A
crise política brasileira:
qual é a porta de saída? |
Uma
análise psicossocial operativa1
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O tema que nos foi proposto 4 —A
crise política brasileira: qual é a porta de saída?—
me pareceu muito ousado. Nem bem entrados nesta crise, e já
nos pedem, como debatedores, que apressadamente encontremos a porta
de saída!... Pegaram-nos de calças curtas.
Ora, ora: se saída houver, neste momento,
creio que ela talvez só possa ser tenuamente vislumbrada num
horizonte longínquo, já que é a História,
daqui a algumas décadas, que poderá falar com mais competência
dos desdobramentos resultantes do punhado de desafios que o destino,
por enquanto, está ardilosamente nos preparando... e com mais
tramas e armadilhas do que a imaginação de romancista
de Carlos Frydman seria capaz de criar.
Então, minha primeira lembrança,
à moda de um mote, é a da célebre citação
do velho Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas 5: “Digo: O real não
está na saída nem na chegada: ele se dispõe para
a gente é no meio da travessia”.
De fato, creio que a atual crise política
brasileira representa, neste momento, principalmente —e duplamente—,
apenas uma larga e longa soleira de entrada.
De um lado, porque é uma crise que, apesar
de todo o sofrimento que está nos causando, e de já
se arrastar por tantos meses, é ainda uma crise menina, falta
bastante para se tornar —e merecer— ser mulher.
De outro, porque é prelúdio, anteato,
pajem abre-alas de nossa entrada definitiva nos verdadeiros e profundos
dilemas do Século XXI: é promoter, é recepcionista,
é sibila, é esfinge, e é alcagüete e delatora.
Ao mesmo tempo em que nos dá boas vindas, já com atraso,
ao novo milênio, denuncia nosso despreparo para o enfrentamento
das grandes questões fundamentais da transição
civilizatória que atravessamos no mundo globalizado contemporâneo.
Mas, acima de tudo, diria que é uma bendita
crise, necessária crise, que, se meus desejos puderem se realizar,
obrigará a nos olharmos, antes tarde do que nunca, de frente,
olho no olho, enquanto país, enquanto povo, mas, sobretudo,
enquanto cidadãos do mundo.
Dois
enfoques para a crise: o ideológico e o estratégico-institucional
Antes mesmo de procurarmos as portas de saída
desta crise —se é que pretendemos algum êxito na travessia
à moda de Guimarães Rosa—, é necessário
analisar seus fundamentos, compreender que fios são os que
a enredam, a produzem e que ela nutre em suas vísceras.
Já dizia Sêneca: “Não há
vento favorável para quem não sabe para onde ir”. Se
desejarmos saber para onde ir, é necessário, no mínimo,
que saibamos onde estamos e em que direção seguimos.
Mas jamais saberemos as coordenadas de onde estamos se não
soubermos de onde viemos.
Estas são questões que antecedem
àquelas de como lutar com os ventos para traçar o percurso
que nos levará ao nosso destino. Por sinal, surpreendidos,
seremos por ele recebidos com um sorriso maroto, já que lá
só encontraremos outra porta de entrada camuflada de porta
de saída.
Vêem, portanto, que perscrutar prospectivas
futuras é tarefa engenhosa, que exige sagacidade e que sempre
implica, necessariamente, investigação do passado.
Saber do futuro de nosso presente é, em
primeiríssimo lugar, apreender nosso presente como o futuro
de um passado. Assim poderemos vislumbrar alternativas de futuro;
que permitam o desenho de cenários prospectivos. Cenários
que resultam de tendências projetadas a partir das determinações
do passado conjugadas com ações corretivas sobre as
variáveis do presente, com consistência provável.
De posse de cenários assim construídos, poderemos escolher
aquele que considerarmos provável e desejado para servir de
referência para nossas estratégias.
Falando de outro modo: para assumir a condição
de senhores conscientes de nosso destino é indispensável
romper com a fatalidade fincada em nosso passado, de meros objetos
das determinações que nos foram legadas. É necessário
transformar o passado, de profecia fatídica em ferramenta dominada,
capaz de ser utilizada com habilidade e competência na transformação
de nosso presente, futuro passado de nosso presente futuro.
Há, dessa forma, um trabalho prévio,
paciente, indispensável, que antecede qualquer tentativa de
argüição de portas de saída.
Com este objetivo em mente, há dois enfoques,
dois eixos indispensáveis para se analisar os componentes que
deflagram e sustentam a crise política brasileira atual: a
crítica e autocrítica da formação ideológica
de nossa sociabilidade nacional; e a reflexão estratégico-institucional
sobre a organização política, econômica,
social e cultural necessária para a superação
de nossas contradições históricas fundamentais.
Sem os resultados fornecidos por esses dois eixos
de investigação, permaneceremos incapazes de identificar
diretrizes essenciais para a estruturação da ágora
cívica —a praça pública dos cidadãos—,
ao mesmo tempo concreta e simbólica, teatro dramático
do exercício da cidadania honrada e responsável de um
povo digno, cônscio de sua civilidade.
Porque, para além das escaramuças
voláteis desta crise, é isso, no fundo, o que queremos:
uma nação de cidadãos livres, onde nossas diferenças
sejam reconhecidas para garantir condições de vida cada
vez melhores, de modo que nossos netos e bisnetos se orgulhem do legado
que lhes deixarmos.
Basta! Não podemos continuar enganando
continuamente o povo, os cidadãos que somos nós. Não
podemos, melancolicamente, continuar recitando os versos de Affonso
Ávila em seu “Discurso da difamação do poeta”
6:
É hora de indignação, é
hora de responsabilidade, é hora de trabalho duro e de longa
duração.
Sejamos, por conseguinte, pacientes e persistentes:
vamos por partes, passo a passo, desbravando essa travessia.
Para que não nos ocorra a danação
de Sísifo, que se esfalfava a cada dia no desafio de empurrar
montanha acima a pesada pedra de sua sina, para assistir desolado,
alcançado o cume, seu rolar desenfreado pela outra vertente
abaixo, zerando todo o seu esforço, remetendo-o novamente à
estaca inicial de sua tarefa insana.
Toda tarefa mal-feita impõe re-trabalho.
Quando a tarefa é a construção de nossa História,
esse re-trabalho tem um custo altíssimo em termos de desperdício
de energias e de vidas humanas. Preço que já estamos
pagando em moeda de miséria, violência, embrutecimento
humano.
Logo, já que fizemos tão mal nossa
lição, tantas e tantas vezes antes, façamo-la,
ao menos, bem-feito, desta vez. Para não perdermos, uma vez
mais, o bonde da História.
É esse, no fundo, o grande desafio desta
crise atual.
Peço então a vocês um pouco
de paciência, pois vou ter que fazer um caminho de revisão
de alguns fatos históricos importantes para a construção
do meu raciocínio.
Os
componentes ideológicos conservadores nesta crise
O primeiro demônio que esta crise carrega
são os componentes ideológicos de nossa tradição
conservadora. Correndo o risco de ser superficial, dados os limites
deste debate, vou esboçar alguns grandes traços desta
formação ideológica conservadora brasileira.
Desde que Pero Vaz de Caminha 7 lavrou
a certidão de nascimento desta terra, a questão da sua
apropriação e da dominação do povo que
aqui vivia e da gente que para cá foi transportada se colocou
de imediato.
A posse da terra e de suas riquezas foi logo
resolvida à moda que Manuel Bandeira imaginou existir em Pasárgada:
“Lá sou amigo do rei, terei a mulher que eu quero, na cama
que escolherei” 8.
Um dos primeiros foi Fernando de Noronha 9, um cristão novo:
junto com um grupo de amigos judeus que, perseguidos pela Inquisição,
necessitavam de refúgio e queriam fazer bons negócios.
Percebendo que à Coroa Portuguesa faltavam os recursos necessários
ao patrulhamento e colonização das novas terras, Noronha
conseguiu, em 1502, do rei Dom Manoel, o Venturoso, a posse da ilha
de São João (que havia descoberto e que hoje leva seu
nome) para explorar o comércio de pau-brasil e colonizá-la
como bem entendesse. Assumiu alguns compromissos em contrapartida,
entre os quais o de patrulhar as costas e impedir que a cobiça
estrangeira viesse aqui se saciar. Para tudo isso, comércio
e patrulhamento, dispunha de uma insignificante esquadra de seis naus!
O fracasso dessa terceirização
do patrulhamento das terras não teve por efeito colocar em
questão seu princípio. O diagnóstico, na época,
foi o de que a dose foi pequena, precisava ser aumentada. Entre 1534
e 1536, o Rei D. João III nomeou mais doze donatários,
aos quais foram dados outros quatorze nacos de terra, chamadas de
Capitanias Hereditárias 10. Deveriam colonizá-las
e protegê-las, por sua conta e risco, em retribuição
à benemerência do rei.
