Ficam os anéis
A aristocracia ruinosa dos tucanos pode levar a indecisões mais graves em 2014
25 de fevereiro de 2012 | 15h 06
ROBERTO ROMANO
As indecisões de José Serra integram a crise de abulia
que desgasta todos os partidos, algo já diagnosticado no século 20 por
Max Weber e Robert Michels. Direções mornas suscitam lideranças
voluntariosas, contrárias aos poucos e acomodados condottieri. O PSDB
sofre o processo político chamado oligarquização. Aquela forma
organizacional nega decisões à base militante e as concentra nos
líderes. Ser ou não ser candidato, com acertos alheios à militância?
Como garantir apoio nas urnas, se oligarcas preferem em sigilo outros
nomes?
Sergio Castro/AE - 10.01.2012
Alckmin diz que espera por Serra até as prévias
Um fenômeno ilustra o complexo tucano: o “lulécio” (Lula com Aécio),
oligarquia mineira envolta em lençóis democráticos. O partido reúne
alguns núcleos fortes (Minas e São Paulo) e outros nem tanto (Paraná,
Rio Grande do Sul, Ceará). A concentração das opções em certas pessoas e
a ausência de diretórios nos municípios cria a união de líderes com
votos, mas poucos liderados. Tucanos e petistas, primos em primeiro
grau, cochilaram ao não aproveitar o Palácio do Planalto (oito anos)
para distribuir sedes na maior parte do Brasil. A via das “alianças” foi
a preferida. O PMDB, por sua vez, garante presença em cidades de vários
portes e aumenta sua capacidade de amealhar votos em todas as classes
em prol de potentados, os donos das regiões. É o caso dos grupos Sarney,
Barbalho, Temer e demais quistos instalados na base da pirâmide
eleitoral.
O PMDB não tem candidato competitivo à presidência desde a
derrota de Ulisses Guimarães. Mas nenhum presidente da República governa
sem aquele ajuntamento oligárquico. Do nanico PRN ao PSDB, chegando ao
PT, as siglas que conquistaram a presidência não tinham sólida presença
em todo o país. Assim, se fortaleceram as oligarquias partidárias
tradicionais, dando àqueles que chegaram aos cargos, após muita guerra
de bastidores, a certeza de que nada conseguiriam sem o PMDB, que mantém
seu ritmo de crescimento eleitoral ano após ano. Já os aliados do PSDB
minguam a olhos vistos. O PSD, marca de fantasia, tem estratégia presa
às ambições do inventor e proprietário. Sintoma: Gilberto Kassab
afiança, para justificar o recuo diante do PT, seu compromisso com
Serra, sem programas ou ideologias. Temos aí a pura troca de favores,
alma da sociedade e do Estado brasileiros, contra os integrantes da base
partidária.
As eleições municipais de 2012 são uma peça importante no
quebra-cabeça de 2014. A incerteza domina os coletivos tucanos e
petistas, pois os seus aliados são submetidos aos oligarcas que ostentam
apetite pantagruélico de recursos financeiros, cargos, benesses várias
do poder. Como o PT e o PSDB não possuem bases municipais sólidas, ambos
dependem da federação oligárquica peemedebista. Esta, por sua vez, se
alimenta dos favores trocados entre os comandos regionais. O PMDB, berço
do centrão, gerou o “é dando que se recebe”. Manter o seu equilíbrio
interno é tarefa de meticulosos maquiavelismos. Mas no mundo de
Maquiavel a técnica empregada é a dissimulação, o que aumenta a
incerteza dos aliados. O caso Chalita é evidente. Será ele candidato ou
serve para dissimular alvos peemedebistas? Os interesses variam segundo
os projetos e as necessidades dos oligarcas regionais. O PMDB usa, de
modo grotesco, a máxima de Spinoza segundo a qual o imperativo da vida
encontra-se na arte de conservar a si mesmo. Se for preciso, os mestres
do PMDB retiram a solidariedade aos aliados de hoje, para voltar a
oferecê-la amanhã, conforme a conveniência. A incerteza de Serra, em
parte, tem origem na pantomima peemedebista.
O problema não reside no indivíduo Serra. A sua hesitação
segue a cacofonia atordoante de poucos líderes inebriados pelo poder. O
PT assume o “é dando que se recebe” e ignora grande parte de suas bases,
em favor de alianças ditadas por um líder. E assim nasce o candidato
Haddad, um anônimo na Pauliceia, em detrimento de Marta Suplicy. A
dúvida não reside em aceitar ou não candidaturas, mas em definir se os
partidos pertencem aos que os sustentam nas bases, ou às direções. É
possível, eticamente, apresentar um coletivo como se fosse democrático
e, no mesmo átimo, manter escolhas eleitorais dominadas apenas por
algumas lideranças? Se José Serra aceitar a candidatura que lhe
oferecem, e na forma como é ofertada, ele será a face invertida do
verticalismo petista, no qual um só dedo aponta o candidato e vigora a
monarquia de Luiz Inácio. No seu caso, poucos dedos escolherão, ruinosa
aristocracia tucana. Implodir a consulta partidária (mesmo formal)
levará os companheiros de Serra a indecisões mais graves em 2014, mesmo
ganhando ele a prefeitura paulistana. Numa derrota...
ROBERTO ROMANO É FILÓSOFO, PROFESSOR DE ÉTICA E FILOSOFIA NA UNICAMP. AUTOR DE O CALDEIRÃO DE MEDEIA (PERSPECTIVA)