federação.
A
autonomia das universidades não vai além da letra grafada na
Constituição de 1988 ou de iniciativas sem maior peso. Fora as
universidades públicas de São Paulo - cujo estatuto jurídico autônomo
é frágil, posto que fundamentado em decreto do Executivo estadual-,
em todo o Brasil não existe, de fato e de direito, autonomia
universitária. Os campi são dirigidos de maneira centralizada,
a partir do MEC, e os dirigentes são escolhidos de modo
plebiscitário, com eleições que mais se parecem com escrutínios
municipais1. Como os municípios, os campi
federais não têm autonomia financeira e jurídica, dependem de tratos
oligárquicos e dos favores ministeriais numa troca de apoios entre
reitores e ocupantes do poder federal. Em recentes eleições
presidenciais essa anomalia se confirmou no apoio ilegal de reitores
ao candidato que finalmente venceu o pleito2. Os monopólios das políticas públicas pelo Executivo, longe de trazer eficácia administrativa e científica ao campus,
entravam ainda mais as iniciativas de pesquisadores e docentes. Não
surpreende, após a lamentável aliança entre reitores e o candidato
a presidente, que quase nada tenha tido bom termo nos assuntos da
educação superior. Os próprios responsáveis maiores pelo ensino
superior brasileiro confessam que, sem os municípios e as
universidades, nada pode ser feito em termos de melhoria
administrativa e pedagógica no ensino superior federal3.
Antes de falar sobre a administração universitária, portanto,
falemos sobre a nossa federação e seus pretensos municípios.
Os
municípios constituem a célula básica do moderno Estado nacional. No
período que vai do esfacelamento do Império Romano à Idade Média,
eles perdem força diante dos domínios feudais. Alguns mantêm sua
existência quase autônoma, regida pelas suas autoridades, assembléias,
etc. A partir do século XI as cidades, antes ameaçadas pela nobreza
e pelo clero, sofrem o assédio dos papas e monarcas, que centralizam
as nações. Essa situação continua até o século XVIII.
Segundo
Tocqueville, no Ancien Régime o Estado segue parâmetros diferentes
dos encontráveis na Idade Média. A realeza possui "outras
prerrogativas, tem um outro lugar [...] a administração do Estado se
amplia para todas as partes sobre os restos dos poderes locais; a
hierarquia dos funcionários substitui [...] o governo dos nobres".
Surge "a igualdade diante da lei, a igualdade dos cargos, a liberdade
de imprensa, a publicidade dos debates, princípios novos ignorados
pela sociedade medieval". Trata-se de uma "nova ordem social e
política, mais uniforme e simples, que tinha por base a igualdade de
condições".
O
poder real, para estabelecer seu poderio, enfrenta o poder dos
municípios. Em toda a Europa, mais particularmente na França, a
liberdade municipal, diz Tocqueville, sobrevive ao feudalismo. Em
nações como a alemã e a italiana, com características diversas,
várias cidades resistem ao poder. Elas formam pequenos Estados cuja
potência é maior ou menor conforme a guerra, a diplomacia, etc. Uma
característica do poder real é que ele encontra nas capitais e nas
cidades maiores e ricas o seu ponto de apoio na reconquista de
prerrogativas antes destinadas ao clero e aos nobres.
Tocqueville
mostra o quanto foi importante para o centro do Estado sufocar a
potência das cidades e impor a sua burocracia, com a igualdade de
todos diante do rei. No século XVIII o governo municipal degenera em
oligarquia, "algumas famílias conduziam nele os negócios, tendo em
vista fins particulares, longe do olhar público e sem serem
responsáveis diante dele: trata-se de uma doença espraiada por toda a
França". O moderno poder estatal tenta igualizar as urbes,
tornando-as centros desprovidos de força, venais, em favor do mando
concentrado na capital. A burocracia sufoca a independência dos
municípios4. Passemos ao Brasil.
A
história política brasileira apresenta similaridade com a situação
dos municípios descrita por Tocqueville. Com um agravante: as nossas
cidades aparecem sob o absolutismo. Não ocorrem nelas eleições
suficientemente livres, a responsabilidade dos governantes diante dos
munícipes e, sobretudo, a liberdade urbana. Terra de conquista
política e militar, mas sobretudo econômica, o Brasil foi
administrado segundo a moderna "igualdade de todos diante do rei".
Boa parte dos ofícios públicos são vendidos ou alocados segundo os
interesses da Corte. Sendo o território continental, as cidades
brasileiras recebem gestão a distância. Nelas, os impostos seguem o
rumo de Lisboa, com pouquíssimo retorno à sua origem. A tendência
centralizadora do poder real se consolida em Portugal com as reformas
pombalinas. "As concepções de poder político, sociedade e Estado são
assim formuladas em torno da noção de império civil, com fins de
legitimar a monarquia portuguesa e consubstanciar projetos de atuação
política"5.
Com
a vinda da Casa Real, compõe-se uma Corte no Rio onde se integram a
nobreza, burocratas de alto escalão, serviçais e negociantes. No
projeto idealizado, continua a noção de império português, com sede
no Brasil. A cidadania foi entendida nos parâmetros da antiga
metrópole: o "povo" era a aristocracia, os "homens bons" (ricos
proprietários) sem sangue judeu. A representação "popular" faz-se por
petições, dando-se o direito de voto sem que os cidadãos tivessem
presença ativa na esfera pública. Um outro projeto surgido na época é
mais radical, pois admite a presença cidadã na vida pública,
define autonomia para o Brasil. Nos dois projetos, cidadão é título
que não cabe aos escravos, evidentemente, nem aos homens livres e pobres
("gente ordinária de veste").