Com essa benemerência régia (benemerência
em termos, já que ao Rei eram devidos, entre outros impostos,
o equivalente ao quinto do valor auferido pela venda de pau-brasil
e outras mercadorias) foi inaugurada a propriedade imobiliária
neste país, já marcada em sua origem pelo apadrinhamento
e pela indiscriminação entre o público e o privado
que caracteriza certo tipo de comportamento político de nossas
elites. A maioria dessas capitanias permaneceu devoluta, não
tendo manifestado seus donatários, nem mesmo, o desejo de visitá-las.
Como o questionamento da posse das terras pelos
cobiçosos estrangeiros continuava intenso, o passo seguinte
foi o da nomeação de um Governador Geral que aqui exerceria,
em nome d'El Rei, a implantação de uma administração
pública e a coordenação das ações
militares necessárias à proteção das terras.
O terceiro governador geral foi Mem de Sá,
que aqui aportou em 1560, sucedendo Tomé de Souza e, posteriormente,
Duarte da Costa.
Sobre ele há uma pequena anedota bastante
conhecida, mas que vale relembrar: um jovem estudante apostou com
um companheiro que era capaz de passar no vestibular sem se preparar.
Feito isso, inscreveu-se e se apresentou para as provas. No exame
de História do Brasil, fizeram-lhe uma pergunta: que fez Mem
de Sá? Sem se lembrar dos episódios que marcaram esta
época, respondeu: Mem de Sá fez o que pôde. No
que estava absolutamente certo...
De fato, Mem de Sá 11 é
o protótipo do administrador público brasileiro: fez
o que pôde e até o que não podia. Lutou a vida
inteira, fez um pouco de tudo por toda parte, guerreou franceses e
índios, valendo-se dos recursos de que podia se apropriar por
aqui, enquanto também se enriquecia. As condições
de sua investidura não foram bem estabelecidas com antecedência,
razão pela qual, ao mesmo tempo, podia tudo, mas não
podia contar com apoio efetivo de Lisboa. Seu sobrinho, Estácio
de Sá, foi encarregado da fundação do Rio de
Janeiro, tendo sob seu comando uma razoável esquadra. Outro
parente seu, Salvador Correa de Sá, foi posto à frente
da Capitania Real do Rio de Janeiro. Vê-se que o nepotismo,
também, não estava fora de suas habilidades. No fim
da vida, escreveu ao Rei confessando suas mágoas, reclamando
de não ter sido reconhecido no seu esforço e de não
ter sido aquinhoado com retribuição adequada, dado o
fato de ter dedicado toda a sua vida e suas energias ao serviço
da Coroa.
Nosso povoamento, também, tem características
muito próprias. Vieram para cá muitos degredados, fugitivos,
cristão-novos perseguidos, que aqui tentavam “fazer o Brasil”,
expressão que ainda hoje significa lançar-se à
aventura para aproveitar oportunidades e tentar enriquecer.
Com os gentios da terra, seu primeiro propósito
foi de caça e escravização. Mas, dado o déficit
demográfico de Portugal naqueles tempos, a política
da Coroa foi também a de estimular que esses homens se procriassem
o máximo possível, emprenhando quantas mulheres pudessem.
Essa prática, exercida inicialmente com as índias, foi
posteriormente estendida às escravas negras para cá
trazidas da África.
A justiça, sob forma institucional, era
desconhecida. Valiam os desígnios dos capitães da terra,
que em suas propriedades tinham o poder de vida e de morte sobre quem
lá estivesse.
No entanto, esse poder discricionário
era exercido num ambiente de certa domesticidade promíscua,
onde famílias extensas conviviam com as particularidades dos
limites entre Casa Grande e Senzala. Tais limites, mantidos a ferro
e fogo à custa de chibatas, colares de ferro, troncos e masmorras,
se dissolviam no aconchego de alcovas ou no meio do mato. O entrelaçamento
entre a Casa Grande e a Senzala, em alguns casos, assumia mesmo certo
grau de afetividade, como no caso da figura da mãe-preta.
Com o ciclo do ouro, a voracidade da Coroa se
aguçou. A Inconfidência Mineira 12 foi,
antes de tudo, uma revolta contra a cobrança de imposto frente
à decretação da derrama. A inventividade mineira
criou o chamado pé-de-meia, expressão utilizada para
falar da acumulação de poupança que tem origem
na prática de uma inventiva forma de sonegação:
ao voltar do bateado no garimpo, antes de passar pela cobrança
do quinto era recolhido, impregnavam as meias com o pó de ouro,
de modo a escamoteá-lo dos agentes do fisco. A truculência
impositiva, a sonegação e a demanda por tributação
mais justa, são muito antigas entre nós!
A exclusão
e a dominação pela negação do acesso à
cultura também é algo que vem de longe. Até a
chegada ao Brasil, em 1808, de D. João VI, as Cortes Portuguesas não permitiam a
impressão de livros em nossas paragens, nem a criação
de escolas. Com uma dupla vantagem: é mais fácil dominar
as massas se são incultas e ignorantes, de um lado. Mas, de
outro, os filhos aqui nascidos de portugueses abastados eram enviados
a Coimbra para estudar, o que servia para incluí-los na cultura
da metrópole, iniciando-os nos costumes cortesãos, para,
ao fim, fazê-los celebrar sua lealdade aos princípios
da dominação colonizadora. Este era o ritual de passagem
para que um jovem brasileiro fosse incluído na elite dominante:
tornar-se doutor, como muito bem nos esclarece Sérgio Buarque
de Holanda 13.
A violência do dominador era praticada
com sutileza e astúcia. Por experiência própria,
sabiam o que era sofrer arbitrariedades e flagelos físicos
e conheciam o risco de, a partir deles, gerar revolta. Sabedoria de
dominação que, por sinal, as novas elites urbanas industriais
vêem perdendo.
Adaptaram com astúcia certo tipo de violência
contida e camuflada típica da cultura portuguesa. Como sabem,
há diferenças entre a tourada portuguesa e a espanhola.
Os espanhóis trazem o touro para a arena, atiçam-no,
provocam-no, humilham-no, fazem-no ficar exausto. Ao final, no entanto,
praticam um supremo ato de compaixão: matam o touro, e ainda
o honram e veneram na qualidade de forte oponente vencido. Já
os portugueses também trazem o touro para a arena e praticam
em relação a ele as mesmas gentilezas: atiçam,
provocam, irritam, humilham e exaurem suas forças. Ao final,
no entanto, não o matam: fazem-no retornar pacificamente ao
pasto, para que se recorde, pelo resto de sua vida, da humilhação
sofrida naquele dia!
A violência praticada pelo colonizador,
entre nós, tinha sua justificativa sustentada pela rebeldia
e prévia violência do violentado: o culpado sempre é
o morto. Por isso, todos nós sabemos: somos um povo pacífico,
ordeiro, e nossa história não registra atos de violência...
Não foi isso o que nos ensinaram? E nós aprendemos 14.
Os traços de distinção eram
sutis: o negro alforriado que mantinha —e até comercializava—
escravos, distinguia-se de seus semelhantes de cor menos afortunados
pelo uso de sapatos, como nos mostram as magníficas ilustrações
de Jean-Baptiste Debret 15. Mas não tinha
a mesma ligeireza e despreocupação, muito menos as mesmas
oportunidades, quando perambulava entre brancos. Mantinha-se discreto,
reservado, quase submisso, já que, como afirma o dito infame,
no Brasil não há preconceito racial porque, aqui, o
negro conhece o seu lugar.
O maior feito, no entanto, foi o êxito
que os portugueses tiveram em manter a unidade e a integridade do
território. A administração colonial e, depois,
a do império 16,
escolhia em cada região seu parceiro. A ele conferia todos
os poderes, e o direito de preencher todos os cargos administrativos
com pessoas a ele submissas e absolutamente leais. Os opositores,
simplesmente, não tinham espaço para existirem. É
o antecedente do que, mais tarde, ficou conhecido como lema do antigo
PSD 17mineiro:
“Aos amigos, tudo. Aos inimigos, a lei.”
Em síntese, a ideologia conservadora de
nossas elites tem história longa, com traços do seguinte
tipo: o Estado deve ser privadamente apropriado, através de
laços de aliança, sendo lícita a obtenção
de vantagens por meios diretos ou indiretos pelos apaniguados do poder.
É de bom tom não ser muito explícito nesta prática:
tratam-se esses assuntos na reserva dos gabinetes. Como diz outro
sábio ditado político mineiro: um é pouco, dois
é bom, três é comício! Se por acaso, a
inconfidência ou a curiosidade alheia trouxerem à luz
algo do recatadamente combinado, reagir com horror, escolher rapidamente
um culpado para deixá-lo pagar sozinho, no mais estrito ostracismo,
a culpa que é de todos. Assassine-se, preferivelmente por suicídio,
o incontinente do segredo, calando os demais pelo temor de igual destino.
O ônus da violência deve sempre recair sobre quem é,
por seu meio, submetido. O povo é desprezível, porque
ignorante. Por sua própria culpa, já que na sua maioria
foram indolentes na procura dos meios de cultura e de acesso na escala
social, apesar da impossibilidade de seu alcance pelo comum dos mortais.
