O PROIFES e a greve nas Universidades Federais
A greve vem colocando em cena o choque frontal de dois modelos sindicais. Por João Alberto da Costa Pinto [*]
Com o processo de contratações dos
últimos anos, milhares de novos professores ingressaram por concursos
públicos de provas e títulos nas universidades federais. A exigência do
título de doutor tem sido majoritária nesses concursos e hoje
aproximadamente 70% do corpo docente é composto por professores
doutores. Com o processo de expansão promovido pelo programa REUNI [1],
nos últimos cinco anos mais de vinte mil professores ingressaram nas
Universidades Federais, sendo a grande maioria portadora do título de
doutor. Com o REUNI e com esse processo vertiginoso de contratações, os
governos Lula e Dilma mostraram ao país a necessidade de se definir os
novos fundamentos estruturais das condições gerais de produção
capitalista no Brasil. As universidades federais nesse processo
definem-se como elemento-chave. Investir nessa instituição capitalista
fundamental é garantir os alicerces da reprodução ampliada do capital,
tanto na formação e qualificação da força de trabalho do país, como na
garantia do processo de reprodução científico-tecnológica do capital [2].
A expansão física das universidades federais para o interior do país ampliou imensamente as condições gerais de produção capitalista. Essa interiorização garantirá por várias décadas os fundamentos conectores da integração produtiva do país, porque, ao contrário da maioria das faculdades e universidades particulares que pululam como “fábricas caça-níqueis” de diplomas em qualquer cidadezinha do interior, a interiorização das universidades federais significa garantia de expansão tecnológica e formação de mão de obra de alta qualificação. Se as “fábricas caça-níqueis” agregam baixo valor a uma mão de obra que atenderá fundamentalmente o setor de serviços, as universidades federais agregam um alto valor à qualificação da mão de obra que se demarcará institucionalmente junto à produção industrial, assim como à gestão das instituições capitalistas fundamentais (empresas transnacionalizadas, órgãos do poder público e ONGs). A universidade pública deve ser defendida não porque é pública, mas porque é a melhor instituição capitalista na reprodução ampliada de alto valor tecnológico. A universidade pública é o vértice da reprodução e realização da mais-valia relativa, enquanto as “fábricas caça-níqueis” garantem os qualificadores formais de uma força de trabalho perspectivada em níveis produtivos de baixo valor tecnológico, isto é, em níveis de mais-valia absoluta[3]. Defender a universidade pública é defender o êxito de um projeto capitalista de excelência para o país. Nesse sentido, a luta dos professores nesta greve é pela manutenção exitosa do projeto capitalista que os governos Lula-Dilma colocaram em movimento.
Há quase três meses o país assiste a uma
das mais impressionantes greves já realizadas pelos professores das
universidades federais. 58 das 59 universidades foram atingidas pela
greve. Como entender isso? Como explicar que um governo socialdemocrata
que agrega em si forças políticas tradicionais no campo da esquerda
institucional (PT, PCdoB e PDT, além do PMDB) não consiga minimamente
levar a cabo um processo de diálogo com o movimento grevista, e que nos
últimos dias volte a fazer do Proifes, uma federação sindical
irrelevante, o seu principal interlocutor? O que é, afinal, essa
obscuridade institucional chamada Proifes?
O
Proifes é uma federação sindical nascida com o processo de expansão das
Universidades Federais. A sua composição política é oriunda de quadros
associados aos mesmos partidos tradicionais da esquerda capitalista que
atualmente governa o país, principalmente o PT e o PCdoB, e com vínculos
junto a duas das principais centrais sindicais, a CUT (Central Única
dos Trabalhadores) petista e a “comunista” CTB (Central dos
Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil) do PCdoB. Das 59 Universidades
Federais, o Proifes é o representante sindical em apenas sete delas. Se o
Andes-SN (vinculado à Conlutas, central sindical da esquerda
capitalista de oposição ao atual governo, centrada por um espectro
partidário composto pelo PSTU e frações do PSol) representa um
amplíssimo marco sindical no magistério público em todos os seus níveis
(federal, estadual, municipal e particular), o Proifes tem como vocação
institucional o magistério superior das Universidades Federais; aliás,
nasceu em 2004 como “parte derrotada” nas eleições para a direção do
Andes-SN. O grupo derrotado nessas eleições organizou nesse mesmo ano a
fundação do Proifes.