O
debate sobre a cidadania surge em 1821 na Assembléia do Rio de
Janeiro, na eleição de representantes provinciais para a Assembléia
de Lisboa, para redigir a Constituição portuguesa. O debate conduziu à
inesperada crítica da autoridade de João VI. Proposto um projeto de
governo representativo, visto pelos governantes como ligado "à força
incontrolável da multidão", sobretudo num reino onde a enorme
quantidade de escravos era perene ameaça (a revolta do Haiti em 1810
era um presságio).
A
dimensão do território brasileiro, as revoltas, o exemplo dos países
vizinhos que se tornaram repúblicas de tamanho inferior ao do
Brasil, a memória da Revolução Francesa, todo um amálgama de idéias,
medos, repressão, define o momento inaugural do nosso Estado
independente. Os que desejam um poder representativo e constitucional
conseguem em 1822 a convocação da Assembléia. Mas no país surgem
dois projetos não sintonizados e conflitantes: o da monarquia
soberana (São Paulo, sob liderança de José Bonifácio) e o de um
governo constitucional (Rio de Janeiro, liderado por José Clemente da
Cunha). Quando Pedro I é aclamado, José Clemente afirma o princípio
da soberania popular. Bonifácio, ao contrário, enfatiza a supremacia
do imperador.
Vence
o primeiro projeto, o império civil é instituído por direito divino.
Os defensores do segundo plano são perseguidos mas conseguem alguma
consideração, na Constituinte, para suas idéias. O novo governo
admite a liberdade política, mas sob a égide do poder supremo,
definido pelo imperador. Em 1823, José J. Carneiro de Campos discute a
sanção do soberano e defende o Poder Moderador. Exclusivo, esse
poder permite ao chefe de Estado controlar os demais poderes. A
Constituição de 1824 incorpora o quarto poder e o amplia, pois ele
pode dissolver a Câmara de Deputados, afastar juízes suspeitos, etc.
Tal poder foi alegado sempre que se tratou, no parecer dos
governantes, da salvação do Estado. No mesmo plano, é restrita a
autonomia do Judiciário.
A
preeminência do Poder Moderador sobre os demais é mantida no
império, incluindo o tempo de regência, quando o país passou por
rebeliões de norte a sul. Somadas as suspensões dos direitos e a
permanente supremacia do imperador, define-se como improvável a
democratização do Estado. A rebelião permanente e as necessidades do
poder central definem o império, excessivamente preso à concentração
de poderes, o que molesta o país ainda em nossos dias, com uma
federação na qual os estados possuem pouca autonomia, sobretudo em
matéria fiscal6.
Na república, as prerrogativas do Poder Moderador são incorporadas
silenciosamente à presidência do país. Com elas, vem a permanente
pretensão dos ocupantes daquele cargo a assumir, como imperadores
temporários, a preeminência e a intervenção nos demais poderes. O
Poder Moderador era vitalício e hereditário. Uma presidência imperial
limitada por quatro anos sofre a tentação de pressionar o
Legislativo para que faça ou aprove leis favoráveis ao programa e
pretensões presidenciais. De modo idêntico, há pressões sobre o
Judiciário para que reconheça a legitimidade das mesmas leis.
O
nosso modo de unir os estados tem pouco de "federalismo" e muito de
império. Tomemos a indicação da jurista Anna Gamper, que analisa as
formas federativas para apontar as fraturas no projeto da União
Européia:
"Por unanimidade, as definições de federalismo reconhecem o fundamento da palavra latina foedus
que significa 'pacto'. Todas as teorias concordam que federalismo é
um princípio que se aplica ao sistema que consiste em pelo menos duas
partes constituintes, não totalmente independentes que, juntas,
formam o sistema como um todo. O federalismo, pois, combina o princípio
da unidade e da diversidade (concordantia discors). As partes constituintes devem ter poderes próprios e devem ser admitidas a participar do nível federal"7.
Se no Brasil foedus significasse de fato um "pacto", teríamos graus crescentes de autonomia, dos municípios ao poder central.
Mas,
saindo de Brasília, regras uniformes determinam até os detalhes da
ordem nacional, desconhecem as diferenças regionais, culturais,
geográficas, etc. Do Oiapoque ao Chuí, uma uniformidade gigantesca
obriga cada uma das regiões a se pautar pelo tempo longo da
burocracia federal, perdendo tempo precioso para o experimento e
modificações das políticas públicas em plano particularizado.
Enquanto em outras federações, como a norte-americana (apesar do
grande centralismo administrativo daquele país), vigoram leis
diversas em termos penais, educacionais, tecnológicos, etc., no
Brasil, a mão de ferro do Estado central controla, dirige, pune e
premia os estados, caso sustentem os interesses dos ocupantes
temporários da presidência. Nesse controle, as oligarquias surgem
como operadores de face dupla: trazem os planos do poder central aos
estados e levam ao mesmo poder as aspirações de estados e municípios.
As negociações entre os dois níveis (central e estadual) ocorrem
sobretudo no Congresso. Ali, presidência e ministérios buscam apoio
aos seus projetos. É impossível conseguir recursos orçamentários sem
as "negociações" e, nelas, o modus operandi é a "troca de favores".
