terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Segue, abaixo, a propósito do post anterior sobre o Wikileaks, um texto inédito meu, que será ampliado para se tornar artigo. Como o título diz, trata-se apenas de um início de conversa. Roberto Romano

 Prolegômenos da luta contra a Corrupção

Roberto Romano


Em plano mundial, a luta contra procedimentos corruptos começa em 1990. Instituições foram geradas para combater o problema. Nos Estados Unidos da América a corrupção, encarada como “pecado” entre os puritanos, rápido se transforma em aporia política. A dificuldade aumenta com a simbiose entre partidos e administração pública. Com as medidas propostas e praticadas pelos norte-americanos surge o controle dos “caçadores de oportunidades para a corrupção (seekers of corrupt opportunities). São regulamentos os atos de empresas americanas no estrangeiro, o que leva ao Foreign Corrupt Practices Act (FCPA,1997). Práticas de agentes públicos para ganhar novos mercados recebem o estatuto de crime. A norma tem seus inimigos nas empresas norte-americanas que não desejam o papel de “escoteiras”, quando firmas de outros países ganham países inteiros para os seus produtos.

Antes do final da Guerra Fria, não deslanchara nos EUA a luta contra a corrupção internacional. Os interesses economicos eram duplicados pelos geopolíticos na corrida pela hegemonia do planeta. Seria preciso suportar os "defeitos" dos aliados. A queda do muro de Berlim conduz a política internacional para outros rumos, e some a esperança de que os países antes "socialistas" floresceriam como sólidas democracias. Corruptos, prepotentes, contrários à soberania popular, aqueles governos precisariam, segundo os estrategistas economicos e políticos, assumir novos rumos. O Conselho da Europa cria, em 1992 um grupo multidisciplinar para estudos sobre a corrupção. O governo Clinton, de olho nos Big Emerging Markets (em especial a China e a India) e nos Big Emerging Sectors (energia, transportes, informática com promissoras perspectivas), percebe entraves aos seus alvos na corrupção endêmica nos mercados a serem adquiridos.

Mas não só nos corruptos países da antiga cortina de ferro, ou nas economias emergentes, se estabelece a luta contra os desvios. Na França, assoberbada por escândalos, surgem desde 1990 leis específicas e o Serviço Central de Prevenção contra a Corrupção. Na Itália, a operação Mãos Limpas (Milão) mostra a profundidade da corrupção política, econômica e social liderada pelos oligarcas dos velhos partidos.

Instituições financeiras como o FMI e o Banco Mundial fazam da luta contra a corrupção  um dos pilares da boa governança. No Banco Mundial James Wolfenshon considera que “nada é mais importante do que a luta contra a corrupção” para reduzir a pobreza. Velhas imagens orgânicas ressurgem : a corrupção seria um câncer. A paternidade do termo é concedida a Wolfenshon, mas tem origem no romantismo conservador. Países “corruptos”, recebem sanções negativas, como ocorreu com o Kenya em 1997. Em 2003 a ONU adota uma convenção sobre o tema. As medidas giram ao redor da corrupção passiva e buscam facilitar a restituição dos bens desviados. Também se acentua o papel preventivo :  corrupção é vista como dano que abala os Estados de direito e a democracia, além de entravar a economia, comprometendo a integridade do ser humano em escala planetária.  O fato corrupto ignora barreiras ideológicas e reúne os promotores da globalização financeira e seus adversários. Teses como a de Samuel Huntington sobre a corrupção (“óleo nas engrenagens” nas sociedades comunistas e países em desenvolvimento) (Modernization and Corruption, political Order in Changing Societies ) recebem luz crítica.

São idealizados os “kit anticorrupção”, providências penais e receitas de “boas práticas” na governança. A ONU insiste na cooperação da polícia com o judiciário em plano internacional. A bula manda usar, para reprimir corruptos, métodos similares aos empregados contra o comércio de narcóticos. São recomendadas reformas administrativas nos aparelhos governamentais para a incentivar serviços éticos. Outro item do receituário é o labor das ONGs no controle do malefício. Com certeza, a ONU era mal informada sobre o Brasil. Aqui, boa parte das ONGs integram o problema, pouco servindo para a solução. A presença da Transparência Internacional é fato positivo, mas não angélico. Seu fundador sai do Banco Mundial e liga a associação, inicialmente, ao governo alemão, que a financia. A semelhantes iniciativas soma-se a tentativa de atrair empresas privadas para a luta contra sistemas corrompidos. Finalmente vem o confisco das riquezas amealhadas. Segundo Antonio Maria Costa “a prisão é pena insuficiente para os culpados. Ela lhes arranca a liberdade, mas não o dinheiro desonestamente adquirido. Sem a sua fortuna escondida, eles sentirão realmente alguma dor”.