Renasce o peleguismo?
Roberto Romano
Correio Popular de Campinas, 16/11/2004.
Os sindicatos ajudam a conquista de direitos profissionais e civís.
Mas é possível verificar uma afinidade excessiva entre partidos e
movimentos sindicais, o que obstaculiza o livre movimento de ambos. Os
diretores de Centrais operárias podem reduzir o seu papel ao plano de
simples correias de transmissão entre governo e trabalhadores. Surge o
“pelego” que adocica o amargor das medidas impostas pelos antigos
parceiros dos trabalhadores, agora nos palácios. Pelegos auxiliam
governos autoritários a dobrar a vontade dos cidadãos. O período
varguista os conheceu, bem como a época de JK e de Jango. No governo
militar os pelegos foram prestativos. Contra eles, surgiu o movimento
que viu Luis Inácio da Silva como um líder. Na liberdade dos sindicatos
diante dos patrões e do governo, o PT encontrou a fórmula que lhe deu
crescente apoio das massas. O governo do PT deixa de aplicar a ética na
política, na medida em que a “governabilidade” o conduz aos mesmos
gestos das administrações anteriores. Do “é dando que se recebe” à
leniência diante de irregularidades (o foro privilegiado do presidente
do BC), à perseguição dos críticos que sempre foram os seus
sustentáculos (as expulsões de parlamentares do PT), a ética se tornou
rarefeita no ambiente petista. Some-se a traição cometida em Fortaleza e
Salvador, o desmantelamento dos direitos, etc.
Agora se prepara a “reforma sindical”. Sindicatos não alinhados com o
governo, preparem o lombo. Uma denúncia forte desta possibilidade
encontra-se em Nota do Andes Sindicato Nacional que representa os
movimentos universitários docentes do Brasil. Cito a nota: “No final de
setembro, chegou ao ANDES-SN cópia de uma correspondência encontrada na
impressora da sala de computadores destinada aos hóspedes do Hotel das
Américas, em Brasília, que fora encaminhada ao Secretário Executivo
Adjunto do MEC, senhor Jairo Jorge. Confirmadas a autoria do texto e a
veracidade do tema tratado, sem dúvida, estaríamos diante de gravíssima
ingerência governamental na autonomia sindical. Por essa razão, o
ANDES-SN solicitou formalmente um posicionamento oficial do MEC sobre o
assunto. O silêncio do Ministro, até o momento, e as evasivas do senhor
Jairo Jorge alimentam as inquietações do Sindicato.
No texto, o suposto autor se identifica: ‘Meu nome é Homero Catão
Maribondo da Trindade, estive junto com o Gil Vicente no seu gabinete
dia 14/09/2004 por volta das 19h30, tratando entre outros assuntos da
criação de um organismo, um fórum, que trate dos interesses exclusivos
das Instituições Federais de Ensino Superior, onde estiveram também
presentes o Ministro Tarso Genro, o Sylvio Pétrus e o Fernando Haddad.
Na despedida, solicitei a sua autorização para enviar este e-mail, para
tratar de um assunto inicialmente colocado para o Vladimir Nepomuceno do
MPOG quando estive com ele, juntamente com o Gil Vicente, tratando
entre outros assuntos de emissão da medida provisória’”.
Em 27 /09/ 2004 o Andes pediu a Tarso Genro uma audiência para tratar
do assunto, mas ele não respondeu. O Andes, então, “encaminhou
Notificações Extrajudiciais Premonitórias a todas as pessoas mencionadas
como presentes à reunião realizada no dia 14/09/2004 no gabinete do
Secretário Executivo Adjunto do MEC”. O alvo era saber “a natureza da
nova entidade proposta”. Em 5/11/ 2004 o Secretário Executivo Adjunto do
MEC respondeu à Interpelação. “Examinando a resposta do Secretário
Jairo Jorge, é possível depreender que o referido Secretário confirma a
existência da correspondência do Professor Homero Catão M. da Trindade,
sugerindo uma suposta violação de correspondência”. Termina a nota do
Andes. Depois das espionagens ao modo da Kroll, é estranho que o modus
operandi seja tão rocambolesco. Mas o Brasil vive em ritmo de rocambole:
tudo se dobra, numa curva sem fim.
Mas seria ética a correspondência sigilosa entre ministro e docentes,
quando o assunto é a formação de novos organismos representativos, à
revelia dos que já existem ? Se a reunião referida existiu, onde vai
parar a determinação da OIT que proibe ingerências governamentais nos
sindicatos? O governo não está contente com o Andes porque este último
se coloca em sentido contrário às "reformas" da universidades,
consubstanciadas em medidas provisórias e outros meios de fragílima
legitimidade legislativa? Está o governo preparando, com a criação do
“novo” organismo a "reforma sindical" que atenuará o poder de fogo do
sindicato na defesa de sua categoria? Se a resposta for positiva,
assistimos o renascer do peleguismo, o que envergonha os professores
universitários brasileiros.