A
gênese do Estado brasileiro ocorre segundo regras absolutistas, sem
consulta aos cidadãos ou prudência nos gastos. Comenta uma
historiadora da nossa economia8:
"A
instalação do Estado português no Rio de Janeiro acarretou o aumento
dos gastos públicos impossível de ser cobertos pelo aumento dos
impostos ou por novas emissões de moedas metálicas. O crescimento das
atividades econômicas, impulsionado pela abertura dos portos e pela
revogação da proibição de instalação de fábricas, aumentou ainda mais
a demanda de moeda a qual só seria atendida com a emissão dos
bilhetes do Banco do Brasil, em 1810. [...] o interesse do governo
português em criar o Banco do Brasil deveu-se à impossibilidade de
financiar os gastos públicos - elevados quando da transferência da
Corte para o Rio de Janeiro em janeiro de 1808 - através apenas da
cobrança de tributos [...] o Alvará de outubro de 1808, deixava claro
que a organização de um banco emissor justificava-se pela
necessidade de financiar as altas despesas governamentais".
Com
a Independência, o Rio ocupa o lugar de Lisboa na destinação dos
impostos. Mas continua a lógica da mão única: os tributos saem das
cidades e não retornam a ela, ou só retornam pela interferência de
oligarquias regionais. E temos o exposto por Maria Sylvia Carvalho
Franco9:
cidades viveram mais de século sem elementares serviços públicos.
O inevitável ocorre, pois os administradores dos municípios, distantes
do centro poderoso, precisam de obras públicas, exigidas pela
população que paga impostos. Estes últimos não retornam da Corte ou
voltam apenas depois dos tratos entre oligarquias e poder central. Os
cofres municipais vazios, o meio para equacionar o dilema é a
mistura dos recursos públicos e privados. A autora cita Atas das
Câmaras nas quais os vereadores (homens bons, os fazendeiros) fazem
subscrições e emprestam dinheiro, mão-de-obra escrava e materiais
para realizar serviços no município. A lógica é implacável: se
retiram do bolso os recursos para os cofres municipais, nada mais
coerente do que, se enfrentam dificuldades financeiras, retirar dos
cofres públicos o socorro para os seus apuros privados. A autora cita
casos impressionantes dessa mistura explosiva.
Todo
esse processo forma uma rede de favores decisivos nas eleições. A
população admira os prefeitos, vereadores, deputados estaduais e
federais que trazem obras e recursos para os municípios. Os prefeitos
são imersos na rede dos favores gerada pela distância entre as
cidades e o poder federal. É dramático ser prefeito em Brasília. Sem
favores ele não chega às verbas e, com favores, perde quase autonomia
política. Marchar para a capital, no caso dos prefeitos, não produz
resultados brilhantes em prazo longo. A parte do leão dos tributos
fica retida no poder central. Conseguir meios para a cidade (e os
eleitores cobram obras, sempre e mais) é cair no abismo. Ou o
prefeito termina o mandato sem obras (pena de morte política) ou as
consegue por meio dos "favores". Leis como a de responsabilidade
cobram austeridade de prefeitos que assumem parcelas mais do que
franciscanas de recursos. Elas penalizam administradores obrigados à
busca de meios, sem que os impostos fluam no retorno aos municípios e
só voltem após as operações mencionadas acima10.
As
ditaduras do século XX, a de Vargas e a dos militares, diminuíram ao
máximo a idéia (a prática nunca existiu plenamente) da autonomia
institucional dos estados (mesmo a eleição dos governadores era
indireta), dos municípios e das formas de poder e cultura
brasileiros. As universidades, naqueles dois regimes, eram abertas à
repressão, sem nenhuma liberdade pública.
Após
a ditadura militar o Estado de direito se afirma na Carta Magna. A
Lei Maior recebe inequívocas formulações democráticas. Mas antigos
parlamentares, muitos deles acostumados a obedecer ao Executivo
ditatorial ou a servir interesses privados que usurparam direitos no
longo governo castrense, unem-se ao Executivo para boicotar a
Constituição. Vários dispositivos constitucionais, como a
obrigatoriedade da inversão de recursos para o ensino público, são
ameaçados nos sucessivos governos civis com o uso de medidas
provisórias que, a pretexto de corrigir e administrar a economia,
retiraram recursos da área.
Dentre
as formas democráticas definidas na Constituição de 1988, impõem-se
as idéias ligadas à autonomia. A autonomia universitária não está
isolada no documento maior de nosso direito público e privado. Os campi
são proclamados autônomos na mesma ordem em que é definida a
autonomia de outros setores do Estado. Como adianta Anna Candida da
Cunha Ferraz, na Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo
(5/10/98), "consiste a autonomia na capacidade de autodeterminação e
de autonormação dentro dos limites fixados pelo poder que a
institui". A federação é o único ente que detém soberania plena, cuja
fonte encontra-se nos povos que a constituem. Os estados gozam de
autonomia, não de soberania absoluta. Desse modo, unidos em
federação, não podem ver abolido, suprimido, alterado ou restrito o
seu aspecto "autonômico fixado pelo texto da Lei Maior, seja para
interpretá-lo, seja para lhe dar aplicação".