Cabe exclusivamente às elites as decisões fundamentais
sobre a condução da nação e dos negócios
do Estado. Nosso modelo sempre foi o de uns poucos ilustrados e bem-pensantes
conduzindo uma imensa massa de detentores de força braçal,
ignorantes e totalmente desprovidos de inteligência que, por
isso mesmo, devem ser constantemente tutelados. Entre as práticas
de barganha de poder essa corrente ideológica, além
da troca de favores, dispõe de um sistema de vetos cruzados
que, em certas situações, promove o acomodamento das
forças conflitantes, mais que, em outras, resulta em impasses
políticos que desembocam no apelo às armas. Por isso
o Exército Brasileiro foi muitas vezes considerado como o Poder
Moderador da República.
Os
componentes ideológicos da esquerda brasileira nesta crise
A formação ideológica da
esquerda brasileira também tem sua parte na crise. Sua história,
desde suas origens, tem muito deste outro traço característico
de nossa cultura que é o sincretismo. Porque foram diversas
as vertentes de pensamento que desaguaram nesta formação
ideológica da esquerda brasileira.
De novo, corro o risco de ser superficial, mas
os limites de tempo me obrigam à brevidade ao esboçar
os grandes traços necessários à minha argumentação.
No fim do século XIX e início do
século XX, aportaram ao Brasil novas levas de imigrantes, muitos
deles de origem européia, principalmente portugueses, espanhóis
e italianos. Com eles e seus descendentes, rapidamente começou
a se formar uma nova classe social, até então desconhecida
entre nós, constituída por operários industriais
urbanos.
Esses imigrantes
tiveram papel importantíssimo na história da esquerda
brasileira. Atualizaram nossa realidade política frente à
problemática mundial da consolidação do capitalismo
industrial, que até então não se fizera presente
nos nossos embates. Trouxeram para cá novas atitudes de reivindicação
e, principalmente, idéias de contestação às
classes dominantes e de confrontação coletiva ao status
quo imposto pelas elites.
Eram, predominantemente, anarquistas.
O movimento anarco-sindicalista surgido de inúmeras
confrontações nas duas primeiras décadas do século
passado 18, vai desaguar
na fundação, em 1922, do Partido Comunista Brasileiro
(PCB), por iniciativa do gráfico e jornalista Astrojildo Pereira
19.
A agitação desses tempos estava
presente também no ambiente do exército, onde surge
o movimento tenentista, que será responsável por outros
tantos episódios que marcarão a primeira metade do século
passado.
Um aspecto importante para se entender o contexto
ideológico desta época está na influência
da doutrina positivista de Comte no ambiente jurídico, militar
e político brasileiro. A figura de Júlio de Castilhos
20,
e o surgimento do castilhismo-borgismo no Rio Grande do Sul, não
pode ser esquecida. O positivismo trazia em seu bojo uma mística
religiosa do conhecimento 21,
da ciência e da ordenação da sociedade que resultava
numa crença na capacidade de a inteligência interferir
na estruturação da vida social para criar as condições
necessárias para o desenvolvimento do homem, numa perspectiva
verticalista: eram os homens superiores que iriam transformar a realidade.
O movimento tenentista, surgido da agitação
presente também no ambiente do exército, sofreu grande
influência do positivismo.
O contexto do positivismo gaúcho, por
exemplo, de um modo mais ou menos direto, foi muito importante para
formação ideológica e política de muitos
líderes tenentistas. Muitos deles exerceram papéis significativos
na história brasileira do século XX, entre eles Getúlio
Vargas 22,
Eurico Dutra, Góes Monteiro, Felinto Muller e —porque não?—
também Luiz Carlos Prestes. A revolta dos tenentes de 1924,
com a Coluna Prestes que a sucedeu, tornará muitos desses homens
conhecidos nacionalmente como líderes políticos, marcando
o início do processo político, econômico e social
que foi o cenário histórico no qual a formação
ideológica da esquerda brasileira se desenvolveu.
Dois desdobramentos importantes resultarão
desse movimento dos tenentes.
De um lado, Luiz Carlos Prestes, exilado na Bolívia
e depois na Argentina, será contatado por Astrojildo Pereira
e atraído para o PCB, vindo a se tornar seu líder histórico.
De outro, desemboca na Revolução
de 30, a partir da qual Getúlio Vargas assume o papel de líder
do trabalhismo populista que dominará toda a cena política
até o início da segunda metade do século.
Um efeito paralelo resultante dos desdobramentos
do positivismo foi o Movimento Integralista, que também teve
seu papel no caldo de cultura da formação ideológica
da esquerda brasileira, seja por oposição, seja pelo
realce que deu à questão do nacionalismo.
O movimento comunista, entre nós, apesar
de sua solidez teórico-ideológica, teve uma condução
rígida, marcada pelo alinhamento férreo ao stalinismo,
que impediu qualquer prática interna verdadeiramente democrática.
Por isso, apesar de seu marcante ativismo, terminou sendo, de fato,
minoritário e circunscrito a um pequeno número de homens,
que —façamos justiça— eram de peso, na sua maioria intelectuais,
artistas, jornalistas, professores, profissionais liberais e operários.
Foi por isso que, apesar de poucos, influenciaram tanto.
No afã de sobreviver à dura perseguição
que lhe moveu Getúlio, e de sobrepujar o ufanismo nacionalista,
de um lado brandido pelos integralistas e, de outro, magnificamente
manipulado pelo populismo varguista, o PCB envergonhou-se do apoio
internacional que recebia da Internacional Socialista e do Partido
Comunista da União Soviética, Por isso adotou uma linha
nacionalista, cometendo o que, a meu ver, foi um dos seus mais graves
erros históricos: o abandono de um discurso francamente internacionalista.
23
Para isso também contribuiu, e em muito,
o fracasso da insurreição político-militar por
ele promovida em novembro de 1935 e que veio a ser conhecida como
a Intentona Comunista, movimento desastrado que tinha por objetivo
derrubar Getúlio Vargas e instalar um governo socialista no
Brasil. Esse movimento denunciava a herança golpista do tenentismo,
já que não contava com qualquer base de apoio popular,
para não se falar da hoje inacreditável ausência
de planejamento militar e de avaliação realista do quadro
político da época por parte de seus organizadores, Luiz
Carlos Prestes à frente.
Já o trabalhismo de Getúlio Vargas,
com sua marca populista, alcançou maior repercussão.
Deu surgimento a dois dos três principais partidos políticos
da era do pós-guerra, o PTB 24 e
o PSD 25 ; o outro
era a UDN 26. Foi fundamental
para a criação da estrutura sindical que se tornou palco
para uma significativa presença das diferentes correntes de
esquerda que iam, progressivamente, se articulando.
Outro fato importante para a formação
da ideologia da esquerda brasileira foi a criação, em
1934, da Universidade de São Paulo. Júlio de Mesquita
Filho, então diretor do jornal O Estado de S. Paulo, foi seu
maior incentivador. Além de congregar outras unidades já
existentes, foi criada a Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras com o objetivo de integrar o conhecimento literário,
humanístico e científico da nova universidade. Foram
trazidos diversos professores estrangeiros para colaborar nesta tarefa,
especialmente da França, Itália e Alemanha. Mais tarde,
esta faculdade se subdividiu em unidades autônomas.
A universidade, com sua dinâmica particular,
deu relevância à opinião acadêmica, a um
certo tom de discurso e a um formalismo de debate que será
muito utilizado na legitimação de idéias e de
propostas políticas. Deu forma concreta, fez aparecer, diria
que quase criou entre nós, pela primeira vez, uma nova categoria
de atores políticos: os intelectuais que, segundo as circunstâncias,
se colocavam como aliados ou opositores dos líderes da política,
da economia e da gestão do Estado, para legitimá-los
ou denunciá-los.
Outra vertente da maior importância na
formação da ideologia da esquerda brasileira, que, inclusive,
tem sua presença representada nesta mesa nas origens da formação
intelectual tanto de Roberto Romano quanto minha, foi a Igreja Católica.
A partir de 1930 começa a aportar ao Brasil
o movimento da Ação Católica, que irá
influenciar um grande número de jovens da classe média
urbana brasileira. Sua atividade se tornou mais intensa e com maior
repercussão no final da década de 1950 e início
da de 1960. De forte influência francesa, trouxe para o cenário
do debate e da formação intelectual as idéias
de pensadores católicos renovadores, vistos como os enfants
terribles da catolicidade européia: Jacques Maritain e
sua mulher, Raissa, Emanuel Mounier, Pe. Joseph Lebret, Charles Péguy
e outros, e, mais tarde, o bem mais sofisticado Teillard de Chardin,
o jesuíta cujo pensamento foi posto sob censura pelo Vaticano.
Foi na onda progressista deste movimento que
um grande número de nós começou a tomar contato
com as correntes mais expressivas e avançadas do pensamento
da época: o existencialismo sartreano e o próprio marxismo.
Como dizia Betinho: “Eu não li primeiro Marx, li sobre Marx
através de um jesuíta.” 27 O
primeiro texto marxista que muitos de nós lemos foi “Princípios
fundamentais de filosofia” de Georges Politzer 28.
