Droga ineficaz contra câncer leva juiz a manter condenação a laboratório
Justiça nega recurso e Eli Lilly do Brasil terá de indenizar - com valores a serem definidos - 9 famílias que tiveram seus filhos mortos, nos anos 1980, durante tratamento contra leucemia
17 de fevereiro de 2012 | 0h 15
Tatiana Fávaro, de O Estado de S. Paulo
CAMPINAS - Nove famílias que processam o laboratório
farmacêutico Eli Lilly do Brasil desde a década de 1980 conseguiram mais
uma vitória na Justiça. O Tribunal Regional Federal da 3.ª Região em
São Paulo negou recurso apresentado pela empresa e manteve a sentença
que obriga o laboratório a ressarcir os pais cujos filhos morreram
durante tratamento de câncer. Elas foram tratadas com lotes ineficazes
do medicamento Oncovin.
“Eu, como juiz, me impressiono, e muito, com a morte dessas crianças.
Tenho convicção da responsabilidade do laboratório nesses óbitos”,
afirmou o juiz federal Leonel Ferreira. A sentença, de novembro de 2011,
deve ser publicada em 15 dias.
Os valores da indenização não foram definidos, pois a sentença prevê
que as pessoas que se sentiram lesadas devem entrar com processos
individuais.
A ação foi movida pelo Ministério Público Federal após a oncologista
Sílvia Brandalise - que era chefe do Serviço de Hematologia e Oncologia
do Departamento de Pediatria da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) - denunciar à Associação Paulista de Medicina reduções
substanciais do princípio ativo vincristina na composição de dois lotes
do Oncovin.
O medicamento, comprado pela extinta Central de Medicamentos (Ceme)
para o SUS, foi usado entre setembro e dezembro de 1983 - época em que
os pacientes tinham entre 3 e 5 anos. Sílvia ainda chefia o serviço da
Unicamp e também preside o Centro Infantil Boldrini, em Campinas,
referência no tratamento de câncer infantil.
Segundo a oncologista, o medicamento, usado nas quatro primeiras
semanas do tratamento da leucemia linfoide aguda, promove um índice de
remissão de 96%. “Nessas crianças, a taxa variou de 20% a zero”,
afirmou.
Quando identificou os resultados dos tratamentos, Sílvia pediu a
interdição do uso das três medicações utilizadas (corticoide,
Daunoblastina e Oncovin) e levou amostras para testes em institutos no
Brasil e no exterior: “Compramos as medicações do mercado, de outros
lotes, para continuar o tratamento, mas fui investigar o que tinha
ocorrido”.
Um laudo do St. Jude Children’s Research Hospital, reconhecido pelo
tratamento de câncer infantil nos EUA, apontou menos de 1% do princípio
ativo nas amostras de Oncovin. Outro laudo, do Instituto Nacional de
Saúde dos EUA, também mostrou redução substancial do princípio ativo.
Na Justiça. A oncologista levou os documentos às
Associações Brasileira e Paulista de Medicina, ao Ministério Público
Federal, ao Ministério da Saúde e à reitoria da Unicamp. Além dos
resultados internacionais, foram elaborados laudo e contraprovas pelo
Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, da Fundação
Oswaldo Cruz. Foi constada a ineficácia dos lotes do medicamento
distribuídos à Ceme. O Ministério da Saúde suspendeu sua comercialização
em 1984.
A ação contra o laboratório foi movida em 1986 e em março de 2000 a
Justiça Federal julgou o caso em primeira instância, condenando a
empresa ao ressarcimento. Em 2001, o laboratório recorreu. Os autos
chegaram à Procuradoria Regional da República em 2011. Em agosto, o
procurador Walter Claudius Rothengurg emitiu seu parecer, contra a Lilly
- que sustentava não ter ocorrido alteração na composição do
medicamento.
O procurador, porém, aponta em seu parecer que “o laudo do Instituto
Adolfo Lutz - de que o réu tenta se valer para isentar-se de
responsabilidade - revela-se inconclusivo”. A análise constatou “a
presença da vincristina sem, contudo, pronunciar-se sobre sua
potencialidade”.
Em novembro, o tribunal acompanhou o parecer do procurador e negou
recurso à empresa. Sílvia lamentou o fato de as vítimas terem de buscar
seus direitos individualmente, quando o processo acabar. “O cidadão
comumfica sem suporte, sem ter a defesa que a Constituição nos garante.”
Segundo o juiz, o laboratório ainda pode recorrer ao Superior
Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Por meio
de assessoria de imprensa, a Eli Lilly do Brasil informou que não teve
acesso ao acórdão da decisão no TRF e não se pronuncia a respeito de
processos ainda em julgamento.