sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Texto que merece leitura e reflexão.

A crise política brasileira:
qual é a porta de saída?

Uma análise psicossocial operativa1
Marco Aurélio F. Velloso 2
 

“Agora, podemos admitir sem dificuldade que nada podia fazer prever aos nossos cidadãos os incidentes que se produziram na primavera desse ano e que foram, como compreendemos depois, os primeiros sinais dos acontecimentos graves cuja crônica nos propusemos fazer aqui. Esses fatos parecerão a alguns perfeitamente naturais e a outros, pelo contrário, inverossímeis. Mas, afinal, um cronista não pode levar em conta essas contradições. Sua tarefa é apenas dizer: ‘Isso aconteceu', quando sabe que isso, na verdade, aconteceu; que isso interessou à vida de todo um povo, e que, portanto, há milhares de testemunhas que irão avaliar nos seus corações a verdade do que ele conta.
Aliás, o narrador, que se revelará no momento oportuno, não disporia de meios para lançar-se num empreendimento desse gênero se o acaso não o tivesse posto em condições de recolher um certo número de depoimentos e se a força das circunstâncias não o tivesse envolvido em tudo o que pretende relatar. É isso que o autoriza a agir como historiador. É claro que um historiador, mesmo que não passe de um amador, tem sempre documentos. O narrador desta história tem, portanto, os seus: em primeiro lugar, o seu testemunho; em seguida, o dos outros, já que, pelo seu papel, foi levado a recolher as confidências de todas as personagens desta crônica; e, finalmente, os textos que acabaram caindo em suas mãos. Pretende servir-se deles quando lhe parecer útil e utilizá-los como lhe aprouver.”
Albert Camus – A Peste3

O tema que nos foi proposto 4 —A crise política brasileira: qual é a porta de saída?— me pareceu muito ousado. Nem bem entrados nesta crise, e já nos pedem, como debatedores, que apressadamente encontremos a porta de saída!... Pegaram-nos de calças curtas.
Ora, ora: se saída houver, neste momento, creio que ela talvez só possa ser tenuamente vislumbrada num horizonte longínquo, já que é a História, daqui a algumas décadas, que poderá falar com mais competência dos desdobramentos resultantes do punhado de desafios que o destino, por enquanto, está ardilosamente nos preparando... e com mais tramas e armadilhas do que a imaginação de romancista de Carlos Frydman seria capaz de criar.
Então, minha primeira lembrança, à moda de um mote, é a da célebre citação do velho Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas 5: “Digo: O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.
De fato, creio que a atual crise política brasileira representa, neste momento, principalmente —e duplamente—, apenas uma larga e longa soleira de entrada.
De um lado, porque é uma crise que, apesar de todo o sofrimento que está nos causando, e de já se arrastar por tantos meses, é ainda uma crise menina, falta bastante para se tornar —e merecer— ser mulher.
De outro, porque é prelúdio, anteato, pajem abre-alas de nossa entrada definitiva nos verdadeiros e profundos dilemas do Século XXI: é promoter, é recepcionista, é sibila, é esfinge, e é alcagüete e delatora. Ao mesmo tempo em que nos dá boas vindas, já com atraso, ao novo milênio, denuncia nosso despreparo para o enfrentamento das grandes questões fundamentais da transição civilizatória que atravessamos no mundo globalizado contemporâneo.
Mas, acima de tudo, diria que é uma bendita crise, necessária crise, que, se meus desejos puderem se realizar, obrigará a nos olharmos, antes tarde do que nunca, de frente, olho no olho, enquanto país, enquanto povo, mas, sobretudo, enquanto cidadãos do mundo.
Dois enfoques para a crise: o ideológico e o estratégico-institucional
Antes mesmo de procurarmos as portas de saída desta crise —se é que pretendemos algum êxito na travessia à moda de Guimarães Rosa—, é necessário analisar seus fundamentos, compreender que fios são os que a enredam, a produzem e que ela nutre em suas vísceras.
Já dizia Sêneca: “Não há vento favorável para quem não sabe para onde ir”. Se desejarmos saber para onde ir, é necessário, no mínimo, que saibamos onde estamos e em que direção seguimos. Mas jamais saberemos as coordenadas de onde estamos se não soubermos de onde viemos.
Estas são questões que antecedem àquelas de como lutar com os ventos para traçar o percurso que nos levará ao nosso destino. Por sinal, surpreendidos, seremos por ele recebidos com um sorriso maroto, já que lá só encontraremos outra porta de entrada camuflada de porta de saída.
Vêem, portanto, que perscrutar prospectivas futuras é tarefa engenhosa, que exige sagacidade e que sempre implica, necessariamente, investigação do passado.
Saber do futuro de nosso presente é, em primeiríssimo lugar, apreender nosso presente como o futuro de um passado. Assim poderemos vislumbrar alternativas de futuro; que permitam o desenho de cenários prospectivos. Cenários que resultam de tendências projetadas a partir das determinações do passado conjugadas com ações corretivas sobre as variáveis do presente, com consistência provável. De posse de cenários assim construídos, poderemos escolher aquele que considerarmos provável e desejado para servir de referência para nossas estratégias.
Falando de outro modo: para assumir a condição de senhores conscientes de nosso destino é indispensável romper com a fatalidade fincada em nosso passado, de meros objetos das determinações que nos foram legadas. É necessário transformar o passado, de profecia fatídica em ferramenta dominada, capaz de ser utilizada com habilidade e competência na transformação de nosso presente, futuro passado de nosso presente futuro.
Há, dessa forma, um trabalho prévio, paciente, indispensável, que antecede qualquer tentativa de argüição de portas de saída.
Com este objetivo em mente, há dois enfoques, dois eixos indispensáveis para se analisar os componentes que deflagram e sustentam a crise política brasileira atual: a crítica e autocrítica da formação ideológica de nossa sociabilidade nacional; e a reflexão estratégico-institucional sobre a organização política, econômica, social e cultural necessária para a superação de nossas contradições históricas fundamentais.
Sem os resultados fornecidos por esses dois eixos de investigação, permaneceremos incapazes de identificar diretrizes essenciais para a estruturação da ágora cívica —a praça pública dos cidadãos—, ao mesmo tempo concreta e simbólica, teatro dramático do exercício da cidadania honrada e responsável de um povo digno, cônscio de sua civilidade.
Porque, para além das escaramuças voláteis desta crise, é isso, no fundo, o que queremos: uma nação de cidadãos livres, onde nossas diferenças sejam reconhecidas para garantir condições de vida cada vez melhores, de modo que nossos netos e bisnetos se orgulhem do legado que lhes deixarmos.
Basta! Não podemos continuar enganando continuamente o povo, os cidadãos que somos nós. Não podemos, melancolicamente, continuar recitando os versos de Affonso Ávila em seu “Discurso da difamação do poeta” 6:
façamos a revolução
antes que o povo a faça

antes que o povo à praça
antes que o povo a massa
antes que o povo na raça
antes que o povo: A FARSA”.
É hora de indignação, é hora de responsabilidade, é hora de trabalho duro e de longa duração.
Sejamos, por conseguinte, pacientes e persistentes: vamos por partes, passo a passo, desbravando essa travessia.
Para que não nos ocorra a danação de Sísifo, que se esfalfava a cada dia no desafio de empurrar montanha acima a pesada pedra de sua sina, para assistir desolado, alcançado o cume, seu rolar desenfreado pela outra vertente abaixo, zerando todo o seu esforço, remetendo-o novamente à estaca inicial de sua tarefa insana.
Toda tarefa mal-feita impõe re-trabalho. Quando a tarefa é a construção de nossa História, esse re-trabalho tem um custo altíssimo em termos de desperdício de energias e de vidas humanas. Preço que já estamos pagando em moeda de miséria, violência, embrutecimento humano.
Logo, já que fizemos tão mal nossa lição, tantas e tantas vezes antes, façamo-la, ao menos, bem-feito, desta vez. Para não perdermos, uma vez mais, o bonde da História.
É esse, no fundo, o grande desafio desta crise atual.
Peço então a vocês um pouco de paciência, pois vou ter que fazer um caminho de revisão de alguns fatos históricos importantes para a construção do meu raciocínio.
Os componentes ideológicos conservadores nesta crise
O primeiro demônio que esta crise carrega são os componentes ideológicos de nossa tradição conservadora. Correndo o risco de ser superficial, dados os limites deste debate, vou esboçar alguns grandes traços desta formação ideológica conservadora brasileira.
Desde que Pero Vaz de Caminha 7 lavrou a certidão de nascimento desta terra, a questão da sua apropriação e da dominação do povo que aqui vivia e da gente que para cá foi transportada se colocou de imediato.
A posse da terra e de suas riquezas foi logo resolvida à moda que Manuel Bandeira imaginou existir em Pasárgada: “Lá sou amigo do rei, terei a mulher que eu quero, na cama que escolherei” 8.