O movimento da Ação Católica
se estruturou por categorias profissionais, subdividindo-se na JOC,
JEC, JUC e JIC 29,
organizando-se de forma autônoma no plano nacional, bem antes
da criação, em 1952, da CNBB 30.
Tinha por método de militância o lema: Ver-Julgar-Agir.
Como decorrência de seu crescimento e da ressonância social
de seus militantes, iniciou-se uma confrontação entre
movimento leigo e hierarquia católica que terá desdobramentos
importantes, anos mais tarde. 31
Esta confrontação, já na
passagem dos anos de 1950 para os de 1960, vai dar origem à
criação da AP (Ação Popular) 32, cujo manifesto,
rascunhado por Herbert José de Sousa, o Betinho e pelo padre
Henrique de Souza Vaz, S. J. 33, representa o passo de
ruptura com a hierarquia católica e a adoção
de uma postura revolucionária.
Padre Vaz, um dos intelectuais mais brilhantes
que conheci em minha vida, do qual fui aluno nos idos de 1965-66 na
Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais, dizia-nos
candidamente em sala de aula: Se a Igreja foi capaz de cristianizar
o maior filósofo pagão da antiguidade que foi Aristóteles,
porque não será capaz de cristianizar o maior filósofo
pagão da atualidade que é Marx?
Nesta mesma época, outras lideranças
católicas mais moderadas, como Alceu Amoroso Lima (o Tristão de Athaíde) e Franco
Montoro, exerciam sua presença política através
do PDC (Partido Democrata Cristão), fundado em 1945 por Cesarino
Júnior.
Paralelamente, a partir do final da década
de 30, estruturou-se nacionalmente o movimento estudantil, tanto no
estamento secundarista quanto no universitário: foi a época
da criação das chamadas uniões estudantis municipais,
estaduais e nacionais, a mais importante das quais foi a UNE — União
Nacional dos Estudantes (fundada em 1937).
Foi no período pós-Vargas e pré-golpe
de 64 que houve uma grande confrontação, e por aí,
também, intensa influência mútua, dessas diferentes
correntes ideológicas que vinham tomando corpo entre nós.
Os espaços privilegiados para este intenso movimento de oposições
e alianças eram o movimento sindical, as lutas estudantis e
a imprensa. Eram freqüentes as reuniões, assembléias
e congressos, durante os quais as diversas correntes ideológicas
se digladiavam, valendo-se de inúmeros recursos de manobra
e, principalmente, dos famosos conchavos. Este foi o ambiente de militância
e de formação inicial de grande parte dos líderes
de maior influência no quadro político brasileiro atual.
O golpe de 64, organizado pelo então chamado
Grupo da Sorbonne formado por militares que haviam estudado na França
e que se agrupavam na Escola Superior de Guerra representou, de certo
modo, o ressurgimento das influências positivistas no ambiente
político, já que o positivismo sempre permaneceu como
traço de fundo na formação dos militares brasileiros.
Do ponto de vista da formação da
ideologia de esquerda no Brasil, o principal papel do golpe militar
de 1964 foi o de ter lançado toda a esquerda, da noite para
o dia, na clandestinidade, à qual, diga-se de passagem, os
comunistas já se haviam habituado de longa data.
O período da ditadura militar representou
a etapa fundamental da formação da ideologia da esquerda
brasileira. Período de extrema perseguição e
de ansiosa experimentação, em que a necessidade de combater
o regime ao mesmo tempo unia e desunia as forças progressistas.
Um dos primeiros pomos de discórdia foi o da opção
entre luta armada ou combate ideológico pela restauração
democrática. A corrente vitoriosa terminou sendo a segunda,
até porque a primeira foi quase que completamente dizimada.
As armas mais eficazes, ao meu ver, que aprendemos
a manejar neste período, foram: a resistência cultural
e as atitudes corporativistas. Através da resistência
cultural ridicularizávamos e estigmatizávamos as idéias
de direita. Com a adoção de atitudes corporativistas,
principalmente entre os funcionários do aparelho do estado,
conseguíamos bloquear a ação dos governantes
militares aumentando a resistência na colocação
em prática das medidas decididas pelos detentores do poder.
Por isso, um dos campos importantes desta luta
foi o movimento sindical como um todo, que se constituiu numa espécie
de poder paralelo, com canais próprios de informação
e novos métodos muito criativos de luta política.
Foi neste contexto que ocorreu a derrocada do
regime militar e instauração do processo de redemocratização,
com a criação de dois novos partidos resultantes desta
formação ideológica da esquerda brasileira, o
PT 34 e
o PSDB 35.
Em resumo: a formação ideológica
da esquerda brasileira comporta uma autêntica preocupação
com a modernização do país, a justiça
econômica e a disseminação da cultura na luta
pela emancipação de nosso povo. No entanto, em sua grande
maioria, é marcada por uma xenofobia nacionalista vesga que
a impede de olhar o mundo de forma mais ampla. Sustenta-se em práticas
corporativistas marcadas por conchavos oportunistas em função
da luta pelo poder. Valoriza muito pouco o contraditório e
a prática da interpelação criativa. Tem forte
traço moralista, disfarçado em discurso ético,
que não dispensa, no entanto, certo grau de hipocrisia para
efeito de consumo público. Facilmente, também, resvala
para a consideração do povo como mero agente auxiliar
de luta —porque é paternalista e redencionista de um povo definido
como submisso e ignorante— e adota freqüentemente o conchavo
como instrumento de articulação política. Oscila
entre posturas democráticas e golpistas e, principalmente,
tem entre seus pressupostos fundamentais a apropriação
do aparelho do Estado para poder realizar seus propósitos de
transformação econômica, social, cultural e política.
O
alcance mais amplo da crise
Para além das escaramuças e das
denúncias diárias dos escândalos que a crise atual
comporta, seu alcance mais amplo é o da denúncia da
insuficiência dos modelos teóricos que são utilizados
pela esquerda brasileira atual.
De um lado, é muito bom que as mazelas
venham a público, já que dessantificam e dessacralizam,
de uma vez por todas, tanto as pessoas dos líderes como a fragilidade
de suas idéias no diagnóstico de nossa realidade e na
proposição de novos cursos políticos.
Diria até que este processo precisa ser
ainda mais aprofundado: porque um dos maus resultados desta crise
seria a de só dessacralizar o PT e seus líderes, quando,
na verdade, também os líderes do outro partido surgido
dessa formação ideológica, o PSDB, padecem de
mazelas equivalentes, assim como outras lideranças originárias
das hostes da esquerda que se refugiam em outras legendas.
É essencial também que essas denúncias
descerrem o manto que encobre as práticas políticas
dos representantes da formação ideológica conservadora
que, no contexto atual, permanecem quase que intocados, marotamente
cuidando de colocar suas barbas de molho, preparando-se para uma revanche
eleitoral demagógica e populista.
Na verdade, como vimos, tanto a formação
ideológica conservadora quanto a das esquerdas brasileiras
convergem, paradoxalmente, para uma particular forma de apropriação
do Estado e das riquezas da nação. Ambas utilizam-se
de justificativas encobertas pelo constante apelo demagógico
à vazia pretensão do exercício do governo do
povo, pelo povo e para o povo.
No entanto, é fundamental também
que preservemos as inquestionáveis conquistas resultantes de
toda a luta político-ideológica travada nas últimas
décadas.
É motivo de orgulho, para todos nós,
que um operário possa ter chegado, pelo voto livre, à
Presidência da República. Merece loas e júbilos
o fato de termos conseguido um contexto político-institucional
que permite que uma crise tão grave ecloda sem que haja risco
aparente de desestabilização democrática ou de
surgimento de novas aventuras golpistas. É sensacional o fato
de que as informações decorrentes de toda essa confrontação
política estejam sendo veiculadas através dos meios
de comunicação, até com transmissão ao
vivo pela TV dos debates no congresso. Apesar de tudo, há certa
adequação informativa da parte da mídia e, até,
se compararmos com outros momentos críticos dos últimos
cinqüenta anos de nossa história, com pouca defor mação
manipulativa. Estamos nos acostumando a privilegiar os fatos em detrimento
das versões.
É importante, também, que algumas
conclusões fundamentais possam ser tiradas de todo esse processo.
A primeira delas é a de que, na luta pela
emancipação de nosso povo e na construção
de uma sociedade democrática que mereça este nome, toda
concessão ao caldo fisiológico de nossas práticas
políticas tem enormes conseqüências. Fala-se pouco
do erro fatal que cometemos ao aceitarmos uma assembléia constituinte
congressual, que nos legou uma constituição ambígua:
ao mesmo tempo em que acena para a concessão de direitos mais
amplos de cidadania, preserva privilégios; nos prometia parlamentarismo
mas resultou num presidencialismo dos mais férreos e centralizadores.
Há, entre nós, um corporativismo
dos políticos, que se expressa de forma despudorada nas câmaras
legislativas —a partir do Senado da República e da Câmara
dos Deputados— e que precisa ser, urgentemente, questionado e dissolvido.