Caso um dos poderes federais ou estaduais tente recusar aquele traço, deixa de existir respeito à norma que integra a ratio essendi
da própria Constituição, o que seria um claro golpe de Estado. Como
resultante, outras entidades nacionais, como os municípios (artigo
34, VII, "C"), o Judiciário (autonomia administrativa e financeira,
no artigo 99) e o Ministério Público (artigo 127, §2), têm autonomia
funcional e administrativa. Tais medidas servem como engaste onde se
insere o artigo 207, que assegura às universidades autonomia
didático-científica, administrativa e de gestão financeira e
patrimonial. A noção de autonomia serve para atenuar os males das
ditaduras, que formaram uma ética na qual o Executivo tem todos os
direitos, e os demais poderes e instituições, apenas deveres, ou
apenas o direito de negociar seus direitos, traduzido isto em
vantagens pessoais ou corporativas.
Volto
a citar Anna Candida: "A autonomia universitária vem consagrada no
Texto de nossa Lei Maior, em seu artigo 207. Coube à Constituição de 5
de outubro de 1988 elevar, pioneiramente na história da universidade
no Brasil, a autonomia das universidades ao nível de princípio
constitucional". Na Constituição de 88, as garantias universitárias
entram num rol de autonomias, visando a atenuar o poder do Executivo.
"Uma
primeira e relevante observação deve ser extraída do preceituado no
artigo 207 e diz respeito à natureza da norma constitucional quanto à
sua eficácia e aplicabilidade. O princípio autonômico assegurado
às universidades pelo constituinte originário tem seus contornos
definidos em norma auto-aplicável, bastante em si, na lição da
doutrina clássica, ou em norma de eficácia plena e de aplicabilidade
imediata [...]."
A
autonomia das universidades públicas paulistas foi estabelecida há
bom tempo, tornando-as mais livres e mais produtivas do que as suas
congêneres federais.
Dadas as pressuposições históricas e jurídicas da realidade política que envolve os campi
brasileiros, passemos às questões internas da administração
universitária, com a sua lógica própria. Comecemos em plano mundial,
mais especificamente na Europa. Em 1919 Max Weber apresenta aos seus
ouvintes o fato que para ele era inelutável: na Alemanha e demais
países do continente os institutos de pesquisa em medicina ou em
ciências eram empresas "capitalistas estatais". Neles, equipamentos e
recursos pertenciam ao poder estatal, sendo os docentes expropriados
dos meios de produção científica. Weber usa com freqüência,
colocando-o em outro contexto, o fenômeno descrito por Karl Marx da
separação (Trennung) entre o trabalhador e os meios de
trabalho. Assim, ele sublinha o instante em que a Igreja Católica
instaurou a si mesma como imensa burocracia espiritual, no fim da
Idade Média.
A
Sé romana expropria bispos, abades, provinciais e párocos da
propriedade dos meios espirituais e materiais necessários à salvação.
Os clérigos passam a depender do Sumo Pontífice para a sua nomeação
e para o exercício do cargo. Tudo o que estava na diocese ou nas
paróquias deixa de ser propriedade do titular e passa às mãos da
Igreja universal com sede em Roma. A instituição vale mais que os
indivíduos que a compõem. Também na empresa moderna operário e gestor
são expropriados dos meios de administração e de produção. As
empresas se determinam como burocracias e não é por acaso, adianta
Weber, que a Igreja foi a primeira empresa coletiva e internacional
de salvação. Há um espelhamento entre a faina produtiva e o mundo
espiritual dominado pela racionalidade calculadora moderna.
Assim
ocorre com a universidade. Nela, professores e pesquisadores
assistentes não produzem ciência de maneira imediata. Eles dependem
"do diretor do instituto tanto quanto, numa fábrica, um empregado
depende do gerente, uma vez que o diretor do instituto acredita, com
toda a sinceridade, que o instituto é 'seu', ali ele é o patrão.
Conseqüentemente, o assistente cientista alemão leva o mais das vezes
o mesmo tipo de vida precária de qualquer pessoa em posição de tipo
proletário, e como o assistente na universidade norte-americana"11.
Exagero? No caso dos EUA, ainda hoje várias universidades que reúnem
ganhadores do Nobel recebem milhões de dólares do Estado e das
empresas. Pouco se menciona que naquelas mesmas instituições assistentes
jovens, sem a Tenure (garantia de manutenção no emprego),
dão aulas e aulas, operam como verdadeiros servos dos grandes nomes e
da universidade.
Essa lógica é inflexível. Mesmo que não existam muitos notáveis no campus,
os grupos de pressão e de ascensão na ordem funcional operam como
privilegiados coletivos. A eles são destinadas as grandes verbas de
pesquisa e deles saem os representantes das universidades nas
agências de financiamento, avaliação, etc. Os professores alheios aos
referidos grupos são empurrados para a condição proletária nas salas
de aula, nas tarefas consideradas menores e inferiores. Ao constatar
a expropriação dos docentes alemães e norte-americanos de seus dias,
Weber afirma com ênfase: "Internamente, tanto quanto externamente, a
estrutura da universidade tradicional tornou-se ficção".
Quando se fala em autonomia universitária e administração dos campi,
vale portanto consultar a conferência de Weber intitulada "Ciência
como Vocação", com o seu complemento necessário, "Política como
Vocação". Quando um exercício semelhante é feito, ilusões se perdem.
Por mais desengano que tragam tais páginas candentes, é possível
nelas encontrar frases como a seguinte: "Nada tem valor para um ser
humano se não puder fazê-lo com dedicação apaixonada".
