segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Diário do Comércio, São Paulo, 19/08/2012


 










Como deter  a corrupção política no País

 Penal 470, também chamada de Mensalão, no 

O País  acompanha o julgamento da Ação  Supremo Tribunal Federal (STF), em que os ministros da Corte avaliam se houve o uso de dinheiro público ou privado ilegal para o financiamento de campanhas político-eleitorais ou, ainda, compra de parlamentares, a fim de que votassem a favor do governo no Congresso Nacional.
 
Antes de darem as sentenças sobre as denúncias presentes no processo, o caso tem estimulado o debate e o questionamento sobre a organização e o funcionamento do sistema político brasileiro. Discute-se o que deve ser mudado, para que as ilegalidades políticas sejam superadas.

Diante disso, há debates a respeito dos financiamentos eleitorais, isto é, se devem ser apenas públicos, e se os candidatos precisam ser eleitos em distritos e não mais em colégios eleitorais formados por toda a cidade ou toda a unidade da federação, como é hoje.

Ainda há discussões sobre a validade da proposta relacionada à formação de listas fechadas de candidatos às eleições proporcionais pelos partidos, e a respeito da redução de cargos de livre nomeação no Estado. Para especialistas, o Mensalão por si só não será um divisor de águas na política interna. As mudanças e o fim da corrupção e do caixa 2 eleitoral só ocorrerão por meio de reforma política.

Um desses especialistas é Claudio Weber Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil, organização autônoma e independente de combate à corrupção. "O Mensalão sozinho não trará mudan-ças, até porque caixa 2 nesse caso é marginal. O que o caracteriza é a coleta de propinas de diferentes origens e motivos, via esquema de Marcos Valério", diz.

Roberto Romano (foto), professor de Filosofia Política na pós-graduação da Unicamp, também avalia que o caso não mudará o funcionamento do sistema sem a reforma política. "O caso é apenas o ápice de um processo inteiro de atividade ilegal, que une forças e interesses econômicos e políticos da sociedade civil e operadores do Estado, em especial no Executivo e no Legislativo", afirma. E acrescenta que uma mudança apenas virá com reforma política.

No que diz respeito ao financiamento público das campanhas, para evitar a influência do capital privado nas eleições, Abramo é contra a proposta. "Uma das peculiaridades do sistema eleitoral brasileiro é uma grande influência do capital nas eleições. É esperado, uma vez que as empresas sempre têm interesse em influenciar as decisões de políticos. A ideia de proibir o financiamento privado nas eleições é uma insensatez. É impossível evitar isso", diz.

Segundo ele, se for proibido, "o que hoje é caixa 1, uma vez que as doações têm de ser informadas e registradas, vai se transformar em caixa 2". Acrescenta que uma das formas de melhorar o financiamento de campanhas políticas é por meio do "matching funds", por exemplo. Para ele, o mecanismo procura estimular a pequena doação da pessoa física para campanhas de candidatos. "O candidato comprova que recebeu "x" de pessoas físicas. O Estado, por sua vez, doa-lhe a mesma quantia. Esse mecanismo teria a vantagem de comprometer mais o eleitor individual com o candidato. O doador iria acompanhar o desempenho do eleito, cobrá-lo sempre pelo desempenho político", diz Abramo.

Para Romano, o financiamento de campanhas políticas pode ser público ou privado. "O problema de caixa 2 e  financiamento eleitoral ocorre muito por causa dos dirigentes partidários, que se tornaram tutores das siglas", diz. Segundo ele, os dirigentes partidários ficam muito tempo no comando das siglas e controlam as alianças, os candidatos e o cofre do partido. São os cartolas da política", diz.

Para ele, mais urgente do que discutir tecnicamente a origem do dinheiro, é mudar a estrutura do partido. "É preciso exigir que os dirigentes partidários tenham mandato curto, de no máximo quatro anos. Nos partidos é necessário ter eleições primárias para a escolha dos candidatos. Os militantes e filiados têm de ter o controle dos fundos e do caixa da sigla", afirma Romano.