No fisiologismo que o sustenta, expresso na prática de que
“é dando que se recebe”, conchavos e vetos cruzados se entrelaçam
numa harmonia espantosa, resultando facilmente em crises artificiais
que nada têm a ver, realmente, com os interesses maiores da
nação. Ele transforma facilmente os representantes do
povo em representantes de seus próprios interesses: não
se pode entregar às raposas a guarda das galinhas!
Não nos isentemos de nossa própria
responsabilidade na construção deste quadro histórico
atual. De um modo ou de outro, também participamos desse inconseqüente
jogo de “me engana que eu gosto”. Não é a defesa de
interesses menores, de vantagens pequenas, de privilégios enganosos
que deve orientar nossa relação no espaço público:
da fila do ônibus à reivindicação de aposentadoria.
Muito menos ainda quando o que está em questão é
a escolha de um caminho a ser trilhado por uma nação.
Outra conclusão fundamental é a
de que a luta pela emancipação pressupõe paciência,
perseverança, muita discussão e decisões pausadas.
Não é no calor da agitação de massas,
das palavras de ordem gritadas ensurdecedoramente em nossos ouvidos,
que as boas decisões, os bons caminhos, poderão ser
encontrados. É urgentemente necessário criar espaços
de debate, como este aqui, do Mutirão Cultural, por todos os
lados, em toda a sociedade. Não é excepcional que, numa
manhã de domingo, num parque público encravado na trama
urbana desta cidade, quarenta pessoas se disponham a levantar cedo
para vir aqui assistir a este debate? Só assim aprenderemos
a considerar mais a realidade e acreditar menos em ficções
demagógicas.
A formação das idéias e
a formulação de soluções pressupõem
um tempo, um ritmo, um processo elaborativo. A ampliação
de horizontes de consciência, a inclusão de novos elementos
no espaço da reflexão, a quebra de estereótipos,
a dissolução de resistências, não se dá
em um átimo, não se resolve com repentes.
Vocês me perguntarão: e, enquanto
isso, o país pára? Não, o país não
pára, como o país não está parado, desde
que não paremos nós. É importante entender que
o produto de toda essa crise é um processo; processo que, no
contexto deste país e do mundo globalizado em que estamos vivendo,
com tantos paradoxos e desafios, é um processo civilizatório.
Não esperemos. Façamos acontecer
os espaços de debate, de reflexão, de interpelação,
de ampliação de nossa cidadania. “Quem sabe faz a hora,
não espera acontecer”, já nos recomendava Vandré
36.
Enfim, o grande resultado desta crise deve ser
o do fortalecimento da cidadania, o da generalização
da convicção de que cidadania não se delega,
nem pode ser tutelada por quem quer que seja. Somos responsáveis
pelo nosso destino. Por isso mesmo, somos responsáveis pelo
sistema político que temos, pelo sistema de representação
política que existe em nossa sociedade, pela forma como os
impostos são calculados e cobrados, pelo sistema de saúde
de que dispomos, pela forma de exercício do poder de polícia
e pela segurança que inexiste em nossa sociedade, e assim por
diante. A culpa não é “deles”, esses genéricos
outros sem cara nem identidade. A culpa é toda nossa, porque
somos os cidadãos deste país.
A
dimensão estratégico-institucional da crise
A solução passa, portanto, pela
multiplicação do debate, pela sua permeação
por todos os espaços disponíveis na sociedade: essa
é a única porta de saída —transitória—
dessa crise.
É necessário criar o que denomino
de democracia interpelativa, na qual o cidadão tem acesso,
de fato, à informação e ao debate público,
onde as opções políticas surgem do intenso intercâmbio
de idéias e do debate franco e transparente.
Precisamos criar condições para
que mais informações circulem, para que nos inteiremos
melhor da realidade não só de nosso país, mas
também do mundo em que vivemos, dimensionando melhor seus desafios
monumentais.
Evitemos chavões, respostas fáceis,
discussões incompetentes. Estou cansado de ouvir refrões
do tipo criar empregos, baixar juros, isentar de impostos, preservar
direitos, revogar a política neoliberal, e tantos outros que
mais parecem cantos de sereia porque, falados assim, não dizem
nada. São acenos demagógicos que não passam pelo
fornecimento de informações factuais e alternativas
viáveis para que possamos discutir seu conteúdo, avaliar
suas conseqüências e tirar conclusões que orientem
nossa posição de cidadãos que podem falar, influenciar
e, sobretudo, votar.
Será ótimo se toda essa crise resultar
em muitas cassações e numa sucessão de impedimentos:
do Presidente da Câmara, do Presidente da República,
de seu Vice-Presidente e de quantos outros mais for preciso. Que resulte
em prisões: de políticos, empresários, presidentes
de Bancos, de estatais, de multinacionais. Não há risco
institucional nenhum, nisso. Pelo contrário: o grande risco
institucional estará em se isso não acontecer, porque
as forças interessadas no abafamento dessas denúncias,
capitaneadas por um “acordão” PSDB-PMDB-PFL, utilizarão
a decomposição progressiva do governo Lula para aplicar-nos
mais um golpe demagógico eleitoral da estatura de um ladrão
de chinelas.
Essa crise é só uma porta de entrada,
mas com inúmeras dobradiças.
Porta de entrada, em primeiro lugar, para que
a esquerda brasileira, enfim, ingresse no século XXI. Fazendo
o luto que ainda não fez, e que a esquerda no resto do mundo
já está fazendo há vinte anos: dos erros estratégicos
cometidos, das insuficiências encontradas na interpretação
da História e do processo de progressão civilizatória
da humanidade, e dos modelos equivocados da luta política e
ideológica que desenvolveu e das soluções econômicas
que tentou implementar.
Gorbatchev, na década de 1980, já
dizia que se a sociedade socialista não fosse capaz de oferecer
condições de vida melhores do que as oferecidas pela
sociedade capitalista, não teria qualquer condição
de convencer as massas proletárias para lutar pelo seu advento.
Querem afirmação mais dura do que essa, proferida pelo
principal líder soviético da época?
A esquerda brasileira está incrivelmente
atrasada na consideração do desafio que a sociedade
globalizada da informação e do conhecimento está
apresentando para nós, nesse momento. Porque, na verdade, nossos
esquemas de referência teórica nos permitem ver mais
claro o que vai acontecer daqui a duzentos ou trezentos anos, após
os estertores do capitalismo tardio, do que nos aconselham sobre o
que fazer nos próximos dez ou cinqüenta anos. Como enfrentar
a Civilização da Anomia, nesta transição?
Como equacionar a passagem para uma Civilização do Não-Trabalho,
sem deixar que o propósito genocida de dois terços da
população da terra seja concretizado pelo poder imperial
do mundo contemporâneo? Esta era a pergunta que agitava a todo
tempo o pensamento de Antonio Rezk.
Um dos graves defeitos da cultura brasileira
é a de nos considerarmos sempre os melhores, os mais inteligentes
e espertos, capazes de nos apropriarmos das idéias dos outros
para, rapidamente, armarmos grandes e infalíveis soluções.
Foi assim, por exemplo, com o único tiro de Collor de Mello,
com suas trágicas conseqüências.
É necessário que tenhamos, como
país, mais humildade na consideração dos paradoxos
dos tempos atuais. Os problemas que nos afligem não têm,
ainda, uma solução definitiva. Será necessário
avançar em lentos e dolorosos passos, fazendo, a cada momento,
as indispensáveis opções entre barbárie
e civilização. Ainda que isso resulte, aparentemente,
em soluções instáveis ou em menor ganho relativo
a curto prazo.
Nós, esquerda brasileira, não estamos
adiante da esquerda internacional: estamos tão frágeis
quanto ela, precisamos desesperadamente, tanto quanto ela, de começar
de novo, necessitamos de melhor fundamentação teórica
e de mais paciência no trabalho político de articulação
da luta ideológica e do comprometimento de nossa sociedade
com a formulação de uma proposta civilizatória
viável para a superação do capitalismo.
Essa crise é vital para a esquerda brasileira.
É vital, também, para a sociedade
brasileira, porta de entrada para nosso enfrentamento das questões
fundamentais do mundo globalizado contemporâneo.
É necessário que, em todos os espaços
sociais possíveis, abram-se oportunidades para a discussão
a respeito da sociedade que temos e do país que queremos.
Há questões fundamentais que têm
que ser remetidas ao debate público. Como gerar oportunidades
de atividade econômica, já que o desemprego estrutural
tende a se agravar nos próximos anos? Como combater a violência,
administrar a justiça, educar melhor os nossos jovens, criar
mais solidariedade social, oferecer melhor assistência de saúde?
O voto deve ser obrigatório? Qual o melhor sistema eleitoral:
proporcional, distrital, misto? Devemos adotar um sistema presidencialista
ou parlamentarista? Como tornar os impostos mais transparentes, fazer
o cidadão participar mais diretamente das decisões sobre
a aplicação dos recursos orçamentários?
