O Partido dos Trabalhadores
ESCRITO POR PAULO PASSARINHO
10 DE FEVEREIRO DE 2012
Postado: Correio da Cidadania
O
Partido dos Trabalhadores completa, no dia 10 de fevereiro, 32 anos.
Nesse dia, em 1980, no Colégio Sion, em São Paulo, o Movimento Pró-PT –
reunindo os mais diferentes segmentos de trabalhadores, estudantes,
intelectuais, comunidades eclesiais de base, lideranças combativas do
movimento sindical e militantes de diversas organizações de esquerda,
clandestinas, por força da ditadura em vigor – chegava ao seu objetivo
de cumprir as exigências impostas pelo regime militar para a criação de
um partido político.
No momento mais simbólico daquela histórica tarde,
Apolônio de Carvalho, Mário Pedrosa e Sergio Buarque de Hollanda
entraram de braços dados pelo salão onde se realizava a reunião de
fundação formal do PT. Representavam décadas de militância política e
intelectual a favor dos trabalhadores, e renovavam as esperanças e
expectativas de brasileiros que apostavam na criação de mais um
importante instrumento de luta para a emancipação de nosso país e de
nosso povo.
Daquela data até os dias de hoje, muita coisa mudou no Brasil e no próprio PT.
Ao longo da década de 80, o PT se afirmou como a
principal referência partidária junto aos militantes dos movimentos
sociais, principalmente dos setores identificados com a Central Única
dos Trabalhadores e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, igualmente
criados naquela década. A partir das eleições municipais de 1988,
especialmente com a vitória de Luiza Erundina para a prefeitura de São
Paulo, dentre outras (anteriormente, em 1985, Maria Luiza Fontenelle já
havia sido eleita para a prefeitura de Fortaleza), o PT começa a trilhar
o delicado caminho de procurar compatibilizar os seus objetivos
políticos com os limites da institucionalidade vigente.
Com a derrota de Lula para Collor, nas eleições
presidenciais de 1989, e a própria ascensão do projeto neoliberal no
país, os movimentos sociais entram em compasso de resistência contra a
nova hegemonia que se expressa na sociedade, com conseqüências
importantes para a própria construção política do PT.
Abreviando essa trajetória petista, e após o período
das contra-reformas da era FHC, o PT que chega ao governo federal em
2003 é completamente diferente do que se poderia imaginar para um
partido que se pautava – na sua fase de afirmação – pela defesa de uma
nova ética na prática política e de transformações estruturais da
economia e da sociedade brasileiras.
Históricas bandeiras políticas do PT – como a reforma
agrária, a reforma tributária a favor do mundo do trabalho, a reforma
urbana, a revisão das criminosas privatizações de FHC, Itamar e Collor, o
controle democrático das estatais ou a mudança do modelo econômico,
através de uma nova política macroeconômica – foram abandonadas e
substituídas sem cerimônia e em nome do que se denominou
governabilidade.
A justificativa para tamanha metamorfose foi a
alegação de que a correlação de forças na sociedade não permitiria
mudanças substantivas no plano da política e especialmente na condução
da política econômica. A política de alianças que leva Lula à
presidência também foi alegada como fator de impedimento, para um
programa de governo minimamente reformista e de contraposição às
contra-reformas de FHC.
A rigor, a correlação de forças que foi
substantivamente alterada se deu dentro do próprio PT. A submissão do
conjunto do partido, com honrosas exceções, às opções e preferências de
Lula – com seu inegável carisma, popularidade e apelo junto aos mais
pobres, que se identificam com a origem do ex-metalúrgico – tornou-se
uma regra.
Com relação à política de alianças, eu mesmo ouvi do
vice-presidente de Lula, José de Alencar, em encontro no Palácio Jaburú
com representantes do Conselho Federal de Economia, durante o primeiro
mandato de ambos, que jamais foi consultado – ou mesmo informado de
forma antecipada – das razões que levaram a cúpula petista a anunciar,
em solo norte-americano, com Lula à frente, a nomeação do executivo
financeiro do Bank of Boston, Henrique Meireles, para a presidência do
Banco Central.
Outra explicação ou justificativa que também foi
alegada, particularmente por setores que ainda têm o capricho de se
apresentarem como forças de esquerda que apóiam os governos petistas, é
que estes seriam “governos em disputa”. Seja por espantosa ingenuidade
ou deslavado oportunismo, a verdade é que, se houve alguma disputa, em
algum momento que seja, em todas elas a esquerda perdeu. Ou, conforme um
amigo sempre lembra, a única disputa relevante que podemos apontar no
âmbito do governo Lula foi a disputa entre os grupos Bradesco e Itaú
pela liderança do super-lucrativo mercado bancário brasileiro, mais
privilegiado ainda no período pós-2002 do que na era FHC.
Todas essas considerações devem ser lembradas pela
razão de, na mesma semana em que o PT comemora mais um ano de sua
existência, uma nova e inequívoca prova de sua total e radical guinada
para a direita ter sido ratificada. Refiro-me ao início do processo da
privatização dos principais e rentáveis aeroportos brasileiros. Serviço
público essencial e fator de segurança nacional, a entrega dos
principais aeroportos do país à administração privada, e a operação dos
mesmos a empresas estrangeiras, escancara de uma vez por todas a
natureza política dos governos pós-2002.
Mais patética do que a ação privatista em si,
injustificável sob todos os pontos de vista, foi o esforço de dirigentes
e líderes petistas procurando contestar qualquer semelhança com as
privatizações da era FHC. Alegando que concessões não significam
privatizações, essas tristes figuras ainda permitiram que ex-dirigentes
tucanos se retirassem do ostracismo político em que se encontram para
lhes explicar que serviços públicos, de fato, não podem ser
privatizados, como se fossem “uma Vale do Rio Doce”. Por conta de
dispositivo constitucional, esses serviços devem ser executados
diretamente pelo Estado, ou por concessões a serem feitas à iniciativa
privada, através de contratos, e por tempo definido.
Parece que, em termos de privatização, os neopetistas
têm muito ainda a aprender com os carcomidos tucanos. Da minha parte, o
que espero é que aqueles que ainda mantenham um mínimo de coerência,
entre os que ainda se considerem de esquerda, e que continuam
aprisionados ao PT e aos seus governos, rompam definitivamente com esse
partido e com o atual governo.
A esses setores, é importante lembrar que, após mais
de nove anos de governos comandados pelo PT, as tarefas para a
construção de um verdadeiro programa democrático e popular – conforme o
ideário do finado e verdadeiro PT – são mais complexas hoje do que em
2002.
O processo de privatização e de abertura de nossa
economia aos capitais transnacionais é muito mais intenso e deitou
raízes no país de forma muito mais profunda. Temos, portanto, muito mais
trabalho pela frente e nossos adversários estão hoje muito mais
fortalecidos. A economia brasileira encontra-se muito mais
desnacionalizada, o Estado muito mais endividado e os movimentos sociais
muito mais debilitados, pela cooptação de suas lideranças.
Chega de ilusões. É chegada a hora de se desfazer de fantasias e mistificações.
Paulo Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre.