segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Artigo antigo, mas atual...

Jornal da Ciencia (JC E-Mail)
==================================================== 12/dezembro/2001 - No. 1933 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC
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O ensino matematico e cientifico no Brasil,  Roberto Romano

Artigo publicado no "Correio Popular", de Campinas(SP), onde Roberto Romano, mantém uma coluna semanal:

Os resultados dos exames escolares, nos quais o Brasil ficou em último lugar, nos envergonham. Grande culpa deste ponto negativo cabe aos governos antigos e recentes de nossa pátria. Num relatório, o proprio BIRD confessavou, ha' pouco tempo atrás, que antes de 1964 o Brasil possuia o melhor ensino público de segundo grau na América do Sul.

Com o golpe de Estado e após acordos lesivos ao nosso país, como o MEC-USAID, a privatização (receita imprudente aplicada ate' hoje sem modificações pelos burocratas que so' conhecem a "lógica" do mercado) foi imposta aos referidos níveis de ensino.

Os ginásios públicos foram abandonados, os salários dos professores destruídos, os mestres caluniados como "incompetentes". Resultou a conhecida melhoria do ensino particular, com os vestibulares seletivos e a mera decoração de fórmulas, da matemática a história, as cruzinhas emburrecedoras.

Distorceu-se a Universidade pública, dela banindo-se por longos anos a maior parte dos formados na escola oficial.

Primeiro arruinou-se a escola oficial e se valorizou a particular, depois foi erguida a barreira do vestibular seletivo, supostamente avaliador de conhecimentos mas, na verdade, representando pequena mudança no método mais retrógrado de ensino: a decoração de fórmulas, o "macete" para resolver problemas em matemática, química, física, etc.

Na ditadura, fora as exceções de praxe, pouco se ensinou a pensar em matemática e nos demais domínios do intelecto. A invenção foi prejudicada em proveito da técnicas repetitivas.

Mais grave do que o engessamento das mentes jovens, com os cursinhos para passar nos exames vestibulares e' a falta que se produziu, na população pobre que frequentou a escola pública, o ensino das ciências e das matemáticas.

No seu "Plano de Universidade para a Rússia" (texto acessivel em lingua portuguesa em bela tradução das "Obras de Diderot" por J. Guinsburg, Ed. Perspectiva, 2000), Diderot acentua a importância das matemáticas na vida civil e nas ciências e recomenda o seu ensino desde a mais tenra idade.
Na Alemanha, diz ele, o cálculo serviu aos camponeses como arma de luta contra os nobres. Com a Reforma luterana, todos aprenderan a leitura para seguir a Biblia. Com isto, rudimentos de cálculo foram oferecidos aos pobres nas escolas religiosas.

Foi o que bastou para que os pequenos proprietários não mais aceitassem as mentiras dos ricos, tanto no preço pago pelos produtos, quanto na quantia negociada pelas terras. Os nobres passaram a odiar o ensino de base, porque ele produzia independência entre os camponeses.

O cálculo não apenas ajudou a mudar a situação econômica dos pobres, mas também lhes possibilitou novas percepções políticas e jurídicas, além de atenuar , neles, a superstição que se passava por religiosidade.

Em suma, entusiasta das matemáticas (a lenda de seu desconhecimento deste ramo de pesquisa foi desmentida por trabalhos importantes no seculo 20, como o de J. Mayer, "Diderot, homem de ciência"), Diderot a considerava um dos exercícios mentais estratégicos para a instauração de uma sociedade livre e democrática.

"Eu começo o ensino pela aritmética, álgebra e geometria", diz ele no "Plano de Universidade", "porque em todas as condições da vida, desde a mais elevada até a última das artes mecânicas, tem-se necessidade destes conhecimentos. Tudo se conta, tudo se mede. O exercício de nossa razão se reduz amiúde a uma regra de três. Não ha' objetos mais gerais do que o número e o espaço".

Aprender matemática, afiança Diderot, e' o modelo básico do bom pensamento crítico, pois possibilita que as crianças experimentem "modelos de raciocínio de primeira evidência e da verdade mais rigorosa.
E' a esses modelos que a criança comparara' em seguida todos aqueles que lhe proporcionarem e cuja força ou fraqueza tera' de apreciar, em qualquer matéria que seja".

Deste modo, diz o filósofo, "a geometria e' a melhor e a mais simples de todas as lógicas; a mais própria a dar inflexibilidade ao julgamento e a razão. E' a lima silenciosa de todos os preconceitos populares, de qualquer espécie que sejam".

Aos interessados no ensino público, recomendo vivamente estas páginas do grande idealizador da "Enciclopedia", arma poderosa na gênese da Revolução democrática de 1789.

No Brasil, com a política de terra arrasada contra a escola pública elementar, feita após o acordo MEC-USAID mas mantida ate' os nosos dias, as pessoas pobres foram afastadas do ensino científico e técnico, sobretudo no campo das matemáticas.

O resultado ai esta': ultimo lugar no mundo, com fracas esperanças de recomeço feliz. E' possivel mudar esta violência espiritual. A Universidade pública tem muito a contribuir para isto, desde que os governos e a sociedade civil assumam políticas responsáveis de educação popular, incluindo saberes básicos, como os matemáticos, físicos, químicos, biológicos.

Mas os donos do poder preferem que o povo soberano se distraia com novelas e repelentes exibicões de intimidades, em Casas de Artistas ou de Ratinhos. E' bom repetir: antes do golpe de Estado de 1964, o nível de nosso ensino elementar era o mais elevado na America do Sul.

Hoje, a força de dramalhoes repetitivos e burros, seguimos para a barbárie. Governos, Universidades, igrejas, movimentos civis, todos devem tentar a correção desta infâmia, e' o mínimo que se pode afirmar depois dos fiascos recentes.