Como permitir que os cidadãos fiscalizem mais efetivamente
os atos dos legisladores, dos ocupantes das funções
executivas, dos juizes? Que lugar o Brasil deve ocupar no mundo contemporâneo?
Como nos favorecermos de nossa diversidade cultural para nos situarmos
melhor no contexto internacional? Devemos dominar o ciclo da energia
atômica? Como proteger a Amazônia e nossos recursos naturais?
E muitas perguntas mais...
Creio que é necessário um esforço
todo especial para a criação do que denomino de espaços
interpelativos, capilarmente distribuídos por toda a parte,
para que a prática do debate se torne integrante de nosso convívio
social. Para que todo brasileiro saiba que pode —e deve— ter opinião,
que tem meios de se informar, que dispõe de recursos para confrontar
idéias e optar por soluções.
Se isso for possível, espero que possamos
desembocar, daqui a pouco, em uma Assembléia Constituinte Não-Congressual,
eleita a partir de uma proximidade maior entre eleitores e eleitos.
Uma constituinte devidamente equipada com recursos de assessoramento
técnico e consulta popular para que possamos definir o que,
fundamentalmente, nos falta agora: um projeto de país com o
qual, no essencial, estejamos todos de acordo e pelo qual possamos
juntar nossas forças para construir o futuro.
Enquanto isso, tenham a certeza: o país
vai continuar funcionando, o mundo vai continuar girando, a humanidade
vai continuar caminhando, a História vai continuar sendo escrita,
e por todos nós.
|
1
- voltar Este artigo é uma revisão ampliada de minha participação
no debate com o prof. Roberto Romano, sob o mesmo título,
promovido pelo Curso de Introdução à Oratória
e Integração Social do Mutirão Cultural da
UBE — União Brasileira de Escritores no dia 18/09/2005,
no Parque da Água Branca, em São Paulo. Nas notas
de pé-de-página, foram acrescentados links
para facilitar a pesquisa das referências históricas
citadas.
Como bibliografia básica sobre nossa história, remeto ao excelente livro de Boris Fausto, História do Brasil, EDUSP – Editora da Universidade de São Paulo. São Paulo. 1994
2
- voltar Filósofo
e psicanalista, é diretor do InterPsic S. C. Ltda. http://www.interpsic.com.br/perfil/direcao.html.
Agradeço à UBE e ao Mutirão
Cultural, especialmente na pessoa desta figura tão especial
e rica de predicados que, a cada dia, se torna mais meu amigo,
que é Carlos Gadala Frydman, pela honraria de me convidarem
para participar deste debate, particularmente por ter como companheiro
nesta tarefa o prof. Roberto Romano, cujas qualidades intelectuais
são sobejamente conhecidas. E espero não decepcionar
a João Meireles Câmara, que, com tanto denodo, se
dedica a ministrar e coordenar este Curso de Introdução
à Oratória e Integração Social.
Espero que possamos, uns com os outros, no decorrer deste debate, trocar idéias e aprender um pouco mais, principalmente porque também teremos a participação deste público que, pelo que já conheço de outras oportunidades, será ativo, trazendo sua inestimável contribuição para o tema desta manhã. Não posso deixar de registrar uma homenagem especial a um nosso grande amigo que nos deixou há pouco mais de um mês: Antonio Rezk, que deveria estar aqui, sentado neste meu lugar, esgrimindo idéias com Roberto Romano. Esta foi a idéia originalmente tramada por Frydman e que nenhum de nós aceitaria perder. Rezk, nesses últimos tempos, estava fervilhando de novas idéias, e teria certamente encontrado em Roberto Romano um companheiro e tanto para encher esta sala de vibrantes propostas. O destino traiu Frydman e, com isso, perdemos todos nós. O sentimento da falta de Rezk, portanto, não estará ausente neste momento, dada sua personalidade excepcional, modelo de homem público e de intelectual que, com todo mérito, pelo carinho de sua amizade e dignidade, se impôs a todos nós como referência a ser preservada e seguida. A D. Elza Rezk e seus filhos, aqui presentes, quero manifestar, neste momento, minha homenagem a este querido amigo, lamentando mais uma vez sua falta, já que sei, por antemão, que não poderei suprir, nem mesmo em parte, o brilhantismo com que ele, seguramente, se apresentaria, se ainda estivesse entre nós.
5
- voltar Rosa, João Guimarães. Grande Sertão Veredas,
José Olympio Editora, Rio de Janeiro. 9ª Edição.
1974.
7
- voltar Sobre a biografia de Pero Vaz de Caminha e o texto de sua carta ao
Rei D. Manoel.
Fontes: http://www.mundocultural.com.br/literatura1/informativa/caminha.htm e http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/carta.html. Acesso em 15/09/2005.
9
- voltar Algumas informações adicionais sobre Fernando de Noronha,
ou Fernão de Noronha podem ser obtidas nos links abaixo:
Fontes: http://www.historiadobrasil.com.br/viagem/bios01.htm#bfn e http://www.metaphoras.com.br/ed8/provocacoes/. Acesso em 15/09/2005.
10
- voltar Uma breve e interessante história sobre a origem das Capitanias
Hereditárias pode ser encontrada nos links abaixo.
Fonte: http://www.geocities.com/capitanias/principal.htm e http://geocities.yahoo.com.br/vinicrashbr/historia/brasil/capitaniashereditarias.htm. Acesso em 15/09/2005.
11
- voltar Sobre Mem de Sá, consultar os links:
Fonte: http://www.arqnet.pt/dicionario/samem.html e http://www.novomilenio.inf.br/festas/anchie06.htm, do qual constam os versos de José de Anchieta sobre as lutas por ele travadas. Acesso em 15/09/2005.
12
- voltar Sobre a Inconfidência Mineira, consultar os links:
fontes: http://pt.wikipedia.org/wiki/Inconfidência_Mineira, http://abrali.com/033fatos_e_personagens/2104tiradentes/ tiradentes_inconf_mineira.htm, http://beta.mgconecta.com.br/~sjonline/celebridades/tiradentes.html e http://www.geocities.com/athens/marathon/9563/devassa.htm. Acesso em 15/09/2005.
13
- voltar Holanda, Sérgio Buarque de — Raízes do Brasil. 26ª
edição. Companhia das Letras. São Paulo.
2005.
14
- voltar Uma pequena descrição de atrocidades praticadas
durante a colonização pode ser encontrada no link:
Fonte: http://www.ipahb.com.br/minogen.php. Acesso em 15/09/2005.
15
- voltar Jean-Baptiste Debret (1768-1848), pintor francês, integrou a
Missão Francesa chefiada por Lebreton na corte de D. João
VI, permanecendo no Brasil entre 1816 e 1831 e dedicando-se à
pintura e ao ensino da arte.
Fonte: http://www.arqnet.pt/portal/biografias/debret.html. Acesso em 15/09/2005.
16
- voltar O coronelismo foi, seguramente, a forma mais acabada deste método
de administração pública.
Fonte: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/500br/coronelismo.htm. Acesso em 15/09/2005.
17
- voltar PSD — Partido Social Democrático, fundado em 17 de julho de
1945. pelos interventores
nomeados por Getúlio Vargas durante o Estado Novo. Participou
da maioria das eleições (proporcionais e majoritárias)
realizadas no Brasil entre 1945 e 1965 e
extinto pelo Regime Militar, por intermédio do Ato Institucional
Número Dois - o AI-2, em 27 de outubro de 1965
Seu líder mais destacado foi Juscelino Kubitschek de Oliveira.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Social_Democrático. Acesso em 15/09/2005.