Um dos primeiros foi Fernando de Noronha 9, um cristão novo: junto com um grupo de amigos judeus que, perseguidos pela Inquisição, necessitavam de refúgio e queriam fazer bons negócios. Percebendo que à Coroa Portuguesa faltavam os recursos necessários ao patrulhamento e colonização das novas terras, Noronha conseguiu, em 1502, do rei Dom Manoel, o Venturoso, a posse da ilha de São João (que havia descoberto e que hoje leva seu nome) para explorar o comércio de pau-brasil e colonizá-la como bem entendesse. Assumiu alguns compromissos em contrapartida, entre os quais o de patrulhar as costas e impedir que a cobiça estrangeira viesse aqui se saciar. Para tudo isso, comércio e patrulhamento, dispunha de uma insignificante esquadra de seis naus!
O fracasso dessa terceirização do patrulhamento das terras não teve por efeito colocar em questão seu princípio. O diagnóstico, na época, foi o de que a dose foi pequena, precisava ser aumentada. Entre 1534 e 1536, o Rei D. João III nomeou mais doze donatários, aos quais foram dados outros quatorze nacos de terra, chamadas de Capitanias Hereditárias 10. Deveriam colonizá-las e protegê-las, por sua conta e risco, em retribuição à benemerência do rei.
Com essa benemerência régia (benemerência em termos, já que ao Rei eram devidos, entre outros impostos, o equivalente ao quinto do valor auferido pela venda de pau-brasil e outras mercadorias) foi inaugurada a propriedade imobiliária neste país, já marcada em sua origem pelo apadrinhamento e pela indiscriminação entre o público e o privado que caracteriza certo tipo de comportamento político de nossas elites. A maioria dessas capitanias permaneceu devoluta, não tendo manifestado seus donatários, nem mesmo, o desejo de visitá-las.
Como o questionamento da posse das terras pelos cobiçosos estrangeiros continuava intenso, o passo seguinte foi o da nomeação de um Governador Geral que aqui exerceria, em nome d'El Rei, a implantação de uma administração pública e a coordenação das ações militares necessárias à proteção das terras.
O terceiro governador geral foi Mem de Sá, que aqui aportou em 1560, sucedendo Tomé de Souza e, posteriormente, Duarte da Costa.
Sobre ele há uma pequena anedota bastante conhecida, mas que vale relembrar: um jovem estudante apostou com um companheiro que era capaz de passar no vestibular sem se preparar. Feito isso, inscreveu-se e se apresentou para as provas. No exame de História do Brasil, fizeram-lhe uma pergunta: que fez Mem de Sá? Sem se lembrar dos episódios que marcaram esta época, respondeu: Mem de Sá fez o que pôde. No que estava absolutamente certo...
De fato, Mem de Sá 11 é o protótipo do administrador público brasileiro: fez o que pôde e até o que não podia. Lutou a vida inteira, fez um pouco de tudo por toda parte, guerreou franceses e índios, valendo-se dos recursos de que podia se apropriar por aqui, enquanto também se enriquecia. As condições de sua investidura não foram bem estabelecidas com antecedência, razão pela qual, ao mesmo tempo, podia tudo, mas não podia contar com apoio efetivo de Lisboa. Seu sobrinho, Estácio de Sá, foi encarregado da fundação do Rio de Janeiro, tendo sob seu comando uma razoável esquadra. Outro parente seu, Salvador Correa de Sá, foi posto à frente da Capitania Real do Rio de Janeiro. Vê-se que o nepotismo, também, não estava fora de suas habilidades. No fim da vida, escreveu ao Rei confessando suas mágoas, reclamando de não ter sido reconhecido no seu esforço e de não ter sido aquinhoado com retribuição adequada, dado o fato de ter dedicado toda a sua vida e suas energias ao serviço da Coroa.
Nosso povoamento, também, tem características muito próprias. Vieram para cá muitos degredados, fugitivos, cristão-novos perseguidos, que aqui tentavam “fazer o Brasil”, expressão que ainda hoje significa lançar-se à aventura para aproveitar oportunidades e tentar enriquecer.
Com os gentios da terra, seu primeiro propósito foi de caça e escravização. Mas, dado o déficit demográfico de Portugal naqueles tempos, a política da Coroa foi também a de estimular que esses homens se procriassem o máximo possível, emprenhando quantas mulheres pudessem. Essa prática, exercida inicialmente com as índias, foi posteriormente estendida às escravas negras para cá trazidas da África.
A justiça, sob forma institucional, era desconhecida. Valiam os desígnios dos capitães da terra, que em suas propriedades tinham o poder de vida e de morte sobre quem lá estivesse.
No entanto, esse poder discricionário era exercido num ambiente de certa domesticidade promíscua, onde famílias extensas conviviam com as particularidades dos limites entre Casa Grande e Senzala. Tais limites, mantidos a ferro e fogo à custa de chibatas, colares de ferro, troncos e masmorras, se dissolviam no aconchego de alcovas ou no meio do mato. O entrelaçamento entre a Casa Grande e a Senzala, em alguns casos, assumia mesmo certo grau de afetividade, como no caso da figura da mãe-preta.
Com o ciclo do ouro, a voracidade da Coroa se aguçou. A Inconfidência Mineira 12 foi, antes de tudo, uma revolta contra a cobrança de imposto frente à decretação da derrama. A inventividade mineira criou o chamado pé-de-meia, expressão utilizada para falar da acumulação de poupança que tem origem na prática de uma inventiva forma de sonegação: ao voltar do bateado no garimpo, antes de passar pela cobrança do quinto era recolhido, impregnavam as meias com o pó de ouro, de modo a escamoteá-lo dos agentes do fisco. A truculência impositiva, a sonegação e a demanda por tributação mais justa, são muito antigas entre nós!
A exclusão e a dominação pela negação do acesso à cultura também é algo que vem de longe. Até a chegada ao Brasil, em 1808, de D. João VI, as Cortes Portuguesas não permitiam a impressão de livros em nossas paragens, nem a criação de escolas. Com uma dupla vantagem: é mais fácil dominar as massas se são incultas e ignorantes, de um lado. Mas, de outro, os filhos aqui nascidos de portugueses abastados eram enviados a Coimbra para estudar, o que servia para incluí-los na cultura da metrópole, iniciando-os nos costumes cortesãos, para, ao fim, fazê-los celebrar sua lealdade aos princípios da dominação colonizadora. Este era o ritual de passagem para que um jovem brasileiro fosse incluído na elite dominante: tornar-se doutor, como muito bem nos esclarece Sérgio Buarque de Holanda 13.
A violência do dominador era praticada com sutileza e astúcia. Por experiência própria, sabiam o que era sofrer arbitrariedades e flagelos físicos e conheciam o risco de, a partir deles, gerar revolta. Sabedoria de dominação que, por sinal, as novas elites urbanas industriais vêem perdendo.
Adaptaram com astúcia certo tipo de violência contida e camuflada típica da cultura portuguesa. Como sabem, há diferenças entre a tourada portuguesa e a espanhola. Os espanhóis trazem o touro para a arena, atiçam-no, provocam-no, humilham-no, fazem-no ficar exausto. Ao final, no entanto, praticam um supremo ato de compaixão: matam o touro, e ainda o honram e veneram na qualidade de forte oponente vencido. Já os portugueses também trazem o touro para a arena e praticam em relação a ele as mesmas gentilezas: atiçam, provocam, irritam, humilham e exaurem suas forças. Ao final, no entanto, não o matam: fazem-no retornar pacificamente ao pasto, para que se recorde, pelo resto de sua vida, da humilhação sofrida naquele dia!
A violência praticada pelo colonizador, entre nós, tinha sua justificativa sustentada pela rebeldia e prévia violência do violentado: o culpado sempre é o morto. Por isso, todos nós sabemos: somos um povo pacífico, ordeiro, e nossa história não registra atos de violência... Não foi isso o que nos ensinaram? E nós aprendemos 14.
Os traços de distinção eram sutis: o negro alforriado que mantinha —e até comercializava— escravos, distinguia-se de seus semelhantes de cor menos afortunados pelo uso de sapatos, como nos mostram as magníficas ilustrações de Jean-Baptiste Debret 15. Mas não tinha a mesma ligeireza e despreocupação, muito menos as mesmas oportunidades, quando perambulava entre brancos. Mantinha-se discreto, reservado, quase submisso, já que, como afirma o dito infame, no Brasil não há preconceito racial porque, aqui, o negro conhece o seu lugar.
O maior feito, no entanto, foi o êxito que os portugueses tiveram em manter a unidade e a integridade do território. A administração colonial e, depois, a do império 16, escolhia em cada região seu parceiro. A ele conferia todos os poderes, e o direito de preencher todos os cargos administrativos com pessoas a ele submissas e absolutamente leais. Os opositores, simplesmente, não tinham espaço para existirem. É o antecedente do que, mais tarde, ficou conhecido como lema do antigo PSD 17mineiro: “Aos amigos, tudo. Aos inimigos, a lei.”
