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Pesquisas polêmicas vão parar na Justiça
Cientistas dizem temer 'judicialização' de resultados de estudos; empresas e hospitais contestam dados desfavoráveis
Brigas judiciais estão ocorrendo quando dado científico sugere risco à saúde causado por produtos, por exemplo
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Daniel Marenco/Folhapress |
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O pneumonologista Hermano Castro, da Fiocruz, cuja pesquisa sobre os malefícios do amianto está sendo contestada |
DENISE MENCHEN
DO RIO
Neste mês, o pneumologista da Fiocruz Hermano Castro foi surpreendido pela visita de um oficial de Justiça.
O funcionário entregou um documento dando prazo de 30 dias para que ele
prestasse esclarecimentos sobre estudos e declarações de sua autoria
sobre os riscos do amianto, usado em telhas e outros produtos.
A interpelação judicial gerou indignação em instituições de pesquisa,
mas não foi o primeiro caso em que o trabalho de um pesquisador virou
assunto da Justiça.
Apesar de ainda pouco comuns, os pedidos formais para que cientistas
prestem explicação ou reparem danos já ocupam juízes de diferentes
Estados do país.
No caso de Castro, o Instituto Brasileiro do Crisotila, que reúne
empresas e trabalhadores da indústria do amianto, pediu esclarecimentos
sobre uma pesquisa que apontou 2.414 mortes por mesotelioma no país em
23 anos.
Esse tipo de câncer pode ser provocado pela inalação de fibras do amianto.
O instituto afirma que decidiu pela interpelação por não ter recebido
resposta a um ofício enviado à Fiocruz, que Castro diz desconhecer.
Segundo o advogado Antônio de Vasconcellos, o objetivo é conhecer as
fontes do pneumologista para prestar esclarecimentos à sociedade.
A presidência da Fiocruz repudiou o que chamou de "judicialização de um
debate que está baseado em evidências técnico-científicas".
O Instituto Nacional de Câncer e a Sociedade Paulista de Pneumologia e
Tisiologia também manifestaram apoio ao pesquisador, ressaltando que o
amianto é reconhecidamente cancerígeno.
O Instituto do Crisotila, porém, argumenta que não há perigo para o
consumidor final. Já o risco para os trabalhadores, segundo o instituto,
é mitigado por uma série de medidas de segurança.
Situação semelhante foi vivenciada pelo professor Marcos Garcia, do
campus de Sorocaba da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).
MORTALIDADE
Ele foi processado por danos morais e materiais após publicar pesquisa
apontando que a taxa de mortalidade em sete hospitais psiquiátricos da
região era mais de duas vezes maior do que no restante do Estado.
O estudo, feito com dados do Ministério da Saúde, levou a inspeções e à criação de uma comissão na Câmara Municipal de Sorocaba.
Seis dos hospitais decidiram processar Garcia, argumentando que a
metodologia utilizada não foi adequada e questionando o que apontaram
como "sensacionalismo" na divulgação da pesquisa.
"Não somos contra o exercício da pesquisa, mas, no nosso entendimento,
os dados estão equivocados", diz o advogado Paulo Escanhoela. Para
Garcia, trata-se de tentativa de intimidação.
"A contestação de um estudo tem de se dar no âmbito acadêmico", diz. Ele
publicou na internet uma "nota em defesa da liberdade de pesquisa no
Brasil".
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