sexta-feira, 8 de junho de 2012

Sublinhando o que disse sobre reitores e subserviência, segue o trecho final do artigo publicado anteriormente : não sou profeta, leio os sinais dos tempos. E ponto final.

Dados os pressupostos políticos mais amplos do Estado federal, com a hegemonia do Executivo, não interessa aos dirigentes acadêmicos a autonomia universitária, mas o jogo entre oligarquia, Congresso, gabinetes ministeriais. É naquele espaço que se determina o prestígio político deste ou daquele reitor, e do grupo ao qual pertence. Como prefeitos em plano micrológico (mas notemos o fato de que várias universidades federais, em seus estados, possuem orçamentos maiores do que muitos municípios) os reitores lutam pessoalmente ou em grupo para trazer verbas aos campi. No itinerário dos recursos, a palavra "estratégia", como sempre no Brasil, o favor e as "conversas políticas". Ao se prender nesse jogo burocrático partidário, os reitores são obrigados a aceitar a lentidão, a uniformidade imposta, as regras que amesquinham o ensino e a pesquisa. Como os prefeitos, eles são reféns da inexistente federação brasileira, na qual as bases institucionais perderam de fato e de direito a autonomia que lhes é reconhecida pela Constituição de 88.
No mesmo passo em que essa rede absolutista e cortesã tolhe iniciativas dos campi federais, grassa no seu interior a ilusão da democracia eletiva, com expressa abstração dos fins científicos e pedagógicos da universidade. O dogma das eleições que assegurariam administração eficaz nos campi, além de afastar os interesses conservadores na ordem acadêmica, mostrou resultados decepcionantes para os seus defensores. A experiência da Universidade Federal de Santa Catarina é importante, nesse sentido, mas não a única. Pelo contrário, ela se repete a cada nova eleição na maioria dos campi federais. Nas eleições reitorais
"[...] todos os nomes sufragados pelas urnas pertenciam às forças políticas que vinham dirigindo a UFSC desde a sua criação e que mantinham com os governos militares uma convivência pacífica ou um apoio entusiasta. [...] O processo eleitoral não possibilitou, portanto, como esperavam ou aspiravam as forças de oposição ao regime militar, neste caso as organizações dos docentes, servidores técnico-administrativos e estudantes, que grupos políticos não alinhados com as elites locais e nacionais pudessem ocupar os mais altos cargos da universidade"13.
A ilusão eleitoral nos campi não traz resultados insuspeitos apenas no plano doutrinário ou ideológico. Na ordem da pesquisa e do ensino os estragos são mais graves. Sem autonomia efetiva, cada nova "negociação política" entre reitorias e ministérios, mediada por oligarquias e partidos, acarreta engessamento de iniciativas, delongas nas liberações de recursos e, last but not least, a lógica populista que reduz as complexas questões universitárias ao maniqueísmo que exige adesão aos governos ou o inferno da oposição.
"No campus, nenhum mandato popular ou divino fornece legitimidade ao exercício do pesquisador/docente ou pesquisador/estudante. Apenas a retidão ética e o conhecimento verdadeiro fornecem autoridade ao corpo acadêmico. Assim, o problema das eleições universitárias é muito grave e de árduo encaminhamento. Se um reitor mostra-se alheio à produção do saber e do ensino e se age tendo em vista os ditames do poder de Estado, ele representa apenas e tão-somente aquele poder no campus. Ele é um corpo estranho na comunidade. Se não possui autoridade ética e científica, seu governo é uma intromissão permanente do poder na pesquisa, em prejuízo da já mencionada autoridade ética e científica. Se, além disso, o reitor traz para o interior da instituição universitária os interesses dos comprometidos de modo imediato com o poder (como no caso das oligarquias, do mercado, das grandes forças econômicas) ele é nocivo à universidade"14.
Os reitores indicados não operam como seus colegas, os diretores de institutos alemães discutidos por Max Weber em "Ciência como Vocação". Aqueles acadêmicos empreendedores seguiam a lógica do capitalismo. Os nossos reitores operam na lógica patrimonial do Estado absolutista brasileiro. Eles não operam primordialmente com verbas, com os governos e as empresas para tocar os projetos científicos dos campi. Sua função é carrear recursos públicos disputados na ordem política em que vigora o "é dando que se recebe". Vários reitores tombam, desse modo, na prática patrimonialista que não enxerga limites entre os recursos públicos e os seus, particulares. Como na prática generalizada em nossa política, o simples fato de conseguirem verbas para os campi faz com que eles se considerem essenciais à universidade nesse labor. Daí entenderem seus feitos junto aos ministérios e Congresso como uma série de "favores" aos seus pares dos laboratórios, bibliotecas e salas de aula.
Nos últimos tempos, reitorias que assumiram essa lógica, nas universidades federais, surgem em noticiários políticos e de polícia, ligadas ao uso errôneo de recursos públicos. Para entender o fato, importa examinar, portanto, a estrutura do Estado brasileiro e os costumes políticos que ela ocasiona. Sem autonomia, governadores, prefeitos, reitores são apenas um elo da imensa cadeia do favor que rege a vida política nacional. É quase impossível mudar aquela forma de poder, que centraliza todas as políticas públicas nos gabinetes do Executivo federal. Mas nas universidades operam intelectuais que dominam saberes e práticas as mais sofisticadas. Eles poderiam elaborar planos de autonomia compatíveis com os padrões de pesquisa científica, humanística e de ensino. Se não o fizeram e se não o fazem, é por cumplicidade. Aí, nada mais pode ser dito pelos analistas, porque entramos no terreno do poder e da raison d'État cabocla, fonte de muitos risos e de muitas lágrimas para a cidadania brasileira.