Em síntese, a ideologia conservadora de nossas elites tem história longa, com traços do seguinte tipo: o Estado deve ser privadamente apropriado, através de laços de aliança, sendo lícita a obtenção de vantagens por meios diretos ou indiretos pelos apaniguados do poder. É de bom tom não ser muito explícito nesta prática: tratam-se esses assuntos na reserva dos gabinetes. Como diz outro sábio ditado político mineiro: um é pouco, dois é bom, três é comício! Se por acaso, a inconfidência ou a curiosidade alheia trouxerem à luz algo do recatadamente combinado, reagir com horror, escolher rapidamente um culpado para deixá-lo pagar sozinho, no mais estrito ostracismo, a culpa que é de todos. Assassine-se, preferivelmente por suicídio, o incontinente do segredo, calando os demais pelo temor de igual destino. O ônus da violência deve sempre recair sobre quem é, por seu meio, submetido. O povo é desprezível, porque ignorante. Por sua própria culpa, já que na sua maioria foram indolentes na procura dos meios de cultura e de acesso na escala social, apesar da impossibilidade de seu alcance pelo comum dos mortais. Cabe exclusivamente às elites as decisões fundamentais sobre a condução da nação e dos negócios do Estado. Nosso modelo sempre foi o de uns poucos ilustrados e bem-pensantes conduzindo uma imensa massa de detentores de força braçal, ignorantes e totalmente desprovidos de inteligência que, por isso mesmo, devem ser constantemente tutelados. Entre as práticas de barganha de poder essa corrente ideológica, além da troca de favores, dispõe de um sistema de vetos cruzados que, em certas situações, promove o acomodamento das forças conflitantes, mais que, em outras, resulta em impasses políticos que desembocam no apelo às armas. Por isso o Exército Brasileiro foi muitas vezes considerado como o Poder Moderador da República.
Os componentes ideológicos da esquerda brasileira nesta crise
A formação ideológica da esquerda brasileira também tem sua parte na crise. Sua história, desde suas origens, tem muito deste outro traço característico de nossa cultura que é o sincretismo. Porque foram diversas as vertentes de pensamento que desaguaram nesta formação ideológica da esquerda brasileira.
De novo, corro o risco de ser superficial, mas os limites de tempo me obrigam à brevidade ao esboçar os grandes traços necessários à minha argumentação.
No fim do século XIX e início do século XX, aportaram ao Brasil novas levas de imigrantes, muitos deles de origem européia, principalmente portugueses, espanhóis e italianos. Com eles e seus descendentes, rapidamente começou a se formar uma nova classe social, até então desconhecida entre nós, constituída por operários industriais urbanos.
Esses imigrantes tiveram papel importantíssimo na história da esquerda brasileira. Atualizaram nossa realidade política frente à problemática mundial da consolidação do capitalismo industrial, que até então não se fizera presente nos nossos embates. Trouxeram para cá novas atitudes de reivindicação e, principalmente, idéias de contestação às classes dominantes e de confrontação coletiva ao status quo imposto pelas elites.
Eram, predominantemente, anarquistas.
O movimento anarco-sindicalista surgido de inúmeras confrontações nas duas primeiras décadas do século passado 18, vai desaguar na fundação, em 1922, do Partido Comunista Brasileiro (PCB), por iniciativa do gráfico e jornalista Astrojildo Pereira 19.
A agitação desses tempos estava presente também no ambiente do exército, onde surge o movimento tenentista, que será responsável por outros tantos episódios que marcarão a primeira metade do século passado.
Um aspecto importante para se entender o contexto ideológico desta época está na influência da doutrina positivista de Comte no ambiente jurídico, militar e político brasileiro. A figura de Júlio de Castilhos 20, e o surgimento do castilhismo-borgismo no Rio Grande do Sul, não pode ser esquecida. O positivismo trazia em seu bojo uma mística religiosa do conhecimento 21, da ciência e da ordenação da sociedade que resultava numa crença na capacidade de a inteligência interferir na estruturação da vida social para criar as condições necessárias para o desenvolvimento do homem, numa perspectiva verticalista: eram os homens superiores que iriam transformar a realidade.
O movimento tenentista, surgido da agitação presente também no ambiente do exército, sofreu grande influência do positivismo.
O contexto do positivismo gaúcho, por exemplo, de um modo mais ou menos direto, foi muito importante para formação ideológica e política de muitos líderes tenentistas. Muitos deles exerceram papéis significativos na história brasileira do século XX, entre eles Getúlio Vargas 22, Eurico Dutra, Góes Monteiro, Felinto Muller e —porque não?— também Luiz Carlos Prestes. A revolta dos tenentes de 1924, com a Coluna Prestes que a sucedeu, tornará muitos desses homens conhecidos nacionalmente como líderes políticos, marcando o início do processo político, econômico e social que foi o cenário histórico no qual a formação ideológica da esquerda brasileira se desenvolveu.
Dois desdobramentos importantes resultarão desse movimento dos tenentes.
De um lado, Luiz Carlos Prestes, exilado na Bolívia e depois na Argentina, será contatado por Astrojildo Pereira e atraído para o PCB, vindo a se tornar seu líder histórico.
De outro, desemboca na Revolução de 30, a partir da qual Getúlio Vargas assume o papel de líder do trabalhismo populista que dominará toda a cena política até o início da segunda metade do século.
Um efeito paralelo resultante dos desdobramentos do positivismo foi o Movimento Integralista, que também teve seu papel no caldo de cultura da formação ideológica da esquerda brasileira, seja por oposição, seja pelo realce que deu à questão do nacionalismo.
O movimento comunista, entre nós, apesar de sua solidez teórico-ideológica, teve uma condução rígida, marcada pelo alinhamento férreo ao stalinismo, que impediu qualquer prática interna verdadeiramente democrática. Por isso, apesar de seu marcante ativismo, terminou sendo, de fato, minoritário e circunscrito a um pequeno número de homens, que —façamos justiça— eram de peso, na sua maioria intelectuais, artistas, jornalistas, professores, profissionais liberais e operários. Foi por isso que, apesar de poucos, influenciaram tanto.
No afã de sobreviver à dura perseguição que lhe moveu Getúlio, e de sobrepujar o ufanismo nacionalista, de um lado brandido pelos integralistas e, de outro, magnificamente manipulado pelo populismo varguista, o PCB envergonhou-se do apoio internacional que recebia da Internacional Socialista e do Partido Comunista da União Soviética, Por isso adotou uma linha nacionalista, cometendo o que, a meu ver, foi um dos seus mais graves erros históricos: o abandono de um discurso francamente internacionalista. 23 
Para isso também contribuiu, e em muito, o fracasso da insurreição político-militar por ele promovida em novembro de 1935 e que veio a ser conhecida como a Intentona Comunista, movimento desastrado que tinha por objetivo derrubar Getúlio Vargas e instalar um governo socialista no Brasil. Esse movimento denunciava a herança golpista do tenentismo, já que não contava com qualquer base de apoio popular, para não se falar da hoje inacreditável ausência de planejamento militar e de avaliação realista do quadro político da época por parte de seus organizadores, Luiz Carlos Prestes à frente.
Já o trabalhismo de Getúlio Vargas, com sua marca populista, alcançou maior repercussão. Deu surgimento a dois dos três principais partidos políticos da era do pós-guerra, o PTB 24 e o PSD 25 ; o outro era a UDN 26. Foi fundamental para a criação da estrutura sindical que se tornou palco para uma significativa presença das diferentes correntes de esquerda que iam, progressivamente, se articulando.
Outro fato importante para a formação da ideologia da esquerda brasileira foi a criação, em 1934, da Universidade de São Paulo. Júlio de Mesquita Filho, então diretor do jornal O Estado de S. Paulo, foi seu maior incentivador. Além de congregar outras unidades já existentes, foi criada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras com o objetivo de integrar o conhecimento literário, humanístico e científico da nova universidade. Foram trazidos diversos professores estrangeiros para colaborar nesta tarefa, especialmente da França, Itália e Alemanha. Mais tarde, esta faculdade se subdividiu em unidades autônomas.
A universidade, com sua dinâmica particular, deu relevância à opinião acadêmica, a um certo tom de discurso e a um formalismo de debate que será muito utilizado na legitimação de idéias e de propostas políticas. Deu forma concreta, fez aparecer, diria que quase criou entre nós, pela primeira vez, uma nova categoria de atores políticos: os intelectuais que, segundo as circunstâncias, se colocavam como aliados ou opositores dos líderes da política, da economia e da gestão do Estado, para legitimá-los ou denunciá-los.
Outra vertente da maior importância na formação da ideologia da esquerda brasileira, que, inclusive, tem sua presença representada nesta mesa nas origens da formação intelectual tanto de Roberto Romano quanto minha, foi a Igreja Católica.
A partir de 1930 começa a aportar ao Brasil o movimento da Ação Católica, que irá influenciar um grande número de jovens da classe média urbana brasileira. Sua atividade se tornou mais intensa e com maior repercussão no final da década de 1950 e início da de 1960. De forte influência francesa, trouxe para o cenário do debate e da formação intelectual as idéias de pensadores católicos renovadores, vistos como os enfants terribles da catolicidade européia: Jacques Maritain e sua mulher, Raissa, Emanuel Mounier, Pe. Joseph Lebret, Charles Péguy e outros, e, mais tarde, o bem mais sofisticado Teillard de Chardin, o jesuíta cujo pensamento foi posto sob censura pelo Vaticano.
Foi na onda progressista deste movimento que um grande número de nós começou a tomar contato com as correntes mais expressivas e avançadas do pensamento da época: o existencialismo sartreano e o próprio marxismo. Como dizia Betinho: “Eu não li primeiro Marx, li sobre Marx através de um jesuíta.” 27 O primeiro texto marxista que muitos de nós lemos foi “Princípios fundamentais de filosofia” de Georges Politzer 28.
O movimento da Ação Católica se estruturou por categorias profissionais, subdividindo-se na JOC, JEC, JUC e JIC 29, organizando-se de forma autônoma no plano nacional, bem antes da criação, em 1952, da CNBB 30. Tinha por método de militância o lema: Ver-Julgar-Agir. Como decorrência de seu crescimento e da ressonância social de seus militantes, iniciou-se uma confrontação entre movimento leigo e hierarquia católica que terá desdobramentos importantes, anos mais tarde. 31
Esta confrontação, já na passagem dos anos de 1950 para os de 1960, vai dar origem à criação da AP (Ação Popular) 32, cujo manifesto, rascunhado por Herbert José de Sousa, o Betinho e pelo padre Henrique de Souza Vaz, S. J. 33, representa o passo de ruptura com a hierarquia católica e a adoção de uma postura revolucionária.
Padre Vaz, um dos intelectuais mais brilhantes que conheci em minha vida, do qual fui aluno nos idos de 1965-66 na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais, dizia-nos candidamente em sala de aula: Se a Igreja foi capaz de cristianizar o maior filósofo pagão da antiguidade que foi Aristóteles, porque não será capaz de cristianizar o maior filósofo pagão da atualidade que é Marx?
Nesta mesma época, outras lideranças católicas mais moderadas, como Alceu Amoroso Lima (o Tristão de Athaíde) e Franco Montoro, exerciam sua presença política através do PDC (Partido Democrata Cristão), fundado em 1945 por Cesarino Júnior.
Paralelamente, a partir do final da década de 30, estruturou-se nacionalmente o movimento estudantil, tanto no estamento secundarista quanto no universitário: foi a época da criação das chamadas uniões estudantis municipais, estaduais e nacionais, a mais importante das quais foi a UNE — União Nacional dos Estudantes (fundada em 1937).
Foi no período pós-Vargas e pré-golpe de 64 que houve uma grande confrontação, e por aí, também, intensa influência mútua, dessas diferentes correntes ideológicas que vinham tomando corpo entre nós. Os espaços privilegiados para este intenso movimento de oposições e alianças eram o movimento sindical, as lutas estudantis e a imprensa. Eram freqüentes as reuniões, assembléias e congressos, durante os quais as diversas correntes ideológicas se digladiavam, valendo-se de inúmeros recursos de manobra e, principalmente, dos famosos conchavos. Este foi o ambiente de militância e de formação inicial de grande parte dos líderes de maior influência no quadro político brasileiro atual.
O golpe de 64, organizado pelo então chamado Grupo da Sorbonne formado por militares que haviam estudado na França e que se agrupavam na Escola Superior de Guerra representou, de certo modo, o ressurgimento das influências positivistas no ambiente político, já que o positivismo sempre permaneceu como traço de fundo na formação dos militares brasileiros.
Do ponto de vista da formação da ideologia de esquerda no Brasil, o principal papel do golpe militar de 1964 foi o de ter lançado toda a esquerda, da noite para o dia, na clandestinidade, à qual, diga-se de passagem, os comunistas já se haviam habituado de longa data.
O período da ditadura militar representou a etapa fundamental da formação da ideologia da esquerda brasileira. Período de extrema perseguição e de ansiosa experimentação, em que a necessidade de combater o regime ao mesmo tempo unia e desunia as forças progressistas. Um dos primeiros pomos de discórdia foi o da opção entre luta armada ou combate ideológico pela restauração democrática. A corrente vitoriosa terminou sendo a segunda, até porque a primeira foi quase que completamente dizimada.
As armas mais eficazes, ao meu ver, que aprendemos a manejar neste período, foram: a resistência cultural e as atitudes corporativistas. Através da resistência cultural ridicularizávamos e estigmatizávamos as idéias de direita. Com a adoção de atitudes corporativistas, principalmente entre os funcionários do aparelho do estado,  conseguíamos bloquear a ação dos governantes militares aumentando a resistência na colocação em prática das medidas decididas pelos detentores do poder.
Por isso, um dos campos importantes desta luta foi o movimento sindical como um todo, que se constituiu numa espécie de poder paralelo, com canais próprios de informação e novos métodos muito criativos de luta política.
Foi neste contexto que ocorreu a derrocada do regime militar e instauração do processo de redemocratização, com a criação de dois novos partidos resultantes desta formação ideológica da esquerda brasileira, o PT 34 e o PSDB 35.
Em resumo: a formação ideológica da esquerda brasileira comporta uma autêntica preocupação com a modernização do país, a justiça econômica e a disseminação da cultura na luta pela emancipação de nosso povo. No entanto, em sua grande maioria, é marcada por uma xenofobia nacionalista vesga que a impede de olhar o mundo de forma mais ampla. Sustenta-se em práticas corporativistas marcadas por conchavos oportunistas em função da luta pelo poder. Valoriza muito pouco o contraditório e a prática da interpelação criativa. Tem forte traço moralista, disfarçado em discurso ético, que não dispensa, no entanto, certo grau de hipocrisia para efeito de consumo público. Facilmente, também, resvala para a consideração do povo como mero agente auxiliar de luta —porque é paternalista e redencionista de um povo definido como submisso e ignorante— e adota freqüentemente o conchavo como instrumento de articulação política. Oscila entre posturas democráticas e golpistas e, principalmente, tem entre seus pressupostos fundamentais a apropriação do aparelho do Estado para poder realizar seus propósitos de transformação econômica, social, cultural e política.
O alcance mais amplo da crise
Para além das escaramuças e das denúncias diárias dos escândalos que a crise atual comporta, seu alcance mais amplo é o da denúncia da insuficiência dos modelos teóricos que são utilizados pela esquerda brasileira atual.
De um lado, é muito bom que as mazelas venham a público, já que dessantificam e dessacralizam, de uma vez por todas, tanto as pessoas dos líderes como a fragilidade de suas idéias no diagnóstico de nossa realidade e na proposição de novos cursos políticos.
Diria até que este processo precisa ser ainda mais aprofundado: porque um dos maus resultados desta crise seria a de só dessacralizar o PT e seus líderes, quando, na verdade, também os líderes do outro partido surgido dessa formação ideológica, o PSDB, padecem de mazelas equivalentes, assim como outras lideranças originárias das hostes da esquerda que se refugiam em outras legendas.
É essencial também que essas denúncias descerrem o manto que encobre as práticas políticas dos representantes da formação ideológica conservadora que, no contexto atual, permanecem quase que intocados, marotamente cuidando de colocar suas barbas de molho, preparando-se para uma revanche eleitoral demagógica e populista.
Na verdade, como vimos, tanto a formação ideológica conservadora quanto a das esquerdas brasileiras convergem, paradoxalmente, para uma particular forma de apropriação do Estado e das riquezas da nação. Ambas utilizam-se de justificativas encobertas pelo constante apelo demagógico à vazia pretensão do exercício do governo do povo, pelo povo e para o povo.
No entanto, é fundamental também que preservemos as inquestionáveis conquistas resultantes de toda a luta político-ideológica travada nas últimas décadas.
É motivo de orgulho, para todos nós, que um operário possa ter chegado, pelo voto livre, à Presidência da República. Merece loas e júbilos o fato de termos conseguido um contexto político-institucional que permite que uma crise tão grave ecloda sem que haja risco aparente de desestabilização democrática ou de surgimento de novas aventuras golpistas. É sensacional o fato de que as informações decorrentes de toda essa confrontação política estejam sendo veiculadas através dos meios de comunicação, até com transmissão ao vivo pela TV dos debates no congresso. Apesar de tudo, há certa adequação informativa da parte da mídia e, até, se compararmos com outros momentos críticos dos últimos cinqüenta anos de nossa história, com pouca defor mação manipulativa. Estamos nos acostumando a privilegiar os fatos em detrimento das versões.
É importante, também, que algumas conclusões fundamentais possam ser tiradas de todo esse processo.
A primeira delas é a de que, na luta pela emancipação de nosso povo e na construção de uma sociedade democrática que mereça este nome, toda concessão ao caldo fisiológico de nossas práticas políticas tem enormes conseqüências. Fala-se pouco do erro fatal que cometemos ao aceitarmos uma assembléia constituinte congressual, que nos legou uma constituição ambígua: ao mesmo tempo em que acena para a concessão de direitos mais amplos de cidadania, preserva privilégios; nos prometia parlamentarismo mas resultou num presidencialismo dos mais férreos e centralizadores.
Há, entre nós, um corporativismo dos políticos, que se expressa de forma despudorada nas câmaras legislativas —a partir do Senado da República e da Câmara dos Deputados— e que precisa ser, urgentemente, questionado e dissolvido. No fisiologismo que o sustenta, expresso na prática de que “é dando que se recebe”, conchavos e vetos cruzados se entrelaçam numa harmonia espantosa, resultando facilmente em crises artificiais que nada têm a ver, realmente, com os interesses maiores da nação. Ele transforma facilmente os representantes do povo em representantes de seus próprios interesses: não se pode entregar às raposas a guarda das galinhas!
Não nos isentemos de nossa própria responsabilidade na construção deste quadro histórico atual. De um modo ou de outro, também participamos desse inconseqüente jogo de “me engana que eu gosto”. Não é a defesa de interesses menores, de vantagens pequenas, de privilégios enganosos que deve orientar nossa relação no espaço público: da fila do ônibus à reivindicação de aposentadoria. Muito menos ainda quando o que está em questão é a escolha de um caminho a ser trilhado por uma nação.
Outra conclusão fundamental é a de que a luta pela emancipação pressupõe paciência, perseverança, muita discussão e decisões pausadas. Não é no calor da agitação de massas, das palavras de ordem gritadas ensurdecedoramente em nossos ouvidos, que as boas decisões, os bons caminhos, poderão ser encontrados. É urgentemente necessário criar espaços de debate, como este aqui, do Mutirão Cultural, por todos os lados, em toda a sociedade. Não é excepcional que, numa manhã de domingo, num parque público encravado na trama urbana desta cidade, quarenta pessoas se disponham a levantar cedo para vir aqui assistir a este debate? Só assim aprenderemos a considerar mais a realidade e acreditar menos em ficções demagógicas.
A formação das idéias e a formulação de soluções pressupõem um tempo, um ritmo, um processo elaborativo. A ampliação de horizontes de consciência, a inclusão de novos elementos no espaço da reflexão, a quebra de estereótipos, a dissolução de resistências, não se dá em um átimo, não se resolve com repentes.
Vocês me perguntarão: e, enquanto isso, o país pára? Não, o país não pára, como o país não está parado, desde que não paremos nós. É importante entender que o produto de toda essa crise é um processo; processo que, no contexto deste país e do mundo globalizado em que estamos vivendo, com tantos paradoxos e desafios, é um processo civilizatório.
Não esperemos. Façamos acontecer os espaços de debate, de reflexão, de interpelação, de ampliação de nossa cidadania. “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”, já nos recomendava Vandré 36.
Enfim, o grande resultado desta crise deve ser o do fortalecimento da cidadania, o da generalização da convicção de que cidadania não se delega, nem pode ser tutelada por quem quer que seja. Somos responsáveis pelo nosso destino. Por isso mesmo, somos responsáveis pelo sistema político que temos, pelo sistema de representação política que existe em nossa sociedade, pela forma como os impostos são calculados e cobrados, pelo sistema de saúde de que dispomos, pela forma de exercício do poder de polícia e pela segurança que inexiste em nossa sociedade, e assim por diante. A culpa não é “deles”, esses genéricos outros sem cara nem identidade. A culpa é toda nossa, porque somos os cidadãos deste país.
A dimensão estratégico-institucional da crise
A solução passa, portanto, pela multiplicação do debate, pela sua permeação por todos os espaços disponíveis na sociedade: essa é a única porta de saída —transitória— dessa crise.
É necessário criar o que denomino de democracia interpelativa, na qual o cidadão tem acesso, de fato, à informação e ao debate público, onde as opções políticas surgem do intenso intercâmbio de idéias e do debate franco e transparente.
Precisamos criar condições para que mais informações circulem, para que nos inteiremos melhor da realidade não só de nosso país, mas também do mundo em que vivemos, dimensionando melhor seus desafios monumentais.
Evitemos chavões, respostas fáceis, discussões incompetentes. Estou cansado de ouvir refrões do tipo criar empregos, baixar juros, isentar de impostos, preservar direitos, revogar a política neoliberal, e tantos outros que mais parecem cantos de sereia porque, falados assim, não dizem nada. São acenos demagógicos que não passam pelo fornecimento de informações factuais e alternativas viáveis para que possamos discutir seu conteúdo, avaliar suas conseqüências e tirar conclusões que orientem nossa posição de cidadãos que podem falar, influenciar e, sobretudo, votar.
Será ótimo se toda essa crise resultar em muitas cassações e numa sucessão de impedimentos: do Presidente da Câmara, do Presidente da República, de seu Vice-Presidente e de quantos outros mais for preciso. Que resulte em prisões: de políticos, empresários, presidentes de Bancos, de estatais, de multinacionais. Não há risco institucional nenhum, nisso. Pelo contrário: o grande risco institucional estará em se isso não acontecer, porque as forças interessadas no abafamento dessas denúncias, capitaneadas por um “acordão” PSDB-PMDB-PFL, utilizarão a decomposição progressiva do governo Lula para aplicar-nos mais um golpe demagógico eleitoral da estatura de um ladrão de chinelas.
Essa crise é só uma porta de entrada, mas com inúmeras dobradiças.
Porta de entrada, em primeiro lugar, para que a esquerda brasileira, enfim, ingresse no século XXI. Fazendo o luto que ainda não fez, e que a esquerda no resto do mundo já está fazendo há vinte anos: dos erros estratégicos cometidos, das insuficiências encontradas na interpretação da História e do processo de progressão civilizatória da humanidade, e dos modelos equivocados da luta política e ideológica que desenvolveu e das soluções econômicas que tentou implementar.
Gorbatchev, na década de 1980, já dizia que se a sociedade socialista não fosse capaz de oferecer condições de vida melhores do que as oferecidas pela sociedade capitalista, não teria qualquer condição de convencer as massas proletárias para lutar pelo seu advento. Querem afirmação mais dura do que essa, proferida pelo principal líder soviético da época?
A esquerda brasileira está incrivelmente atrasada na consideração do desafio que a sociedade globalizada da informação e do conhecimento está apresentando para nós, nesse momento. Porque, na verdade, nossos esquemas de referência teórica nos permitem ver mais claro o que vai acontecer daqui a duzentos ou trezentos anos, após os estertores do capitalismo tardio, do que nos aconselham sobre o que fazer nos próximos dez ou cinqüenta anos. Como enfrentar a Civilização da Anomia, nesta transição? Como equacionar a passagem para uma Civilização do Não-Trabalho, sem deixar que o propósito genocida de dois terços da população da terra seja concretizado pelo poder imperial do mundo contemporâneo? Esta era a pergunta que agitava a todo tempo o pensamento de Antonio Rezk.
Um dos graves defeitos da cultura brasileira é a de nos considerarmos sempre os melhores, os mais inteligentes e espertos, capazes de nos apropriarmos das idéias dos outros para, rapidamente, armarmos grandes e infalíveis soluções. Foi assim, por exemplo, com o único tiro de Collor de Mello, com suas trágicas conseqüências.
É necessário que tenhamos, como país, mais humildade na consideração dos paradoxos dos tempos atuais. Os problemas que nos afligem não têm, ainda, uma solução definitiva. Será necessário avançar em lentos e dolorosos passos, fazendo, a cada momento, as indispensáveis opções entre barbárie e civilização. Ainda que isso resulte, aparentemente, em soluções instáveis ou em menor ganho relativo a curto prazo.
Nós, esquerda brasileira, não estamos adiante da esquerda internacional: estamos tão frágeis quanto ela, precisamos desesperadamente, tanto quanto ela, de começar de novo, necessitamos de melhor fundamentação teórica e de mais paciência no trabalho político de articulação da luta ideológica e do comprometimento de nossa sociedade com a formulação de uma proposta civilizatória viável para a superação do capitalismo.
Essa crise é vital para a esquerda brasileira.
É vital, também, para a sociedade brasileira, porta de entrada para nosso enfrentamento das questões fundamentais do mundo globalizado contemporâneo.
É necessário que, em todos os espaços sociais possíveis, abram-se oportunidades para a discussão a respeito da sociedade que temos e do país que queremos.
Há questões fundamentais que têm que ser remetidas ao debate público. Como gerar oportunidades de atividade econômica, já que o desemprego estrutural tende a se agravar nos próximos anos? Como combater a violência, administrar a justiça, educar melhor os nossos jovens, criar mais solidariedade social, oferecer melhor assistência de saúde? O voto deve ser obrigatório? Qual o melhor sistema eleitoral: proporcional, distrital, misto? Devemos adotar um sistema presidencialista ou parlamentarista? Como tornar os impostos mais transparentes, fazer o cidadão participar mais diretamente das decisões sobre a aplicação dos recursos orçamentários? Como permitir que os cidadãos fiscalizem mais efetivamente os atos dos legisladores, dos ocupantes das funções executivas, dos juizes? Que lugar o Brasil deve ocupar no mundo contemporâneo? Como nos favorecermos de nossa diversidade cultural para nos situarmos melhor no contexto internacional? Devemos dominar o ciclo da energia atômica? Como proteger a Amazônia e nossos recursos naturais? E muitas perguntas mais...
Creio que é necessário um esforço todo especial para a criação do que denomino de espaços interpelativos, capilarmente distribuídos por toda a parte, para que a prática do debate se torne integrante de nosso convívio social. Para que todo brasileiro saiba que pode —e deve— ter opinião, que tem meios de se informar, que dispõe de recursos para confrontar idéias e optar por soluções.
Se isso for possível, espero que possamos desembocar, daqui a pouco, em uma Assembléia Constituinte Não-Congressual, eleita a partir de uma proximidade maior entre eleitores e eleitos. Uma constituinte devidamente equipada com recursos de assessoramento técnico e consulta popular para que possamos definir o que, fundamentalmente, nos falta agora: um projeto de país com o qual, no essencial, estejamos todos de acordo e pelo qual possamos juntar nossas forças para construir o futuro.
Enquanto isso, tenham a certeza: o país vai continuar funcionando, o mundo vai continuar girando, a humanidade vai continuar caminhando, a História vai continuar sendo escrita, e por todos nós.

  1 - voltar Este artigo é uma revisão ampliada de minha participação no debate com o prof. Roberto Romano, sob o mesmo título, promovido pelo Curso de Introdução à Oratória e Integração Social do Mutirão Cultural da UBE — União Brasileira de Escritores no dia 18/09/2005, no Parque da Água Branca, em São Paulo. Nas notas de pé-de-página, foram acrescentados links para facilitar a pesquisa das referências históricas citadas.
Como bibliografia básica sobre nossa história, remeto ao excelente livro de Boris Fausto, História do Brasil, EDUSP – Editora da Universidade de São Paulo. São Paulo. 1994
  2 - voltar Filósofo e psicanalista, é diretor do InterPsic S. C. Ltda. http://www.interpsic.com.br/perfil/direcao.html.
  3 - voltar Camus, Albert. A peste, Editora Record, Rio de Janeiro. 1977.
  4 - voltar Texto dos agradecimentos iniciais proferidos na ocasião do debate:
Agradeço à UBE e ao Mutirão Cultural, especialmente na pessoa desta figura tão especial e rica de predicados que, a cada dia, se torna mais meu amigo, que é Carlos Gadala Frydman, pela honraria de me convidarem para participar deste debate, particularmente por ter como companheiro nesta tarefa o prof. Roberto Romano, cujas qualidades intelectuais são sobejamente conhecidas. E espero não decepcionar a João Meireles Câmara, que, com tanto denodo, se dedica a ministrar e coordenar este Curso de Introdução à Oratória e Integração Social.
Espero que possamos, uns com os outros, no decorrer deste debate, trocar idéias e aprender um pouco mais, principalmente porque também teremos a participação deste público que, pelo que já conheço de outras oportunidades, será ativo, trazendo sua inestimável contribuição para o tema desta manhã.
Não posso deixar de registrar uma homenagem especial a um nosso grande amigo que nos deixou há pouco mais de um mês: Antonio Rezk, que deveria estar aqui, sentado neste meu lugar, esgrimindo idéias com Roberto Romano. Esta foi a idéia originalmente tramada por Frydman e que nenhum de nós aceitaria perder.
Rezk, nesses últimos tempos, estava fervilhando de novas idéias, e teria certamente encontrado em Roberto Romano um companheiro e tanto para encher esta sala de vibrantes propostas. O destino traiu Frydman e, com isso, perdemos todos nós.
O sentimento da falta de Rezk, portanto, não estará ausente neste momento, dada sua personalidade excepcional, modelo de homem público e de intelectual que, com todo mérito, pelo carinho de sua amizade e dignidade, se impôs a todos nós como referência a ser preservada e seguida. A D. Elza Rezk e seus filhos, aqui presentes, quero manifestar, neste momento, minha homenagem a este querido amigo, lamentando mais uma vez sua falta, já que sei, por antemão, que não poderei suprir, nem mesmo em parte, o brilhantismo com que ele, seguramente, se apresentaria, se ainda estivesse entre nós.
  5 - voltar Rosa, João Guimarães. Grande Sertão Veredas, José Olympio Editora, Rio de Janeiro. 9ª Edição. 1974.
  6 - voltar Ávila, Affonso. Discurso da difamação do poeta: antologia. Summus. São Paulo. 1978
  7 - voltar Sobre a biografia de Pero Vaz de Caminha e o texto de sua carta ao Rei D. Manoel.
Fontes: http://www.mundocultural.com.br/literatura1/informativa/caminha.htm e http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/carta.html.
Acesso em 15/09/2005.
  8 - voltar Bandeira, Manuel — Bandeira a Vida Inteira. Editora Alumbramento. Rio de Janeiro. 1986
  9 - voltar Algumas informações adicionais sobre Fernando de Noronha, ou Fernão de Noronha podem ser obtidas nos links abaixo:
Fontes: http://www.historiadobrasil.com.br/viagem/bios01.htm#bfn e http://www.metaphoras.com.br/ed8/provocacoes/.
Acesso em 15/09/2005.
  10 - voltar Uma breve e interessante história sobre a origem das Capitanias Hereditárias pode ser encontrada nos links abaixo.
Fonte: http://www.geocities.com/capitanias/principal.htm e http://geocities.yahoo.com.br/vinicrashbr/historia/brasil/capitaniashereditarias.htm.
Acesso em 15/09/2005.
  11 - voltar Sobre Mem de Sá, consultar os links:
Fonte: http://www.arqnet.pt/dicionario/samem.html e http://www.novomilenio.inf.br/festas/anchie06.htm, do qual constam os versos de José de Anchieta sobre as lutas por ele travadas.
Acesso em 15/09/2005.
  13 - voltar Holanda, Sérgio Buarque de — Raízes do Brasil. 26ª edição. Companhia das Letras. São Paulo. 2005.
  14 - voltar  Uma pequena descrição de atrocidades praticadas durante a colonização pode ser encontrada no link:
Fonte:
http://www.ipahb.com.br/minogen.php.
Acesso em 15/09/2005.
  15 - voltar Jean-Baptiste Debret (1768-1848), pintor francês, integrou a Missão Francesa chefiada por Lebreton na corte de D. João VI, permanecendo no Brasil entre 1816 e 1831 e dedicando-se à pintura e ao ensino da arte.
Fonte: http://www.arqnet.pt/portal/biografias/debret.html.
Acesso em 15/09/2005.
  16 - voltar O coronelismo foi, seguramente, a forma mais acabada deste método de administração pública.
Fonte: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/500br/coronelismo.htm.
Acesso em 15/09/2005.
  17 - voltar PSD — Partido Social Democrático, fundado em 17 de julho de 1945. pelos interventores nomeados por Getúlio Vargas durante o Estado Novo. Participou da maioria das eleições (proporcionais e majoritárias) realizadas no Brasil entre 1945 e 1965 e extinto pelo Regime Militar, por intermédio do Ato Institucional Número Dois - o AI-2, em 27 de outubro de 1965 Seu líder mais destacado foi Juscelino Kubitschek de Oliveira.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Social_Democrático.
Acesso em 15/09/2005.
  18 - voltar Uma breve relação, em ordem cronológica, de eventos ocorridos no início do século XX no Brasil, relacionados ao surgimento do movimento operário:
— Em 1904, estourou no Rio de Janeiro a “Revolta da Vacina”. Foi a reação da população carioca à política de modernização urbana da cidade promovida pelo presidente Rodrigues Alves. Os aluguéis encareceram, afastou a população mais pobre para longe de seus locais de trabalho. As equipes responsáveis pela vacinação e saneamento da cidade estavam autorizadas a entrar nas moradias e destruir ou apreender tudo o que considerassem prejudicial. Houve protestos nas ruas, reprimidos severamente, com prisões e mortes.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2002/eleicoes/historia-1902.shtml.
Acesso em 15/09/2005.
— Em 1906 foi realizado o Primeiro Congresso Operário Brasileiro, no qual foi aprovada uma linha de atuação anarco-sindicalista e criada a Confederação Operária Brasileira (COB).
Fonte: http://www.agrorede.org.br/ceca/edgar/cronA.html.
Acesso em 15/09/2005.
— Também em 1906 eclode a primeira greve de ferroviários na Cia. Paulista. Os grevistas utilizaram o serviço de telégrafo da empresa para se mobilizarem, enviando uma mensagem cifrada com o texto “Hoje há Ensaio”.
Fonte: http://raforum.apinc.org/article.php3?id_article=181.
Acesso em 15/09/2005.
— Em 1910, sob a liderança do marinheiro João Cândido, estourou a Revolta da Chibata. A chibata era feita com uma corda de linho molhada, atravessada por agulhas de aço. A revolta foi realizada por marinheiros que reivindicavam a extinção desse castigo físico, herança do período monárquico e de um código elaborado no século 18. Queriam ser tratados como cidadãos republicanos, com dignidade. Apesar da repressão da revolta pelo governo federal, as chibatas foram abolidas.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2002/eleicoes/historia-1910.shtml.
Acesso em 15/09/2005.
— Em 1917 ocorre a primeira greve geral operária no país (a Grande Greve de 17). Foi motivada pelos baixos salários, deteriorados pela inflação resultante das conseqüências econômicas da  Primeira Guerra Mundial. Entre 1914 e 1922 a inflação nos itens básicos foi de 189%. Ela se estendeu por diversas unidades da federação. O governo havia ordenado que se atirasse em quem permanecesse parado nas ruas. Em 11 de julho, foi morto em São Paulo o sapateiro Antônio Martinez. São Paulo parou, houve barricadas em diversos bairros e repressão violenta. A greve terminou com um acordo de 20% de aumento nos salários, libertação dos grevistas presos e suspensão de demissões.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2002/eleicoes/historia-1914.shtml.
Acesso em 15/09/2005.
— Em 1918 a gripe espanhola se alastrou em São Paulo. Não distinguia classes sociais, mas atingiu, evidentemente, com muito mais virulência, a população mais pobre. Rodrigues Alves, paulista, eleito pela segunda vez Presidente da República, e com 70 anos, não pôde tomar posse em razão dessa doença. Assumiu seu vice, Delfim Moreira, mineiro. Governou por um período muito curto, procurando apaziguar a oligarquia paulista em relação às manifestações e ao crescimento do movimento operário. Dissolveu a União Geral dos Trabalhadores. A política de repressão às greves operárias nessa época comportou muita violência: 50 fechamentos de organizações operárias, 14 enforcamentos e mortes de trabalhadores, 657 prisões, 31 deportações e 128 expulsões do território nacional.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2002/eleicoes/historia-1918.shtml.
Acesso em 15/09/2005.
  19 - voltar O PCB foi fundado pelo gráfico e jornalista Astrojildo Pereira Duarte Silva (1890-1965), após um longo percurso iniciado com a militância anarquista, em 1906, à época das greves operárias. Astrojildo foi muito impactado pela revolta dos marinheiros no Rio de Janeiro (a revolta da Chibata, já referida anteriormente) e pela Semana Trágica de Barcelona, Espanha, quando eclodiu uma greve revolucionária, provocando uma feroz repressão. O episódio culminou com o fuzilamento do pedagogo anarquista Francisco Ferrer, acusado como responsável pela agitação revolucionária, embora, na época dos acontecimentos estivesse em Londres. Em todo o mundo surgiram manifestações de indignação contra o governo espanhol. Foi assim que Astrojildo, depois de uma viagem à Europa, dedicou-se à organização do movimento operário, inicialmente numa linha anarco-sindicalista. Após o III Congresso Operário do Brasil, em abril de 1920, e das divergências dali resultantes que levariam à cisão da COB — Confederação Operária Brasileira, deu maior impulso ao esforço iniciado em 1919 para a fundação de um Partido Comunista Brasileiro. Em 7 de novembro de 1921 fundou o Grupo Comunista do Rio de Janeiro, procurando ao mesmo tempo articular outros grupos semelhantes que estavam se estruturando em todo o país. Por fim, em 25 de março de 1922, conseguiu fundar oficialmente o PCB — Partido Comunista Brasileiro, que só em 1924 recebeu reconhecimento oficial da Internacional Comunista.
Fonte: http://www.institutoastrojildopereira.org.br/.
Acesso em 15/09/2005.
  20 - voltar Júlio Prates de Castilhos (1860-1903) nasceu no município de Vila Rica (RS) que, a partir de 1905, tomou seu nome: Júlio de Castilhos. A cidade tem origem em uma das primeiras reduções jesuíticas do Rio Grande do Sul, criada em 1633, denominada de Natividade de Nossa Senhora. Insere no contexto geográfico que serviu de pano de fundo para as lutas dos republicanos contra a monarquia e a Igreja. Diplomou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, onde tomou contato com as idéias positivistas do filósofo francês Augusto Comte. Em 1893, na revolução federalista, derrotou os "maragatos" (federalistas e monarquistas, liderados por Gaspar Silveira Martins, que usavam lenços vermelhos) como líder dos "pica-paus republicanos" (adeptos do Estado local, forte e autônomo, que usavam lenços brancos). Foi governador da Província do Rio Grande do Sul no final do século XIX (1893 a 1899). e líder do positivismo no Rio Grande do Sul. Suas idéias, depois, tiveram muita influência no resto do Brasil, durante o período do presidente Getúlio Vargas, na década de 1930. Uma particularidade: era muito gago, tendo extrema dificuldade de comunicação oral, o que o tornou arredio. Na opinião de alguns de seus contemporâneos, este traço era o responsável pelo desenvolvimento de sua personalidade autoritária e vingativa na vida adulta. O monumento central em bronze da Praça da Matriz de Porto Alegre (Praça Marechal Deodoro) em homenagem a Júlio de Castilhos (construído em 1913, na gestão do governador Carlos Barbosa) é considerado uma das maiores expressões artísticas do positivismo entre nós. Foi executado em Paris pelo escultor Décio Villares, que também fez o desenho da atual bandeira do Brasil, contendo a inscrição positivista "Ordem e Progresso".
Fontes: http://www.jbcultura.com.br/jc/jc1.htm, http://pt.wikipedia.org/wiki/Bandeira_do_Brasil, http://www.terragaucha.com.br/julio_de_castilhos.htm e http://www.inf.ufrgs.br/turismo/poa/mon_julio.html.
Acesso em 15/09/2005.
  21 - voltar O culto positivista é ainda hoje praticado no Brasil. Vale a pena conferir o site do Centro Positivista do Paraná.
Fonte: http://www.palm.com.br/cpp/.
Acesso em 15/09/2005.
  22 - voltar A influência positivista na formação intelectual de Getúlio Vargas merece ser ressaltada. Filho de militar, inicia seus estudos em São Borja e, em 1894 vai estudar na Escola de Minas de Ouro Preto (MG). Manuel Vargas, seu pai, foi figura importante naqueles tempos.  dos primeiros a se juntar às teses de Júlio de Castilhos. Tornou-se chefe do Partido Republicano no município de São Borja. É bom ter em mente que foi nesta cidade que se iniciou a campanha contra a monarquia, no início de 1889. Manuel Vargas participou da revolução federalista em 1893, tendo recebido a patente de general do então presidente da república Floriano Peixoto, Foi também prefeito de São Borja de 1907 a 1911. Getúlio iniciou a prestação do serviço militar em 1898, no 6º Batalhão de Infantaria ainda em São Borja. Em 1900 matricula-se como cadete na Escola Preparatória e Tática de Rio Pardo (RS), de onde foi expulso por ter participado de um motim, sendo transferido para Porto Alegre (RS) onde terminou seu serviço militar. Matriculou-se, em 1904, na Faculdade de Direito de Porto Alegre, formando-se em 1907. Nesta época, dedica-se ao estudo das obras de Júlio Prates de Castilhos  seguindo as idéias que lhe haviam sido transmitidas por seu pai. Com os amigos João Neves da Fontoura, Firmino Paim Filho, Maurício Cardoso e dois cadetes da Escola Militar que também se tornaram famosos, Pedro Aurélio Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra , fundou o Bloco Acadêmico dos Castilhistas. Era uma organização de estudantes (civis e militares) que tinha por objetivo a defesa e a propagação do pensamento e da obra de Júlio de Castilhos.
Fontes: http://www.cidadeshistoricas.art.br/hac/bio_getu_p.htm, http://www.biblio.com.br/Templates/biografias/getuliovargas.htm e http://www.sobiografias.hpg.ig.com.br/GetulioD.html.
Acesso em 15/09/2005.
  23 - voltar Um bom exemplo disso foi o modo como os comunistas se apropriaram da campanha do “O Petróleo é Nosso”, que nos foi legada por José Bento Monteiro Lobato (1882-1948), cuja capacidade de mobilização política e da opinião pública é considerada por muitos como só tendo paralelo em nossa história com a campanha abolicionista. Nisso não foram originais, já que o populismo varguista também se valeu desse recurso, resultando na criação, por Getúlio Vargas, da Petrobrás.
Fontes: http://www1.folha.uol.com.br/folha/almanaque/monteirolobato.htm e http://educaterra.terra.com.br/voltaire/brasil/2003/10/01/000.htm.
Acesso em 15/09/2005.
  24 - voltar O PTB — Partido Trabalhista Brasileiro foi fundado por Getúlio Vargas em 15 de maio de 1945, tendo como principal teórico Alberto Pasqualini. O atual PTB se considera seu sucessor, o que faz dele o único dos partidos políticos da era Vargas ainda sobrevivente.