A
perda gradativa da autonomia de indivíduos e grupos, nos complexos
de pesquisa e de ensino superior, é corrigida de vários modos. Retomo
o caso dos governos totalitários europeus e das ditaduras
brasileiras, no seu trato com as universidades. Hoje é possível
seguir, passo a passo, o que ocorreu nas universidades sob aqueles
regimes. Os estragos gerados com o nexo imediato entre reitorias e
gabinetes do Poder Executivo (não raro, com passagem obrigatória
pelas agências de espionagem dentro do campus) mostram que a
noção de autonomia acadêmica e administrativa é mais do que simples
doutrina liberal, feita para ser usada talvez numa Constituição ou
Regimento, mas nunca para ser praticada de fato. Se acompanharmos os
prejuízos para a vida pública gerados pelo conúbio entre reitorias,
grupos de pesquisas privilegiados e setores governamentais
autoritários, veremos que a noção e a prática da autonomia exige ser
preservada ou instituída12.
Quando
notamos o grau de compromisso dos reitores citados acima, que
apoiaram um candidato ao Poder Executivo federal, podemos nos
inquietar com os frutos previsíveis desse comércio. Ao contrário das
universidades européias ou norte-americanas, onde a guerra para
conseguir recursos ocorre entre grupos e lideranças acadêmicas (as
que vencem internamente, no campus, conseguem recursos do
Estado ou das empresas), o caso das universidades públicas federais
brasileiras é mais grave. Nelas, como nos municípios, a mediação
entre verbas e benefícios vários ocorre pela via oligárquica e
partidária. Eleito, o reitor que já não integra uma oligarquia deve
receber seu beneplácito para atingir deputados federais e senadores,
sempre na busca do favor político, a ser pago com explícita
fidelidade aos programas de "colaboração" com o governo federal.
Assim, cada recurso novo é negociado na boca do orçamento, com a
aliança entre dirigentes acadêmicos e líderes da maioria. Ocasionais
líderes das oposições consentidas podem ajudar na cata de verbas. O
prestígio junto ao Executivo e no Congresso, nos últimos tempos, tem
sido de árdua obtenção. Daí os grupos e associações dos dirigentes
universitários, na verdade lobbies bem ordenados, aumentarem a sua ação naqueles setores, de maneira coordenada.
Dados
os pressupostos políticos mais amplos do Estado federal, com a
hegemonia do Executivo, não interessa aos dirigentes acadêmicos a
autonomia universitária, mas o jogo entre oligarquia, Congresso,
gabinetes ministeriais. É naquele espaço que se determina o prestígio
político deste ou daquele reitor, e do grupo ao qual pertence. Como
prefeitos em plano micrológico (mas notemos o fato de que várias
universidades federais, em seus estados, possuem orçamentos maiores
do que muitos municípios) os reitores lutam pessoalmente ou em grupo
para trazer verbas aos campi. No itinerário dos recursos, a
palavra "estratégia", como sempre no Brasil, o favor e as "conversas
políticas". Ao se prender nesse jogo burocrático partidário, os
reitores são obrigados a aceitar a lentidão, a uniformidade imposta,
as regras que amesquinham o ensino e a pesquisa. Como os prefeitos,
eles são reféns da inexistente federação brasileira, na qual as bases
institucionais perderam de fato e de direito a autonomia que lhes é
reconhecida pela Constituição de 88.
No mesmo passo em que essa rede absolutista e cortesã tolhe iniciativas dos campi
federais, grassa no seu interior a ilusão da democracia eletiva, com
expressa abstração dos fins científicos e pedagógicos da
universidade. O dogma das eleições que assegurariam administração
eficaz nos campi, além de afastar os interesses conservadores
na ordem acadêmica, mostrou resultados decepcionantes para os seus
defensores. A experiência da Universidade Federal de Santa Catarina é
importante, nesse sentido, mas não a única. Pelo contrário, ela se
repete a cada nova eleição na maioria dos campi federais. Nas eleições reitorais
"[...]
todos os nomes sufragados pelas urnas pertenciam às forças políticas
que vinham dirigindo a UFSC desde a sua criação e que mantinham
com os governos militares uma convivência pacífica ou um apoio
entusiasta. [...] O processo eleitoral não possibilitou, portanto,
como esperavam ou aspiravam as forças de oposição ao regime militar,
neste caso as organizações dos docentes, servidores
técnico-administrativos e estudantes, que grupos políticos não
alinhados com as elites locais e nacionais pudessem ocupar os mais
altos cargos da universidade"13.
A ilusão eleitoral nos campi
não traz resultados insuspeitos apenas no plano doutrinário ou
ideológico. Na ordem da pesquisa e do ensino os estragos são mais
graves. Sem autonomia efetiva, cada nova "negociação política" entre
reitorias e ministérios, mediada por oligarquias e partidos, acarreta
engessamento de iniciativas, delongas nas liberações de recursos e, last but not least,
a lógica populista que reduz as complexas questões universitárias ao
maniqueísmo que exige adesão aos governos ou o inferno da oposição.
"No campus,
nenhum mandato popular ou divino fornece legitimidade ao exercício
do pesquisador/docente ou pesquisador/estudante. Apenas a retidão
ética e o conhecimento verdadeiro fornecem autoridade ao corpo
acadêmico. Assim, o problema das eleições universitárias é muito
grave e de árduo encaminhamento. Se um reitor mostra-se alheio à
produção do saber e do ensino e se age tendo em vista os ditames do
poder de Estado, ele representa apenas e tão-somente aquele poder no campus.