18
- voltar Uma
breve relação, em ordem cronológica, de eventos
ocorridos no início do século XX no Brasil, relacionados
ao surgimento do movimento operário:
— Em 1904, estourou no Rio de Janeiro a “Revolta da Vacina”. Foi a reação da população carioca à política de modernização urbana da cidade promovida pelo presidente Rodrigues Alves. Os aluguéis encareceram, afastou a população mais pobre para longe de seus locais de trabalho. As equipes responsáveis pela vacinação e saneamento da cidade estavam autorizadas a entrar nas moradias e destruir ou apreender tudo o que considerassem prejudicial. Houve protestos nas ruas, reprimidos severamente, com prisões e mortes. Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2002/eleicoes/historia-1902.shtml. Acesso em 15/09/2005. — Em 1906 foi realizado o Primeiro Congresso Operário Brasileiro, no qual foi aprovada uma linha de atuação anarco-sindicalista e criada a Confederação Operária Brasileira (COB). Fonte: http://www.agrorede.org.br/ceca/edgar/cronA.html. Acesso em 15/09/2005. — Também em 1906 eclode a primeira greve de ferroviários na Cia. Paulista. Os grevistas utilizaram o serviço de telégrafo da empresa para se mobilizarem, enviando uma mensagem cifrada com o texto “Hoje há Ensaio”. Fonte: http://raforum.apinc.org/article.php3?id_article=181. Acesso em 15/09/2005. — Em 1910, sob a liderança do marinheiro João Cândido, estourou a Revolta da Chibata. A chibata era feita com uma corda de linho molhada, atravessada por agulhas de aço. A revolta foi realizada por marinheiros que reivindicavam a extinção desse castigo físico, herança do período monárquico e de um código elaborado no século 18. Queriam ser tratados como cidadãos republicanos, com dignidade. Apesar da repressão da revolta pelo governo federal, as chibatas foram abolidas. Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2002/eleicoes/historia-1910.shtml. Acesso em 15/09/2005. — Em 1917 ocorre a primeira greve geral operária no país (a Grande Greve de 17). Foi motivada pelos baixos salários, deteriorados pela inflação resultante das conseqüências econômicas da Primeira Guerra Mundial. Entre 1914 e 1922 a inflação nos itens básicos foi de 189%. Ela se estendeu por diversas unidades da federação. O governo havia ordenado que se atirasse em quem permanecesse parado nas ruas. Em 11 de julho, foi morto em São Paulo o sapateiro Antônio Martinez. São Paulo parou, houve barricadas em diversos bairros e repressão violenta. A greve terminou com um acordo de 20% de aumento nos salários, libertação dos grevistas presos e suspensão de demissões. Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2002/eleicoes/historia-1914.shtml. Acesso em 15/09/2005. — Em 1918 a gripe espanhola se alastrou em São Paulo. Não distinguia classes sociais, mas atingiu, evidentemente, com muito mais virulência, a população mais pobre. Rodrigues Alves, paulista, eleito pela segunda vez Presidente da República, e com 70 anos, não pôde tomar posse em razão dessa doença. Assumiu seu vice, Delfim Moreira, mineiro. Governou por um período muito curto, procurando apaziguar a oligarquia paulista em relação às manifestações e ao crescimento do movimento operário. Dissolveu a União Geral dos Trabalhadores. A política de repressão às greves operárias nessa época comportou muita violência: 50 fechamentos de organizações operárias, 14 enforcamentos e mortes de trabalhadores, 657 prisões, 31 deportações e 128 expulsões do território nacional. Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2002/eleicoes/historia-1918.shtml. Acesso em 15/09/2005.
19
- voltar O PCB foi fundado pelo gráfico e jornalista Astrojildo
Pereira Duarte Silva (1890-1965), após um longo percurso iniciado com a militância
anarquista, em 1906, à época das greves operárias.
Astrojildo foi muito impactado pela revolta dos marinheiros no
Rio de Janeiro (a revolta da Chibata, já referida anteriormente)
e pela Semana Trágica de Barcelona, Espanha, quando eclodiu
uma greve revolucionária, provocando uma feroz repressão.
O episódio culminou com o fuzilamento do pedagogo anarquista
Francisco Ferrer, acusado como responsável pela agitação
revolucionária, embora, na época dos acontecimentos
estivesse em Londres. Em todo o mundo surgiram manifestações
de indignação contra o governo espanhol. Foi assim
que Astrojildo, depois de uma viagem à Europa, dedicou-se
à organização do movimento operário,
inicialmente numa linha anarco-sindicalista. Após o III
Congresso Operário do Brasil, em abril de 1920, e das divergências
dali resultantes que levariam à cisão da COB — Confederação
Operária Brasileira, deu maior impulso ao esforço
iniciado em 1919 para a fundação de um Partido Comunista
Brasileiro. Em 7 de novembro de 1921 fundou o Grupo Comunista
do Rio de Janeiro, procurando ao mesmo tempo articular outros
grupos semelhantes que estavam se estruturando em todo o país.
Por fim, em 25 de março de 1922, conseguiu fundar oficialmente
o PCB — Partido Comunista Brasileiro, que só em 1924 recebeu
reconhecimento oficial da Internacional Comunista.
Fonte: http://www.institutoastrojildopereira.org.br/. Acesso em 15/09/2005.
20
- voltar Júlio Prates de Castilhos (1860-1903) nasceu no município
de Vila Rica (RS) que, a partir de 1905, tomou seu nome: Júlio
de Castilhos. A cidade tem origem em uma das primeiras reduções
jesuíticas do Rio Grande do Sul, criada em 1633, denominada
de Natividade de Nossa Senhora. Insere no contexto geográfico
que serviu de pano de fundo para as lutas dos republicanos contra
a monarquia e a Igreja. Diplomou-se na Faculdade de Direito de
São Paulo, onde tomou contato com as idéias positivistas
do filósofo francês Augusto Comte. Em 1893, na revolução
federalista, derrotou os "maragatos" (federalistas e
monarquistas, liderados por Gaspar Silveira Martins, que usavam
lenços vermelhos) como líder dos "pica-paus
republicanos" (adeptos do Estado local, forte e autônomo,
que usavam lenços brancos). Foi governador da Província
do Rio Grande do Sul no final do século XIX (1893 a 1899).
e líder do positivismo no Rio Grande do Sul. Suas idéias,
depois, tiveram muita influência no resto do Brasil, durante
o período do presidente Getúlio Vargas, na década
de 1930. Uma particularidade: era muito gago, tendo extrema dificuldade
de comunicação oral, o que o tornou arredio. Na
opinião de alguns de seus contemporâneos, este traço
era o responsável pelo desenvolvimento de sua personalidade
autoritária e vingativa na vida adulta. O monumento central
em bronze da Praça da Matriz de Porto Alegre (Praça
Marechal Deodoro) em homenagem a Júlio de Castilhos (construído
em 1913, na gestão do governador Carlos Barbosa) é
considerado uma das maiores expressões artísticas
do positivismo entre nós. Foi executado em Paris pelo escultor
Décio Villares, que também fez o desenho da atual
bandeira do Brasil, contendo a inscrição positivista
"Ordem e Progresso".
Fontes: http://www.jbcultura.com.br/jc/jc1.htm, http://pt.wikipedia.org/wiki/Bandeira_do_Brasil, http://www.terragaucha.com.br/julio_de_castilhos.htm e http://www.inf.ufrgs.br/turismo/poa/mon_julio.html. Acesso em 15/09/2005.
21
- voltar O culto positivista é ainda hoje praticado no Brasil. Vale
a pena conferir o site do Centro Positivista do Paraná.
Fonte: http://www.palm.com.br/cpp/. Acesso em 15/09/2005.
22
- voltar A influência positivista na formação intelectual
de Getúlio Vargas merece ser ressaltada. Filho de militar,
inicia seus estudos em São Borja e, em 1894 vai estudar
na Escola de Minas de Ouro Preto (MG). Manuel Vargas, seu pai,
foi figura importante naqueles tempos. dos primeiros a se
juntar às teses de Júlio de Castilhos. Tornou-se
chefe do Partido Republicano no município de São
Borja. É bom ter em mente que foi nesta cidade que se iniciou
a campanha contra a monarquia, no início de 1889. Manuel
Vargas participou da revolução federalista em 1893,
tendo recebido a patente de general do então presidente
da república Floriano Peixoto, Foi também prefeito
de São Borja de 1907 a 1911. Getúlio iniciou a prestação
do serviço militar em 1898, no 6º Batalhão
de Infantaria ainda em São Borja. Em 1900 matricula-se
como cadete na Escola Preparatória e Tática de Rio
Pardo (RS), de onde foi expulso por ter participado de um motim,
sendo transferido para Porto Alegre (RS) onde terminou seu serviço
militar. Matriculou-se, em 1904, na Faculdade de Direito de Porto
Alegre, formando-se em 1907. Nesta época, dedica-se ao
estudo das obras de Júlio Prates de Castilhos seguindo
as idéias que lhe haviam sido transmitidas por seu pai.
Com os amigos João Neves da Fontoura, Firmino Paim Filho,
Maurício Cardoso e dois cadetes da Escola Militar que também
se tornaram famosos, Pedro Aurélio Góes Monteiro
e Eurico Gaspar Dutra , fundou o Bloco Acadêmico dos Castilhistas.
Era uma organização de estudantes (civis e militares)
que tinha por objetivo a defesa e a propagação do
pensamento e da obra de Júlio de Castilhos.
Fontes: http://www.cidadeshistoricas.art.br/hac/bio_getu_p.htm, http://www.biblio.com.br/Templates/biografias/getuliovargas.htm e http://www.sobiografias.hpg.ig.com.br/GetulioD.html. Acesso em 15/09/2005.
23
- voltar Um bom exemplo disso foi o modo como os comunistas se apropriaram
da campanha do “O Petróleo é Nosso”, que nos foi
legada por José Bento Monteiro Lobato (1882-1948), cuja
capacidade de mobilização política e da opinião
pública é considerada por muitos como só
tendo paralelo em nossa história com a campanha abolicionista.
Nisso não foram originais, já que o populismo varguista
também se valeu desse recurso, resultando na criação,
por Getúlio Vargas, da Petrobrás.
Fontes: http://www1.folha.uol.com.br/folha/almanaque/monteirolobato.htm e http://educaterra.terra.com.br/voltaire/brasil/2003/10/01/000.htm. Acesso em 15/09/2005.
24
- voltar O PTB — Partido Trabalhista Brasileiro foi fundado por Getúlio
Vargas em 15 de maio de 1945, tendo como principal teórico
Alberto Pasqualini. O atual PTB se considera seu sucessor, o que
faz dele o único dos partidos políticos da era Vargas
ainda sobrevivente.