Fonte: http://www.ptb.org.br/historia.php.
Acesso em 15/09/2005.
  25 - voltar Já referido em nota anterior.
  26 - voltar A UDN — União Democrática Nacional foi um partido político de linha liberal-conservadora fundado em 7 de abril de 1945, opositor das políticas de Getúlio Vargas. Entre seus líderes mais conhecidos estão o brigadeiro Eduardo Gomes, o general Juarez Távora e o jornalista Carlos Lacerda.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/União_Democrática_Nacional. e http://www.alerj.rj.gov.br/memoria/historia/govgb/lacerda.html.
Acesso em 15/09/2005.
  27 - voltar Herbert José de Sousa, o Betinho, entrevista concedida em 1991 a Renato Simões e Sérgio Ferreira, publicada no site da Revista Teoria e Debate http://www.fpa.org.br/td/td16/td16_memoria.htm.
Acesso em 15/09/2005.
  28 - voltar Politzer, Georges — Princípios Fundamentais de Filosofia. Hemus. São Paulo, 1970.
  29 - voltar JOC — Juventude Operária Católica, que congregava militantes do meio operário; JEC — Juventude Estudantil Católica, voltada para o ambiente estudantil secundarista; JUC — Juventude Universitária Católica, reunindo estudantes universitários; JIC — Juventude Independente Católica, envolvendo profissionais liberais. Sua organização se estruturava no plano nacional, estadual e municipal. Cada uma dessas instâncias contava com o assessoramento de um sacerdote católico, que ocupava a função de Assistente Espiritual. Esses movimentos eram fortemente apoiados pelos Padres Dominicanos, e se opunham às Cruzadas Eucarísticas e às Congregações Marianas, de caráter mais conservador e com interesses, por assim dizer, mais místicos, que eram apoiadas principalmente pelos Padres Jesuítas.
Fonte: http://www.pime.org.br/pimenet/missaojovem/mjhistrenova.htm.
Acesso em 15/09/2005.
  30 - voltar A CNBB — Conferência Nacional dos Bispos do Brasil foi criada entre 14 e 17 de outubro de 1952 com o objetivo de articular a ação pastoral da Igreja católica em âmbito nacional, tendo como seu grande inspirador D. Hélder Pessoa Câmara, que se tornou seu primeiro Secretário Geral.
Fontes: http://www.pime.org.br/pimenet/mundoemissao/igrejacnbb2.htm e http://www.domhelder.com.br/cnbb1.htm.
Acesso em 15/09/2005.
  31 - voltar Durante o pós-golpe de 1964 a hierarquia católica soube se utilizar muito bem da repressão movida pelos militares para desarticular os movimentos de Ação Católica. Na época, os militantes leigos, quando perseguidos ou presos, recebiam pouco ou quase nenhum apoio da hierarquia eclesiástica, o que não ocorreu com os sacerdotes submetidos a igual situação. Dessa forma, os militares ficaram com o ônus da perseguição e da desestruturação dos movimentos de Ação Católica, o que, antes de tudo, correspondia ao interesse da hierarquia católica.
  32 - voltar A AP — Ação Popular teve suas origens em um documento preliminar, denominado “Ideal Histórico”, surgido dentro da JUC. Em 1961 um grupo liderado por Betinho, com assessoria do Pe. Henrique de Souza Vaz, elaborou o chamado documento-base que deu surgimento à AP em 1962. A tônica fundamental desse documento era o da ética cristã diante das questões fundamentais apresentadas pelo mundo e pela política no início da segunda metade do século XX. Em princípios de 1964, pouco antes do golpe militar, surgiu a fração parlamentar do movimento, inicialmente integrada por Almino Afonso, Paulo de Tarso Santos e Plínio de Arruda Sampaio. Nas palavras de Betinho: a proposta da AP “ficava além do pensamento cristão clássico e um passo aquém no debate com o marxismo. Fazia a crítica do capitalismo, mas não falava em socialismo. O documento-base da AP tenta situar muito mais concretamente a questão democrática e da revolução, da política. Foi um passo dado quando percebemos que era impossível fazer o tipo de política que queríamos dentro da Igreja”. Vale à pena consultar a entrevista a respeito concedida por Betinho, em 1991, a Renato Simões e Sérgio Ferreira, publicada no site da Revista Teoria e Debate
Fonte: http://www.fpa.org.br/td/td16/td16_memoria.htm.
Acesso em 15/09/2005.
  33 - voltar O site dedicado ao Pe. Henrique Cláudio de Lima Vaz, S.J. tem uma riqueza de material que torna desnecessário estender-me mais sobre sua biografia neste texto.
Fonte: http://www.padrevaz.hpg.ig.com.br/depoimentos.htm.
Acesso em 15/09/2005.
  34 - voltar O PT — Partido dos Trabalhadores foi fundado por um grupo de intelectuais e trabalhadores no dia 10 de Fevereiro de 1980 no Colégio Sion em São Paulo —uma renomada instituição católica de ensino tradicionalmente voltada para as elites. Foi fruto da aproximação dos movimentos sindicais, tais como a CUT, com antigos setores da esquerda brasileira. Foi oficialmente reconhecido como partido político pelo Tribunal Superior de Justiça Eleitoral no dia 11 de Fevereiro de 1982. O PT, de certo modo, representou a realização de um desejo longamente acalentado pelas forças mais progressistas da Igreja Católica de ver materializado um partido com forte adesão à ética cristã, característica do antigo PDC — Partido Democrata Cristão, mas com a vantagem de não ter em seu nome a declaração de sua confissão religiosa. Um partido mais laico do que leigo, com características, por assim dizer, mais ecumênicas, mais popular e munido de um instrumental teórico considerado mais apropriado para a luta ideológica e política contra o capitalismo, dentro da perspectiva almejada pela esquerda católica. Desse modo, permitia o apoio efetivo da Igreja Católica sem comprometê-la diretamente, o que evitava o re-surgimento de conflitos como os que caracterizaram as relações entre a Ação Católica e, posteriormente, a Ação Popular, e a hierarquia. Em sua origem e na sua organização inicial, além do movimento sindical, teve papel fundamental o decidido apoio que recebeu do “Movimento Eclesial de Base”, promovido pela Igreja Católica, que favoreceu sua rápida penetração capilar em toda a sociedade e a estruturação de uma militância até então inédita entre nós, calcada no modelo dos ativistas da Ação Católica. É por aí que se pode entender porque o PT, ao surgir, afirmava pretender colocar em prática uma nova forma de socialismo democrático —que não definia—, recusando modelos marxistas até então em voga, como o soviético ou o chinês.
Fonte:
http://www.pt.org.br, http://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_dos_Trabalhadores e http://www.pt-rs.org.br/manif_pt.htm.
Acesso em 15/09/2005.
  35 - voltar O PSDB — Partido da Social Democracia Brasileira foi fundado em 25 de junho de 1988, ocasião em que foi constituída a sua Comissão Diretora Nacional Provisória, integrada por 11 membros. Agregou em seus quadros, principalmente, um grande número de expoentes intelectuais de origem uspiana, dentre os quais é mais notório o então Sen. Fernando Henrique Cardoso, além de outros políticos de renome como Sen. Mário Covas, Sen. José Richa, Franco Montoro, Dep.Euclides Scalco, Dep. Cristina Tavares e Dep. Moema São Thiago. A eles se juntaram empresários mais progressistas convencidos da necessidade da atuação política para a criação de condições necessárias à modernização do capitalismo brasileiro.
Fontes: http://pt.wikipedia.org/wiki/PSDB e http://www.psdb.org.br/opartido/fundacaoeorganizacao.asp#med.
Acesso em 15/09/2005.
  36 - voltar Geraldo Vandré, nome artístico de Geraldo Pedrosa de Araújo Dias, músico brasileiro nascido na Paraíba em 1935. O Vandré vem da abreviatura do nome de seu pai, José Vandregisilo. Nos idos de 1960 cursou a Faculdade de Direito, no Rio de Janeiro, época em que participou do Centro Popular de Cultura, da extinta União Nacional dos Estudantes. Em 1968 compôs Pra não dizer que não falei de flores, também conhecida como Caminhando, a cuja letra pertencem os versos acima citados. Pouco depois foi obrigado a deixar o pais, pois se apresentara em televisão como profissional sem a devida licença, tendo se exilado inicialmente no Chile, e, posteriormente, na França, Argélia, Alemanha, Áustria, Grécia e Bulgária. Nos quatro anos em que permaneceu fora do Brasil, Vandré tornou-se uma espécie de "mito" da resistência à ditadura, e essa sua composição, um dos hinos preferidos pelas esquerdas na resistência ao regime militar.
Fontes: http://www.mpbnet.com.br/musicos/geraldo.vandre/ e http://www.cliquemusic.com.br/artistas/geraldo-vandre.asp.
Acesso em 15/09/2005.