Dados
os pressupostos políticos mais amplos do Estado federal, com a
hegemonia do Executivo, não interessa aos dirigentes acadêmicos a
autonomia universitária, mas o jogo entre oligarquia, Congresso,
gabinetes ministeriais. É naquele espaço que se determina o prestígio
político deste ou daquele reitor, e do grupo ao qual pertence. Como
prefeitos em plano micrológico (mas notemos o fato de que várias
universidades federais, em seus estados, possuem orçamentos maiores
do que muitos municípios) os reitores lutam pessoalmente ou em grupo
para trazer verbas aos campi. No itinerário dos recursos, a
palavra "estratégia", como sempre no Brasil, o favor e as "conversas
políticas". Ao se prender nesse jogo burocrático partidário, os
reitores são obrigados a aceitar a lentidão, a uniformidade imposta,
as regras que amesquinham o ensino e a pesquisa. Como os prefeitos,
eles são reféns da inexistente federação brasileira, na qual as bases
institucionais perderam de fato e de direito a autonomia que lhes é
reconhecida pela Constituição de 88.
No mesmo passo em que essa rede absolutista e cortesã tolhe iniciativas dos campi
federais, grassa no seu interior a ilusão da democracia eletiva, com
expressa abstração dos fins científicos e pedagógicos da
universidade. O dogma das eleições que assegurariam administração
eficaz nos campi, além de afastar os interesses conservadores
na ordem acadêmica, mostrou resultados decepcionantes para os seus
defensores. A experiência da Universidade Federal de Santa Catarina é
importante, nesse sentido, mas não a única. Pelo contrário, ela se
repete a cada nova eleição na maioria dos campi federais. Nas eleições reitorais
"[...]
todos os nomes sufragados pelas urnas pertenciam às forças políticas
que vinham dirigindo a UFSC desde a sua criação e que mantinham
com os governos militares uma convivência pacífica ou um apoio
entusiasta. [...] O processo eleitoral não possibilitou, portanto,
como esperavam ou aspiravam as forças de oposição ao regime militar,
neste caso as organizações dos docentes, servidores
técnico-administrativos e estudantes, que grupos políticos não
alinhados com as elites locais e nacionais pudessem ocupar os mais
altos cargos da universidade"13.
A ilusão eleitoral nos campi
não traz resultados insuspeitos apenas no plano doutrinário ou
ideológico. Na ordem da pesquisa e do ensino os estragos são mais
graves. Sem autonomia efetiva, cada nova "negociação política" entre
reitorias e ministérios, mediada por oligarquias e partidos, acarreta
engessamento de iniciativas, delongas nas liberações de recursos e, last but not least,
a lógica populista que reduz as complexas questões universitárias ao
maniqueísmo que exige adesão aos governos ou o inferno da oposição.
"No campus,
nenhum mandato popular ou divino fornece legitimidade ao exercício
do pesquisador/docente ou pesquisador/estudante. Apenas a retidão
ética e o conhecimento verdadeiro fornecem autoridade ao corpo
acadêmico. Assim, o problema das eleições universitárias é muito
grave e de árduo encaminhamento. Se um reitor mostra-se alheio à
produção do saber e do ensino e se age tendo em vista os ditames do
poder de Estado, ele representa apenas e tão-somente aquele poder no campus.
Ele é um corpo estranho na comunidade. Se não possui autoridade
ética e científica, seu governo é uma intromissão permanente do
poder na pesquisa, em prejuízo da já mencionada autoridade ética e
científica. Se, além disso, o reitor traz para o interior da
instituição universitária os interesses dos comprometidos de modo
imediato com o poder (como no caso das oligarquias, do mercado, das
grandes forças econômicas) ele é nocivo à universidade"14.
Os
reitores indicados não operam como seus colegas, os diretores de
institutos alemães discutidos por Max Weber em "Ciência como
Vocação". Aqueles acadêmicos empreendedores seguiam a lógica do
capitalismo. Os nossos reitores operam na lógica patrimonial do
Estado absolutista brasileiro. Eles não operam primordialmente com
verbas, com os governos e as empresas para tocar os projetos
científicos dos campi. Sua função é carrear recursos públicos
disputados na ordem política em que vigora o "é dando que se recebe".
Vários reitores tombam, desse modo, na prática patrimonialista que
não enxerga limites entre os recursos públicos e os seus,
particulares. Como na prática generalizada em nossa política, o
simples fato de conseguirem verbas para os campi faz com que
eles se considerem essenciais à universidade nesse labor. Daí
entenderem seus feitos junto aos ministérios e Congresso como uma
série de "favores" aos seus pares dos laboratórios, bibliotecas e
salas de aula.
Nos
últimos tempos, reitorias que assumiram essa lógica, nas
universidades federais, surgem em noticiários políticos e de polícia,
ligadas ao uso errôneo de recursos públicos. Para entender o fato,
importa examinar, portanto, a estrutura do Estado brasileiro e os
costumes políticos que ela ocasiona. Sem autonomia, governadores,
prefeitos, reitores são apenas um elo da imensa cadeia do favor que
rege a vida política nacional. É quase impossível mudar aquela forma
de poder, que centraliza todas as políticas públicas nos gabinetes do
Executivo federal. Mas nas universidades operam intelectuais que
dominam saberes e práticas as mais sofisticadas. Eles poderiam
elaborar planos de autonomia compatíveis com os padrões de pesquisa
científica, humanística e de ensino. Se não o fizeram e se não o
fazem, é por cumplicidade. Aí, nada mais pode ser dito pelos
analistas, porque entramos no terreno do poder e da raison d'État cabocla, fonte de muitos risos e de muitas lágrimas para a cidadania brasileira.