Waldemir Barreto/ Ag. Senado
Eunício Oliveira, presidente da Comissão que debaterá a proposta, quer um meio termo entre juristas e opinião pública
Senado
Projeto de juristas vai na contramão do Congresso
Proposta para reforma do Código Penal
elaborada por comissão tem viés mais “liberalizante” do que os projetos
apresentados pelos parlamentares nos últimos anos
Publicado em 09/08/2012 | Rogério Waldrigues Galindo
O
projeto de reforma do Código Penal que passou a tramitar no Senado tem
viés bastante diferente das propostas que os parlamentares vêm
apresentando. Ao contrário da tendência “liberalizante” de certos pontos
do projeto elaborado por juristas, as propostas feitas pelos
congressistas são bem mais conservadoras. A Comissão Especial que
examinará o projeto formulado por 16 juristas foi instalada ontem. O
senador Eunício Oliveira (PMSB-CE) foi eleito ontem presidente da
Comissão. Em entrevista à Agência Senado, ele disse que o objetivo será
produzir um texto que combine a “excelência doutrinária” dos juristas e o
sentimento da opinião pública. “Hoje esse sentimento reflete a
insegurança de uma cidadania amedrontada”.
O projeto de
reforma prevê mais casos em que o aborto pode ser feito; reduz a
punição para a eutanásia, chegando a autorizá-la em alguns casos; e
estabelece que ser dono de casa de prostituição deixa de ser crime.
Comissão não dialogou e teve pressa, dizem especialistas
A proposta de juristas para reforma do Código Penal causa polêmica entre especialistas, que chegam a criticar a postura do grupo como “arrogante”. “Eu sou pouco entusiasmado com essa ideia de juristas legislando e impondo as suas teorias à população”, afirma o professor de Ética e Ciência Política da Unicamp Roberto Romano.Segundo ele, a postura dos juristas não favorece o diálogo. “A impressão que dá é que eles têm o apoio do governo e que até tentam intimidar os adversários”, afirma. Romano lembra que a maioria da população é religiosa e que, mesmo que alguém quisesse mudar os costumes do país, seria preciso seguir a lição de Maquiavel. “Os costumes só mudam lentamente”, diz.
Para o historiador Marco Antônio Villa, da Universidade Federal de São Carlos, a discussão tem sido feita com uma certa pressa. “A impressão até aqui é que a discussão foi feita de forma clandestina”, diz. Para ele, ao chegar ao Congresso o debate ganha mais legitimidade.
Já para o cientista político Ricardo Costa de Oliveira, professor da UFPR, é normal que outras instituições pressionem por mudanças mais rápidas na legislação. “Há lobbies que tornam o parlamento mais conservador do que a própria sociedade. E as grandes mudanças vêm do Executivo”.
Há aumento de penas em alguns crimes e tipificação de outros,
mas a proposta é mais liberal do que as proposições apresentadas pelos
deputados federais, por exemplo. A Gazeta do Povo fez um levantamento de
todos os projetos apresentados sobre esses temas nos últimos quatro
anos na Câmara dos Deputados. Foram 225 propostas. Pelo menos 142
endurecem a lei, aumentando penas ou estabelecendo novos crimes.
Neste período, surgiram quatro projetos pedindo que responsáveis por
crimes sexuais fossem expostos a castração química ou punições
semelhantes. Há projetos aumentando pena para crimes de calúnia, roubo e
sequestro-relâmpago.
No caso do aborto, a proposta dos juristas vai no sentido inverso dos
projetos apresentados pelos deputados. Hoje, há dois casos em que não
são previstas punições: quando a mãe corre risco de morte e quando a
gravidez é resultado de um estupro. Os juristas querem incluir casos em
que a mãe esteja despreparada para a gestação.
Os três projetos apresentados por deputados no período vão no sentido
contrário. Um deles foi feito para sustar o efeito da decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF), que entendeu que o aborto de anencéfalos
não deve ser punido.
O último projeto registrado sobre eutanásia na Câmara tenta incluir a
prática na lista de crimes hediondos. Nos últimos quatro anos, também
não houve projetos apresentados para descriminalizar a maconha ou outras
drogas.