Fonte: http://www.ptb.org.br/historia.php. Acesso em 15/09/2005.
26
- voltar A UDN — União Democrática Nacional foi um partido político
de linha liberal-conservadora fundado em 7 de abril de 1945, opositor
das políticas de Getúlio Vargas. Entre seus líderes
mais conhecidos estão o brigadeiro Eduardo Gomes, o general
Juarez Távora e o jornalista Carlos Lacerda.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/União_Democrática_Nacional. e http://www.alerj.rj.gov.br/memoria/historia/govgb/lacerda.html. Acesso em 15/09/2005.
27
- voltar Herbert José de Sousa, o Betinho, entrevista concedida em 1991
a Renato Simões
e Sérgio Ferreira, publicada no site da Revista Teoria
e Debate http://www.fpa.org.br/td/td16/td16_memoria.htm.
Acesso em 15/09/2005.
29
- voltar JOC — Juventude Operária Católica, que congregava militantes
do meio operário; JEC — Juventude Estudantil Católica,
voltada para o ambiente estudantil secundarista; JUC — Juventude
Universitária Católica, reunindo estudantes universitários;
JIC — Juventude Independente Católica, envolvendo profissionais
liberais. Sua organização se estruturava no plano
nacional, estadual e municipal. Cada uma dessas instâncias
contava com o assessoramento de um sacerdote católico,
que ocupava a função de Assistente Espiritual. Esses
movimentos eram fortemente apoiados pelos Padres Dominicanos,
e se opunham às Cruzadas Eucarísticas e às
Congregações Marianas, de caráter mais conservador
e com interesses, por assim dizer, mais místicos, que eram
apoiadas principalmente pelos Padres Jesuítas.
Fonte: http://www.pime.org.br/pimenet/missaojovem/mjhistrenova.htm. Acesso em 15/09/2005.
30
- voltar A CNBB — Conferência Nacional dos Bispos do Brasil foi criada
entre 14 e 17 de outubro de 1952 com o objetivo de articular a
ação pastoral da Igreja católica em âmbito
nacional, tendo como seu grande inspirador D. Hélder Pessoa
Câmara, que se tornou seu primeiro Secretário Geral.
Fontes: http://www.pime.org.br/pimenet/mundoemissao/igrejacnbb2.htm e http://www.domhelder.com.br/cnbb1.htm. Acesso em 15/09/2005.
31
- voltar Durante o pós-golpe de 1964 a hierarquia católica soube
se utilizar muito bem da repressão movida pelos militares
para desarticular os movimentos de Ação Católica.
Na época, os militantes leigos, quando perseguidos ou presos,
recebiam pouco ou quase nenhum apoio da hierarquia eclesiástica,
o que não ocorreu com os sacerdotes submetidos a igual
situação. Dessa forma, os militares ficaram com
o ônus da perseguição e da desestruturação
dos movimentos de Ação Católica, o que, antes
de tudo, correspondia ao interesse da hierarquia católica.
32
- voltar A AP — Ação Popular teve suas origens em um documento
preliminar, denominado “Ideal Histórico”, surgido dentro
da JUC. Em 1961 um grupo liderado por Betinho, com assessoria
do Pe. Henrique de Souza Vaz, elaborou o chamado documento-base
que deu surgimento à AP em 1962. A tônica fundamental
desse documento era o da ética cristã diante das
questões fundamentais apresentadas pelo mundo e pela política
no início da segunda metade do século XX. Em princípios
de 1964, pouco antes do golpe militar, surgiu a fração
parlamentar do movimento, inicialmente integrada por Almino Afonso,
Paulo de Tarso Santos e Plínio de Arruda Sampaio. Nas palavras
de Betinho: a proposta da AP “ficava além do pensamento
cristão clássico e um passo aquém no debate
com o marxismo. Fazia a crítica do capitalismo, mas não
falava em socialismo. O documento-base da AP tenta situar muito
mais concretamente a questão democrática e da revolução,
da política. Foi um passo dado quando percebemos que era
impossível fazer o tipo de política que queríamos
dentro da Igreja”. Vale à pena consultar a entrevista a
respeito concedida por Betinho, em 1991, a Renato Simões e Sérgio Ferreira, publicada no
site da Revista Teoria e Debate
Fonte: http://www.fpa.org.br/td/td16/td16_memoria.htm. Acesso em 15/09/2005.
33
- voltar O site dedicado ao Pe. Henrique Cláudio de Lima Vaz, S.J. tem
uma riqueza de material que torna desnecessário estender-me
mais sobre sua biografia neste texto.
Fonte: http://www.padrevaz.hpg.ig.com.br/depoimentos.htm. Acesso em 15/09/2005.
34
- voltar O PT — Partido dos Trabalhadores
foi fundado por um grupo de intelectuais e trabalhadores no dia
10 de Fevereiro de 1980 no Colégio Sion em São Paulo
—uma renomada instituição católica de ensino
tradicionalmente voltada para as elites. Foi fruto da aproximação
dos movimentos sindicais, tais como a CUT, com antigos setores
da esquerda brasileira. Foi oficialmente reconhecido como partido
político pelo Tribunal Superior de Justiça Eleitoral
no dia 11 de Fevereiro de 1982. O PT, de certo modo, representou
a realização de um desejo longamente acalentado
pelas forças mais progressistas da Igreja Católica
de ver materializado um partido com forte adesão à
ética cristã, característica do antigo PDC
— Partido Democrata Cristão, mas com a vantagem de não
ter em seu nome a declaração de sua confissão
religiosa. Um partido mais laico do que leigo, com características,
por assim dizer, mais ecumênicas, mais popular e munido
de um instrumental teórico considerado mais apropriado
para a luta ideológica e política contra o capitalismo,
dentro da perspectiva almejada pela esquerda católica.
Desse modo, permitia o apoio efetivo da Igreja Católica
sem comprometê-la diretamente, o que evitava o re-surgimento
de conflitos como os que caracterizaram as relações
entre a Ação Católica e, posteriormente,
a Ação Popular, e a hierarquia. Em sua origem e
na sua organização inicial, além do movimento
sindical, teve papel fundamental o decidido apoio que recebeu
do “Movimento Eclesial de Base”, promovido pela Igreja Católica,
que favoreceu sua rápida penetração capilar
em toda a sociedade e a estruturação de uma militância
até então inédita entre nós, calcada
no modelo dos ativistas da Ação Católica.
É por aí que se pode entender porque o PT, ao surgir,
afirmava pretender colocar em prática uma nova forma de
socialismo democrático —que não definia—, recusando
modelos marxistas até então em voga, como o soviético
ou o chinês.
Fonte: http://www.pt.org.br, http://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_dos_Trabalhadores e http://www.pt-rs.org.br/manif_pt.htm. Acesso em 15/09/2005.
35
- voltar O PSDB — Partido da Social Democracia Brasileira foi fundado em 25
de junho de 1988, ocasião em que foi constituída
a sua Comissão Diretora Nacional Provisória, integrada
por 11 membros. Agregou em seus quadros, principalmente, um grande
número de expoentes intelectuais de origem uspiana, dentre
os quais é mais notório o então Sen. Fernando
Henrique Cardoso, além de outros políticos de renome
como Sen. Mário Covas, Sen. José Richa, Franco Montoro,
Dep.Euclides Scalco, Dep. Cristina Tavares e Dep. Moema São
Thiago. A eles se juntaram empresários mais progressistas
convencidos da necessidade da atuação política
para a criação de condições necessárias
à modernização do capitalismo brasileiro.
Fontes: http://pt.wikipedia.org/wiki/PSDB e http://www.psdb.org.br/opartido/fundacaoeorganizacao.asp#med. Acesso em 15/09/2005.
36
- voltar Geraldo Vandré, nome artístico de Geraldo Pedrosa de
Araújo Dias, músico brasileiro nascido na Paraíba
em 1935. O Vandré vem da abreviatura do nome de seu pai,
José Vandregisilo. Nos idos de 1960 cursou a Faculdade
de Direito, no Rio de Janeiro, época em que participou
do Centro Popular de Cultura, da extinta União Nacional
dos Estudantes. Em 1968 compôs Pra não dizer que
não falei de flores, também conhecida como Caminhando,
a cuja letra pertencem os versos acima citados. Pouco depois foi
obrigado a deixar o pais, pois se apresentara em televisão
como profissional sem a devida licença, tendo se exilado
inicialmente no Chile, e, posteriormente, na França, Argélia,
Alemanha, Áustria, Grécia e Bulgária. Nos
quatro anos em que permaneceu fora do Brasil, Vandré tornou-se
uma espécie de "mito" da resistência à
ditadura, e essa sua composição, um dos hinos preferidos
pelas esquerdas na resistência ao regime militar.
Fontes: http://www.mpbnet.com.br/musicos/geraldo.vandre/ e http://www.cliquemusic.com.br/artistas/geraldo-vandre.asp. Acesso em 15/09/2005. |