As últimas sobre o
P-Mapa
Artigo revela que fármaco poderá ser útil no combate à tuberculose e ao câncer de bexiga
Em
maio de 2010, o Jornal da Unicamp publicou entrevista com Carlos
Henrique Fioravanti, autor da tese de doutorado “A construção de um
medicamento no Brasil: a trajetória do fármaco P-Mapa”. O jornalista
contava a história do médico Odilon da Silva Nunes (1922-2001), que há
mais de 60 anos, num laboratório mantido com seus próprios recursos,
pesquisava produtos originados de fungos com potencial antitumoral. A
partir destas pesquisas, ele conseguiu criar uma molécula que ao longo
dos anos se mostraria eficaz contra tumores e alguns tipos de
microrganismos causadores de infecções oportunistas associadas ao HIV.
É
uma história que vem tendo sequência até hoje, graças à iniciativa do
professor Nelson Durán, professor titular do Instituto de Química (IQ)
da Unicamp (onde permanece como convidado voluntário, sendo também
professor sênior da UFABC), e do administrador de empresas Iseu Nunes,
filho do médico idealista. Em 2001, Durán e Nunes criaram a
Farmabrasilis, uma rede de pesquisa aberta e sem fins lucrativos que,
entre outros produtos, desenvolveu e disponibilizou gratuitamente um
derivado da molécula original criada por Odilon Nunes, o P-Mapa, para
pesquisas visando ao tratamento de doenças negligenciadas e aplicações
em saúde pública.
P-Mapa é a sigla
em inglês para agregado polimérico de fosfolinoleato-palmitoleato de
magnésio e amônio proteico, produto proveniente do fungo Aspergillus
oryzae. Segundo os pesquisadores, o produto é um modificador de resposta
biológica, ou seja, modifica a resposta do organismo contra doenças,
podendo ainda atuar de maneira diferente em diversas doenças. “Um
exemplo de modificador de resposta biológica bastante conhecido e
utilizado é o Interferon”, ilustra Iseu Nunes, um dos coordenadores da
rede Farmabrasilis, que reúne dezenas de pesquisadores atuando em
projetos envolvendo o P-Mapa ao redor do mundo.
Em
junho, a revista Infectious Agents and Cancer publicou o artigo
“Efeitos do imunomodulador P-Mapa sobre receptores toll-like e p53:
possíveis estratégias terapêuticas para doenças infecciosas e câncer”. O
artigo é assinado por pesquisadores da Farmabrasilis, Unicamp, Unesp e
da Universidade do Colorado – estes patrocinados pelo NIAID (sigla em
inglês para Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos
EUA). O artigo mostra que o P-Mapa é capaz de ativar determinados
receptores do sistema imunológico e favorecer o combate à tuberculose e
ao câncer de bexiga em experimentos com animais. É a primeira vez que os
possíveis mecanismos comuns de ação do medicamento contra as duas
doenças são descritos.
“O P-Mapa
está sendo testado há bastante tempo e já se sabia que ele podia agir
contra câncer em animais. A grata surpresa dos últimos anos foi a
demonstração do seu efeito também em doenças infecciosas in vivo [em
animais de laboratório], a exemplo da malária, listeriose e leishmaniose
visceral em cães. Nossos pesquisadores ficaram inicialmente perplexos
porque não conseguiam visualizar um ponto comum para entender a atuação
em patologias tão diversas”, lembra Iseu Nunes.
O
professor Wagner José Fávaro, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp,
esclarece que as novas pesquisas sobre os mecanismos de ação permitem
visualizar pelo menos um caminho comum: a atuação dos toll-like, que são
receptores de alerta das células, tanto para doenças infecciosas como
para alguns tipos de câncer. “Como resultado adicional, temos a
confirmação por meio de trabalhos realizados no Brasil e Estados Unidos
de que o P-Mapa pode agir em câncer e doenças infecciosas”.
Os
pesquisadores da Farmabrasilis consideram o P-Mapa um dos
imunomoduladores mais versáteis em desenvolvimento, por aliar um amplo
espectro de atuação com baixos efeitos colaterais adversos, nas dosagens
utilizadas em animais experimentais. “O produto já foi testado em
ratos, camundongos, macacos e cães, em pequenas e altas dosagens, e em
nenhuma dessas espécies revelou toxicidade significativa ou que
obrigasse à retirada da medicação. Se este efeito se mantiver em seres
humanos, poderemos ter dado um grande passo para colocar um fármaco
potente em utilização clínica, justamente por conta desta combinação:
amplo espectro de ação com baixo efeito colateral adverso”, diz Iseu
Nunes, com a ressalva de que isto ainda depende de confirmação futura.
90% de eficácia
Wagner
Fávaro é estudioso da carcinogênese, principalmente a urogenital, que
afeta rins, bexiga urinária e próstata. “Meu trabalho envolve modelos
animais, estudando os mecanismos da carcinogênese e o desenvolvimento de
novas terapias. Já conhecia o P-Mapa e procurei a Farmabrasilis
interessado em testar o efeito do medicamento no câncer de bexiga
urinária. Isso porque já temos um modelo animal bem desenvolvido, em que
conseguimos um bom grau de similaridade com o câncer incidente em seres
humanos.”
Recebido gratuitamente o
produto, o docente da Unicamp propôs um projeto de pesquisa à Fapesp,
aprovado em 2011. “Causou surpresa o efeito extremamente significativo
do P-Mapa, reduzindo em mais de 90% as lesões neoplásicas, que foram
caracterizadas como neoplasias não músculo invasivas da bexiga urinária
(carcinoma in situ ou papilífero). Ficamos, então, curiosos em entender o
mecanismo de ação deste produto, estudo que ainda está em andamento
pelo projeto aprovado.”
Ao mesmo
tempo, um grupo da Universidade do Colorado investigou o efeito do
P-Mapa em tuberculose, com resultados que indicaram a sua atuação em
receptores da membrana celular conhecidos como toll-like. “A
Farmabrasilis nos cedeu dados mostrando a atuação também in vitro nestes
receptores. Como pesquisávamos os toll-like em neoplasias urogenitais,
achei que o caminho poderia ser este para tais lesões. E os experimentos
em animais com câncer de bexiga, realizados por mim e um
pós-doutorando, confirmaram esta hipótese”, esclarece Fávaro.
A
pesquisa de pós-doutorado de Fábio Rodrigues Ferreira Seiva, orientada
pelo docente do IB, indicou que o P-Mapa estimulava principalmente os
tipos 2 e 4 de toll-like. “Sabemos, a princípio, que a ação se dá
através de toll-like e da p53, proteína que atua como uma guardiã do DNA
e tem provável atividade regulatória sobre estes receptores. Nos
cânceres de bexiga, as alterações da p53 podem indicar se o tumor é mais
ou menos agressivo. Já vimos que há modificações desta proteína e,
agora, vamos tentar desvendar o mecanismo de ação”, adianta Fávaro,
lembrando que esse trabalho é originário da Unesp de Botucatu, onde foi
docente por vinte meses antes de voltar à Unicamp.
Para saber mais http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/maio2010/ju462_pag0607.php