Voto distrital e lista  – Abramo diz que o defensor do voto distrital não tem noção do que seja o mecanismo. "Foi idealizado para favorecer o domínio de políticos sobre os tais distritos eleitorais. No essencial, é o renascimento dos currais eleitorais", garante.

O voto em lista de candidatos organizada pelo partido, em debate para proibir o financiamento eleitoral privado, beneficiará quem já tem mandato e as direções partidárias, avalia Abramo. "Quem vai estar em cima da lista são os sujeitos que já estão exercendo as funções de comando no partido. Os vereadores, deputados estaduais e federais e quem dirige o partido vão estar em cima da lista. Serão os nomes a serem eleitos, para os quais os votos vão ser dirigidos em primeiro lugar", assegura o especialista.

Abramo aponta outras distorções do sistema político e da democracia, mas propõe soluções para superá-las. Por exemplo, segundo ele, "o poder Legislativo é um poder inútil sob o ponto de vista da sua justificativa institucional. Não representa a população, aqui e em outros países".

A principal função do Legislativo não é legislar, afirma. "É fiscalizar o Executivo." Acrescenta que a função fiscalizatória é neutralizada pela compra de parlamentares pelo Executivo por meio da distribuição de cargos na administração e, ainda, pelo atendimento do que propõem as emendas criadas pelos políticos.

Limite de emendas – Segundo ele, é preciso emendar a Constituição no sentido de limitar o número de pessoas que podem ser nomeadas livremente para cargos comissionados na administração pública. "As emendas parlamentares deveriam ser cumpridas de acordo com a lei. Poderia ser por meio da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Do ponto de vista institucional, com essas práticas, acabaríamos com o achaque ou chantagem de político contra o chefe do Executivo e, ainda, evitaríamos a ineficiência no funcionamento do Estado."

Para Romano, os partidos e os políticos têm como finalidade última promover sua ascensão social, econômica e política às custas do eleitorado. Para garantir isso, assegura, usam instrumentos do Estado, no Legislativo e no Executivo, para criar comitês eleitorais deles. "Usam asses-sores como cabos eleitorais, por exemplo. O que é uma anomalia", justifica.

Tirania – Acrescenta ainda que os agentes públicos eleitos têm privilégios, que não são prerrogativas de Estado, outorgados pelos próprios operadores do Estado. "Com esses privilégios e os domínios dos cargos, temos uma oligarquia no sentido exato da palavra. Há uma odiosa separação entre o cidadão comum e o que opera o Estado. Isto é o passaporte para a impunidade", explica Romano.

Ele acrescenta que é preciso pôr fim à tirania existente no Estado brasileiro. "Tirano é aquele que usa os bens dos governados como se fossem seus. Nosso governo é uma tentativa de democracia dominada pela tirania desses operadores do Estado."

Atuação eleitoral – O direito de os partidos participarem das eleições também se encontra no debate para melhorar o funcionamento da democracia no País. Segundo Romano, para que uma sigla partidária tivesse direito de participar das eleições para os poderes Legislativo e Executivo, deveria ter um número, ter presença expressiva em muitos distritos e cidades dos estados do País.

"O que é importante na lógica e na essência dos partidos é que ele cresça na base da sociedade e, depois, se apresente como alternativa de poder no Estado. Sempre lembrando que deve ter mecanismos internos democráticos, com a realização de eleições primárias", diz Romano.

Partidos artificiais – Segundo Romano, hoje, políticos reúnem pequenos grupos e alguns outros parlamentares, em vários estados, e criam artificialmente um partido. "Em muitas das nossas organizações partidárias, os programas do partido existem apenas para enganar a Justiça Eleitoral."

Acrescenta que a grande quantidade de partidos no País não deriva de divisões na sociedade nem de "projetos conflitantes no meio social e de propostas democráticas com diferenças na organização do Estado e da sociedade". Para ele, a maioria das agremiações políticas hoje atende "única e exclusivamente aqueles que têm como profissão fazer política. Esta distorção deteriora o ambiente político."