Ele é um corpo estranho na comunidade. Se não possui autoridade
ética e científica, seu governo é uma intromissão permanente do
poder na pesquisa, em prejuízo da já mencionada autoridade ética e
científica. Se, além disso, o reitor traz para o interior da
instituição universitária os interesses dos comprometidos de modo
imediato com o poder (como no caso das oligarquias, do mercado, das
grandes forças econômicas) ele é nocivo à universidade"14.
Os
reitores indicados não operam como seus colegas, os diretores de
institutos alemães discutidos por Max Weber em "Ciência como
Vocação". Aqueles acadêmicos empreendedores seguiam a lógica do
capitalismo. Os nossos reitores operam na lógica patrimonial do
Estado absolutista brasileiro. Eles não operam primordialmente com
verbas, com os governos e as empresas para tocar os projetos
científicos dos campi. Sua função é carrear recursos públicos
disputados na ordem política em que vigora o "é dando que se recebe".
Vários reitores tombam, desse modo, na prática patrimonialista que
não enxerga limites entre os recursos públicos e os seus,
particulares. Como na prática generalizada em nossa política, o
simples fato de conseguirem verbas para os campi faz com que
eles se considerem essenciais à universidade nesse labor. Daí
entenderem seus feitos junto aos ministérios e Congresso como uma
série de "favores" aos seus pares dos laboratórios, bibliotecas e
salas de aula.
Nos
últimos tempos, reitorias que assumiram essa lógica, nas
universidades federais, surgem em noticiários políticos e de polícia,
ligadas ao uso errôneo de recursos públicos. Para entender o fato,
importa examinar, portanto, a estrutura do Estado brasileiro e os
costumes políticos que ela ocasiona. Sem autonomia, governadores,
prefeitos, reitores são apenas um elo da imensa cadeia do favor que
rege a vida política nacional. É quase impossível mudar aquela forma
de poder, que centraliza todas as políticas públicas nos gabinetes do
Executivo federal. Mas nas universidades operam intelectuais que
dominam saberes e práticas as mais sofisticadas. Eles poderiam
elaborar planos de autonomia compatíveis com os padrões de pesquisa
científica, humanística e de ensino. Se não o fizeram e se não o
fazem, é por cumplicidade. Aí, nada mais pode ser dito pelos
analistas, porque entramos no terreno do poder e da raison d'État cabocla, fonte de muitos risos e de muitas lágrimas para a cidadania brasileira.
1 As eleições nos campi
federais definem embates eleitorais costumeiros nos municípios. A
propaganda, o agenciamento, as técnicas de luta entre grupos que
disputam os cargos fazem com que uma visita àquelas universidades em
tempos de escolha dos dirigentes recorde as mais graves práticas de
favor consubstanciadas no jargão: "é dando que se recebe". Para um
dossiê que traz muitas informações úteis sobre esse ponto: cf.
Rampinelli, Waldir José (org.), O Preço do Voto. Os Bastidores de uma Eleição para Reitor, Florianópolis, Insular, 2008.
2 Em 27/10/2004 o candidato no exercício da presidência recebeu o apoio de 55 instituições de ensino superior. Na audiência em que o apoio se efetivou, estavam os ministros da Educação, da Previdência Social e da Casa Civil. O candidato disse aos reitores: "Somos parceiros. Não vou perguntar a vocês qual é o seu partido, em quem votaram. Estou disposto a ouvir, a reconhecer erros e a mudar de opinião". Os reitores defenderam a autonomia universitária e o "financiamento específico para as instituições". A presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, Ana Lúcia Gazzola, defendeu um plano de autonomia, não "uma lei orgânica mas um instrumento legal que elimine todos os entraves normativos, restaurando, assim, um patamar de autonomia de gestão". "Por mais irônico que pareça, após a promulgação da Constituição de 1988, que definiu o preceito da autonomia universitária, passamos a ter menos autonomia do que antes". A reunião de 27/10/2004 foi a segunda entre reitores e presidência da república. A primeira, em 5/8/2003, foi um ato histórico para a dirigente universitária: "Pela primeira vez tivemos uma reunião de caráter político entre o nosso sistema e o presidente da República". Fonte: MEC, no site Universia Brasil (http://www.universia.com.br). Difícil enunciar o mais lamentável, se a ilegalidade para apoiar um candidato poderoso, a subserviência diante do governo ou o uso sem peias de cargos públicos para fins confessadamente político-eleitorais. A citação do fato e das falas confirma a total falta de autonomia dos campi federais, à diferença dos paulistas.
3 O ministro da Educação admitiu, no dia 19/5/2008, que o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) não trouxe reflexos significativos ao ensino superior. O programa, lançado em 28/4/2007 pelo governo, é dos mais ambiciosos para a educação. "O governo federal sozinho não conseguiria enfrentar os entraves educacionais do país. Era preciso o envolvimento de todos os estados, municípios e universidades", afirma o ministro. Um dos maiores desafios do Brasil é ampliar o acesso de jovens entre 18 e 24 anos às universidades. Segundo dados do MEC, apenas 12,1% dessa população freqüenta o ensino superior. O prazo se aproxima e os números permanecem estagnados, mas o ministro demonstra otimismo e garante que as medidas previstas no PDE são capazes de levar o país aos índices planejados. O ministro acredita que chegar aos 30% desejados não será problema. "Com certeza, iremos alcançá-la no prazo previsto". O PDE engloba sete ações voltadas para o ensino superior: UAB (Universidade Aberta do Brasil), Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), PNAES (Plano Nacional de Assistência Estudantil), PIBID (Programa de Bolsa Institucional de Iniciação à Docência), Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), ProUni (Programa Universidade para Todos) e reformulação dos Cefets (Centros Federais de Educação Tecnológica) ("Haddad Admite que PDE Ainda Não Mudou Ensino Superior", in site Universia - http://www.universia.com.br, publicado em 19/5/2008).
