quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Jornal da Unicamp

As últimas sobre o
P-Mapa

Artigo revela que fármaco poderá ser útil no combate à tuberculose e ao câncer de bexiga
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Em maio de 2010, o Jornal da Unicamp publicou entrevista com Carlos Henrique Fioravanti, autor da tese de doutorado “A construção de um medicamento no Brasil: a trajetória do fármaco P-Mapa”. O jornalista contava a história do médico Odilon da Silva Nunes (1922-2001), que há mais de 60 anos, num laboratório mantido com seus próprios recursos, pesquisava produtos originados de fungos com potencial antitumoral. A partir destas pesquisas, ele conseguiu criar uma molécula que ao longo dos anos se mostraria eficaz contra tumores e alguns tipos de microrganismos causadores de infecções oportunistas associadas ao HIV.

É uma história que vem tendo sequência até hoje, graças à iniciativa do professor Nelson Durán, professor titular do Instituto de Química (IQ) da Unicamp (onde permanece como convidado voluntário, sendo também professor sênior da UFABC), e do administrador de empresas Iseu Nunes, filho do médico idealista. Em 2001, Durán e Nunes criaram a Farmabrasilis, uma rede de pesquisa aberta e sem fins lucrativos que, entre outros produtos, desenvolveu e disponibilizou gratuitamente um derivado da molécula original criada por Odilon Nunes, o P-Mapa, para pesquisas visando ao tratamento de doenças negligenciadas e aplicações em saúde pública. 

P-Mapa é a sigla em inglês para agregado polimérico de fosfolinoleato-palmitoleato de magnésio e amônio proteico, produto proveniente do fungo Aspergillus oryzae. Segundo os pesquisadores, o produto é um modificador de resposta biológica, ou seja, modifica a resposta do organismo contra doenças, podendo ainda atuar de maneira diferente em diversas doenças. “Um exemplo de modificador de resposta biológica bastante conhecido e utilizado é o Interferon”, ilustra Iseu Nunes, um dos coordenadores da rede Farmabrasilis, que reúne dezenas de pesquisadores atuando em projetos envolvendo o P-Mapa ao redor do mundo.

Em junho, a revista Infectious Agents and Cancer publicou o artigo “Efeitos do imunomodulador P-Mapa sobre receptores toll-like e p53: possíveis estratégias terapêuticas para doenças infecciosas e câncer”. O artigo é assinado por pesquisadores da Farmabrasilis, Unicamp, Unesp e da Universidade do Colorado – estes patrocinados pelo NIAID (sigla em inglês para Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA). O artigo mostra que o P-Mapa é capaz de ativar determinados receptores do sistema imunológico e favorecer o combate à tuberculose e ao câncer de bexiga em experimentos com animais. É a primeira vez que os possíveis mecanismos comuns de ação do medicamento contra as duas doenças são descritos.

 “O P-Mapa está sendo testado há bastante tempo e já se sabia que ele podia agir contra câncer em animais. A grata surpresa dos últimos anos foi a demonstração do seu efeito também em doenças infecciosas in vivo [em animais de laboratório], a exemplo da malária, listeriose e leishmaniose visceral em cães. Nossos pesquisadores ficaram inicialmente perplexos porque não conseguiam visualizar  um ponto comum para entender a atuação em patologias tão diversas”, lembra Iseu Nunes.
 O professor Wagner José Fávaro, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, esclarece que as novas pesquisas sobre os mecanismos de ação permitem visualizar pelo menos um caminho comum: a atuação dos toll-like, que são receptores de alerta das células, tanto para doenças infecciosas como para alguns tipos de câncer. “Como resultado adicional, temos a confirmação por meio de trabalhos realizados no Brasil e Estados Unidos de que o P-Mapa pode agir em câncer e doenças infecciosas”. 
Os pesquisadores da Farmabrasilis consideram o P-Mapa um dos imunomoduladores mais versáteis em desenvolvimento, por aliar um amplo espectro de atuação com baixos efeitos colaterais adversos, nas dosagens utilizadas em animais experimentais. “O produto já foi testado em ratos, camundongos, macacos e cães, em pequenas e altas dosagens, e em nenhuma dessas espécies revelou toxicidade significativa ou que obrigasse à retirada da medicação. Se este efeito se mantiver em seres humanos, poderemos ter dado um grande passo para colocar um fármaco potente em utilização clínica, justamente por conta desta combinação: amplo espectro de ação com baixo efeito colateral adverso”, diz Iseu Nunes, com a ressalva de que isto ainda depende de confirmação futura.

90% de eficácia 
Wagner Fávaro é estudioso da carcinogênese, principalmente a urogenital, que afeta rins, bexiga urinária e próstata. “Meu trabalho envolve modelos animais, estudando os mecanismos da carcinogênese e o desenvolvimento de novas terapias. Já conhecia o P-Mapa e procurei a Farmabrasilis interessado em testar o efeito do medicamento no câncer de bexiga urinária. Isso porque já temos um modelo animal bem desenvolvido, em que conseguimos um bom grau de similaridade com o câncer incidente em seres humanos.” 

Recebido gratuitamente o produto, o docente da Unicamp propôs um projeto de pesquisa à Fapesp, aprovado em 2011. “Causou surpresa o efeito extremamente significativo do P-Mapa, reduzindo em mais de 90% as lesões neoplásicas, que foram caracterizadas como neoplasias não músculo invasivas da bexiga urinária (carcinoma in situ ou papilífero). Ficamos, então, curiosos em entender o mecanismo de ação deste produto, estudo que ainda está em andamento pelo projeto aprovado.”

Ao mesmo tempo, um grupo da Universidade do Colorado investigou o efeito do P-Mapa em tuberculose, com resultados que indicaram a sua atuação em receptores da membrana celular conhecidos como toll-like.  “A Farmabrasilis nos cedeu dados mostrando a atuação também in vitro nestes receptores. Como pesquisávamos os toll-like em neoplasias urogenitais, achei que o caminho poderia ser este para tais lesões. E os experimentos em animais com câncer de bexiga, realizados por mim e um pós-doutorando, confirmaram esta hipótese”, esclarece Fávaro.

A pesquisa de pós-doutorado de Fábio Rodrigues Ferreira Seiva, orientada pelo docente do IB, indicou que o P-Mapa estimulava principalmente os tipos 2 e 4 de toll-like. “Sabemos, a princípio, que a ação se dá através de toll-like e da p53, proteína que atua como uma guardiã do DNA e tem provável atividade regulatória sobre estes receptores. Nos cânceres de bexiga, as alterações da p53 podem indicar se o tumor é mais ou menos agressivo. Já vimos que há modificações desta proteína e, agora, vamos tentar desvendar o mecanismo de ação”, adianta Fávaro, lembrando que esse trabalho é originário da Unesp de Botucatu, onde foi docente por vinte meses antes de voltar à Unicamp.
Para saber mais 
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/maio2010/ju462_pag0607.php