O sentido de uma sentença
22 de fevereiro de 2012 | 3h 04
O Estado de S.Paulo
Saiu há pouco a primeira sentença judicial que expõe a
falsidade da principal - e quase única - alegação utilizada pelos
cabeças do mensalão, para negar que tenha existido o esquema petista de
suborno de parlamentares federais para servir ao governo do presidente
Lula, então no primeiro mandato: tratava-se de uma "conspiração" para
armar o impeachment de Lula. Revelada em 2005, a compra de votos na
Câmara dos Deputados levou a Procuradoria-Geral da República a pedir ao
Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de processo contra 40
envolvidos no escândalo - o mais escabroso da história recente da
política nacional. O STF, que acolheu a denúncia em 2007, poderá julgar
este ano os 36 réus remanescentes.
Na semana passada, o juiz substituto da 11.ª Vara Federal de Belo
Horizonte, Henrique Gouveia da Cunha, condenou o publicitário Marcos
Valério Fernandes de Souza, apontado como operador do mensalão, a 9 anos
e 8 meses de prisão por crimes de sonegação fiscal e falsificação de
documentos públicos. Ele e dois sócios haviam sido acusados de omitir
receitas e passar informações falsas ao Fisco. A maioria dos vultosos
valores sonegados foram justificados como empréstimos ao PT para serem
distribuídos a integrantes da base aliada na Câmara. Segundo a acusação,
os empréstimos é que nunca existiram: foram simulados para encobrir o
desvio de recursos públicos, sob a forma de contratos publicitários
firmados pela administração federal com a SMP&B, empresa de Marcos
Valério, para a compra de políticos.
No processo do mensalão, ele responde por formação de quadrilha,
falsidade ideológica, corrupção passiva e ativa, peculato, lavagem de
dinheiro, delito de gestão fraudulenta de instituição financeira e
evasão de divisas. Em valores atualizados até 2007, a sonegação montava a
R$ 90 milhões. Quando o mensalão veio a público, o criativo
publicitário tentou se antecipar à devassa que a Receita Federal
inevitavelmente faria na sua empresa, retificando as declarações
manipuladas. A manobra teve efeito bumerangue. "A retificação", concluiu
o juiz Gouveia da Cunha, "constitui confissão das fraudes anteriormente
encetadas para se lograr a sonegação." Dez ações contra Valério correm
na Justiça Federal de Minas Gerais.
Em dezembro passado, ele passou 10 dias preso na Bahia, sob a
acusação de falsificar matrículas de propriedades no município de São
Desidério. O golpe tem ligação com uma suposta dívida do grupo de
Valério com o Banco Rural, no valor de R$ 38,4 milhões. O débito, ao que
tudo indica, é tão fictício quanto os empréstimos da SMP&B ao PT.
Como esses, também foi fabricado para acobertar o repasse de dinheiro
público a deputados federais, por intermédio do partido do presidente da
República. Como se recorda, ao vir à tona o mensalão apanhou Lula
desprevenido. Depois de alegar, apesar das evidências, que nunca teve
conhecimento da baixaria, declarou-se "traído", sem nomear os traidores,
e chegou a pedir desculpas ao País.
Mais adiante, porém, afirmou que a dinheirama se destinava ao caixa 2
do partido. "O que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito
no Brasil sistematicamente por outros partidos", disse, numa entrevista
tristemente memorável. Por fim, brandiu a confortável teoria de que o
escândalo tinha sido confeccionado numa "conspiração das elites" para
removê-lo do poder. Essa fabulação é sustentada, entre outros, pelo
principal de seus companheiros à espera de julgamento no STF, o
ex-ministro e "capitão do time" do Planalto, deputado cassado José
Dirceu, que figura nos autos como "chefe da quadrilha" do mensalão.
É bem verdade que o PT não inventou o mensalão - apenas aplicou no
atacado o que Valério fizera no varejo em Minas, em 1998, para
beneficiar o governador tucano (e fracassado candidato à reeleição)
Eduardo Azeredo. No ano passado, a Justiça Estadual o condenou a 6 anos
de prisão. Assim como no caso da decisão da alçada federal, ele tem
assegurado o direito de recorrer em liberdade. O que não se entende é a
demora do Supremo Tribunal em marcar a data do acerto de contas dos
mensaleiros com os delitos de que são acusados. Daqui a pouco, no dia 7
de junho próximo, a revelação do escândalo completará sete anos.