4 Todas as teses de Tocqueville citadas encontram-se em seu livro L'Ancien Régime et la Révolution, Paris, Gallimard, 1964.
5 Cf. Eduardo Romero de Oliveira, "A Idéia de Império e a Fundação da Monarquia Constitucional no Brasil e Portugal 1772-1824", in Anais do XVII Encontro Regional de História, ANPUH/SP/Unicamp, 2004 (CD-rom). Esta última parte segue integralmente as indicações e análises deste texto.
6 Em Homens Livres na Ordem Escravocrata (São Paulo, Unesp, 1997), Maria Sylvia Carvalho Franco analisa a gênese do Estado brasileiro e as suas conexões com a sociedade na qual imperam o favor e a violência face a face. A autora explora a passagem do público ao privado e a superconcentração dos impostos no poder central, o que leva municípios e estados à perene condição de inadimplentes junto ao núcleo do poder federativo e aos contribuintes. Cf. especialmente os capítulos "Patrimônio Estatal e Propriedade Privada" e "As Peias do Passado". Analiso esses pontos no texto "A Democracia e a Ética", incluído em O Caldeirão de Medéia (São Paulo, Perspectiva, 2001, pp. 363 e segs.).
7 "A Global Theory of Federalism: The Nature and Challenges of a Federal State" in German Law Journal nº 10, 1º/10/2005.
8 Elisa Müller, "Moedas e Bancos no Rio de Janeiro no Século XIX".
9 Homens Livres na Ordem Escravocrata, op. cit.
10 O professor José Murari Bovo mostra o quanto é importante para a vida local a chegada de verbas estaduais nos campi universitários do interior paulista ("A Inserção Social da Unesp de Araraquara e sua Importância na Economia do Município", in Reitoria da Unesp http://proex.reitoria. unesp.br/informativo/WebHelp/2003/edi__o37/edi37_arq02.htm).
11 "Die großen Institute medizinischer oder naturwissenschaftlicher Art sind 'staatskapitalistische' Unternehmungen. Sie können nicht verwaltet werden ohne Betriebsmittel größten Umfangs. Und es tritt da der gleiche Umstand ein wie überall, wo der kapitalistische Betrieb einsetzt: die 'Trennung des Arbeiters von den Produktionsmitteln'. Der Arbeiter, der Assistent also, ist angewiesen auf die Arbeitsmittel, die vom Staat zur Verfügung gestellt werden; er ist infolgedessen vom Institutsdirektor ebenso abhängig wie ein Angestellter in einer Fabrik: - denn der Institutsdirektor stellt sich ganz gutgläubig vor, dass dies Institut 'sein' Institut sei, und schaltet darin-, und er steht häufig ähnlich prekär wie jede 'proletaroide' Existenz und wie der assistant der amerikanischen Universität" (prefácio ao livro Wissenschaft als Beruf, Stuttgart, Reclam, 1995).
12 Michael Stolleis, um dos grandes pensadores jurídicos alemães de nossos dias, fez o balanço dos problemas trazidos para a vida pública com a aliança entre reitorias, professores, pesquisadores e gabinetes nazistas. Seu trabalho demonstra que a violência dos poderosos políticos foi preparada e assumida pelos docentes e cientistas universitários. A hecatombe da Alemanha, que adquiriu o estatuto mundial, tem uma parte de suas bases na instituição universitária (cf. A History of Public Law in Germany, 1914-1945, Oxford, University Press, 2004).
13 Pedro Antonio Vieira, "A Armadilha das Urnas: 20 Anos de Eleições Diretas e de Continuísmo na UFSC", in Waldir José Rampinelli, O Preço do Voto, os Bastidores de uma Eleição para Reitor, op. cit., pp. 51 e segs.
14 Roberto Romano, Prefácio à 1a edição de O Preço do Voto, os Bastidores de uma Eleição para Reitor, op. cit., p. 17.
2 Em 27/10/2004 o candidato no exercício da presidência recebeu o apoio de 55 instituições de ensino superior. Na audiência em que o apoio se efetivou, estavam os ministros da Educação, da Previdência Social e da Casa Civil. O candidato disse aos reitores: "Somos parceiros. Não vou perguntar a vocês qual é o seu partido, em quem votaram. Estou disposto a ouvir, a reconhecer erros e a mudar de opinião". Os reitores defenderam a autonomia universitária e o "financiamento específico para as instituições". A presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, Ana Lúcia Gazzola, defendeu um plano de autonomia, não "uma lei orgânica mas um instrumento legal que elimine todos os entraves normativos, restaurando, assim, um patamar de autonomia de gestão". "Por mais irônico que pareça, após a promulgação da Constituição de 1988, que definiu o preceito da autonomia universitária, passamos a ter menos autonomia do que antes". A reunião de 27/10/2004 foi a segunda entre reitores e presidência da república. A primeira, em 5/8/2003, foi um ato histórico para a dirigente universitária: "Pela primeira vez tivemos uma reunião de caráter político entre o nosso sistema e o presidente da República". Fonte: MEC, no site Universia Brasil (http://www.universia.com.br). Difícil enunciar o mais lamentável, se a ilegalidade para apoiar um candidato poderoso, a subserviência diante do governo ou o uso sem peias de cargos públicos para fins confessadamente político-eleitorais. A citação do fato e das falas confirma a total falta de autonomia dos campi federais, à diferença dos paulistas.
3 O ministro da Educação admitiu, no dia 19/5/2008, que o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) não trouxe reflexos significativos ao ensino superior. O programa, lançado em 28/4/2007 pelo governo, é dos mais ambiciosos para a educação. "O governo federal sozinho não conseguiria enfrentar os entraves educacionais do país. Era preciso o envolvimento de todos os estados, municípios e universidades", afirma o ministro. Um dos maiores desafios do Brasil é ampliar o acesso de jovens entre 18 e 24 anos às universidades. Segundo dados do MEC, apenas 12,1% dessa população freqüenta o ensino superior. O prazo se aproxima e os números permanecem estagnados, mas o ministro demonstra otimismo e garante que as medidas previstas no PDE são capazes de levar o país aos índices planejados. O ministro acredita que chegar aos 30% desejados não será problema. "Com certeza, iremos alcançá-la no prazo previsto". O PDE engloba sete ações voltadas para o ensino superior: UAB (Universidade Aberta do Brasil), Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), PNAES (Plano Nacional de Assistência Estudantil), PIBID (Programa de Bolsa Institucional de Iniciação à Docência), Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), ProUni (Programa Universidade para Todos) e reformulação dos Cefets (Centros Federais de Educação Tecnológica) ("Haddad Admite que PDE Ainda Não Mudou Ensino Superior", in site Universia - http://www.universia.com.br, publicado em 19/5/2008).
4 Todas as teses de Tocqueville citadas encontram-se em seu livro L'Ancien Régime et la Révolution, Paris, Gallimard, 1964.
5 Cf. Eduardo Romero de Oliveira, "A Idéia de Império e a Fundação da Monarquia Constitucional no Brasil e Portugal 1772-1824", in Anais do XVII Encontro Regional de História, ANPUH/SP/Unicamp, 2004 (CD-rom). Esta última parte segue integralmente as indicações e análises deste texto.
6 Em Homens Livres na Ordem Escravocrata (São Paulo, Unesp, 1997), Maria Sylvia Carvalho Franco analisa a gênese do Estado brasileiro e as suas conexões com a sociedade na qual imperam o favor e a violência face a face. A autora explora a passagem do público ao privado e a superconcentração dos impostos no poder central, o que leva municípios e estados à perene condição de inadimplentes junto ao núcleo do poder federativo e aos contribuintes. Cf. especialmente os capítulos "Patrimônio Estatal e Propriedade Privada" e "As Peias do Passado". Analiso esses pontos no texto "A Democracia e a Ética", incluído em O Caldeirão de Medéia (São Paulo, Perspectiva, 2001, pp. 363 e segs.).
7 "A Global Theory of Federalism: The Nature and Challenges of a Federal State" in German Law Journal nº 10, 1º/10/2005.
8 Elisa Müller, "Moedas e Bancos no Rio de Janeiro no Século XIX".
9 Homens Livres na Ordem Escravocrata, op. cit.
10 O professor José Murari Bovo mostra o quanto é importante para a vida local a chegada de verbas estaduais nos campi universitários do interior paulista ("A Inserção Social da Unesp de Araraquara e sua Importância na Economia do Município", in Reitoria da Unesp http://proex.reitoria. unesp.br/informativo/WebHelp/2003/edi__o37/edi37_arq02.htm).
11 "Die großen Institute medizinischer oder naturwissenschaftlicher Art sind 'staatskapitalistische' Unternehmungen. Sie können nicht verwaltet werden ohne Betriebsmittel größten Umfangs. Und es tritt da der gleiche Umstand ein wie überall, wo der kapitalistische Betrieb einsetzt: die 'Trennung des Arbeiters von den Produktionsmitteln'. Der Arbeiter, der Assistent also, ist angewiesen auf die Arbeitsmittel, die vom Staat zur Verfügung gestellt werden; er ist infolgedessen vom Institutsdirektor ebenso abhängig wie ein Angestellter in einer Fabrik: - denn der Institutsdirektor stellt sich ganz gutgläubig vor, dass dies Institut 'sein' Institut sei, und schaltet darin-, und er steht häufig ähnlich prekär wie jede 'proletaroide' Existenz und wie der assistant der amerikanischen Universität" (prefácio ao livro Wissenschaft als Beruf, Stuttgart, Reclam, 1995).
12 Michael Stolleis, um dos grandes pensadores jurídicos alemães de nossos dias, fez o balanço dos problemas trazidos para a vida pública com a aliança entre reitorias, professores, pesquisadores e gabinetes nazistas. Seu trabalho demonstra que a violência dos poderosos políticos foi preparada e assumida pelos docentes e cientistas universitários. A hecatombe da Alemanha, que adquiriu o estatuto mundial, tem uma parte de suas bases na instituição universitária (cf. A History of Public Law in Germany, 1914-1945, Oxford, University Press, 2004).
13 Pedro Antonio Vieira, "A Armadilha das Urnas: 20 Anos de Eleições Diretas e de Continuísmo na UFSC", in Waldir José Rampinelli, O Preço do Voto, os Bastidores de uma Eleição para Reitor, op. cit., pp. 51 e segs.
14 Roberto Romano, Prefácio à 1a edição de O Preço do Voto, os Bastidores de uma Eleição para Reitor, op. cit., p. 17.