A greve vem colocando em cena o choque
frontal de dois modelos sindicais. O Andes-SN iniciou a greve em 17 de
maio e o Proifes, contrário a isso, só se viu em greve quase um mês
depois, no dia 15 de junho. Nessa última semana vem se organizando
autocraticamente pelo fim da greve, termo esse que vem afrontando
dezenas de milhares de professores em greve, que vêm se decidindo pela
continuidade da mesma através de assembleias realizadas em todas as
universidades federais. O Proifes “entrou” em greve num momento em que
40 universidades já estavam paralisadas e agora, através de manobras
“consultivas”, organiza junto com o governo o “fim” da greve. Se o país
sempre teve tradição de sindicatos pelegos, o Proifes ultrapassa essa
tradição em escala institucional nunca antes vista. Nunca houve na
história sindical do Brasil sindicato pelego como o Proifes. Penso que
isso não é uma sentença meramente retórica, as práticas institucionais
dos últimos dias corroboram com cristalina evidência tal termo. Mas como
explicar uma federação sindical tão irrelevante em práticas assim?
Talvez pela sua própria irrelevância institucional é que se possa
entender o porquê desse grupo obscuro movimentar-se com tanta
tranquilidade no colo do governo, afrontando sem qualquer escrúpulo
político dezenas de milhares de professores em greve que continuam a
lutar por conquistas trabalhistas que vão muito além de cifras
salariais. Tenho uma hipótese para explicar a existência institucional
do Proifes, apresento-a a seguir.
Proifes: o capitalismo sindical dos pequenos gestores-tecnocratas
Durante muitos anos (da década de 1970
até meados da década de 2000) o acesso à carreira de professor federal
dava-se majoritariamente por professores graduados ou, quando muito, por
professores mestres. Raros eram os concursos para professores doutores,
porque o mercado não tinha profissionais assim qualificados. O ingresso
numa universidade federal é que garantiria o percurso de qualificação
desse professor graduado à obtenção do seu doutorado. O sentido
político-pedagógico de uma universidade federal era o de privilegiar a
excelência do ensino nos cursos de graduação, a marca social de uma
universidade federal era essa: excelente nível de ensino por causa dos
excelentes professores (os melhores do mercado, porque avaliados por
concursos públicos); os professores eram os melhores e a instituição,
por sua vez, ainda os notabilizava mais pelas condições de titulação que
lhes oferecia. Uma carreira no magistério superior se fazia pela
excelência do ensino, com um corpo docente em processo de qualificação.
Sob essas circunstâncias, obter um doutorado e logo a seguir conseguir
ser aprovado como professor titular era a meta central de uma carreira
de sucesso. A qualificação desse professor concursado acontecia com
afastamentos remunerados de dois a três anos para um título de mestre e
de quatro a cinco anos para um título de doutor. Administrar as saídas
dos professores para a sua qualificação individual era um dos grandes
problemas na gestão dos departamentos e faculdades. Os professores se
qualificavam em carreiras individualizadas, a universidade queria deles o
título, a qualificação individual. Com os afastamentos remunerados os
professores ficavam fora da universidade por esses períodos, os demais
colegas no departamento viam-se obrigados a “substituí-los” em sala de
aula, e faziam isso porque cada um esperava a sua vez de saída; eram
comuns as “listas de saída”. Em linhas bastante resumidas era assim que
se caracterizava uma carreira docente nas universidades federais.
Essa
qualificação realizava-se em centros de “excelência” estruturados ou
fora do país (EUA e França, primordialmente) ou em universidades do Rio
de Janeiro e São Paulo. Exigia-se desse professor o deslocamento
periódico da sua moradia de origem (na cidade onde trabalhava) para
esses estudos ou mesmo fixar residência no local de estudos pelo período
do afastamento. A garantia da remuneração (salários e bolsas de
estudos) visava fundamentalmente estimular essa opção. Sair para fazer o
mestrado e o doutorado era o ápice da carreira de um professor. Voltar à
universidade de origem com o título às costas era o seu grande momento
na carreira. Dali em diante administraria o seu novo status de
professor titulado (professor-mestre assistente ou professor-doutor
adjunto); exceto ministrar as aulas, a universidade pouco lhe exigia em
termos produtivos. As principais agências de fomento (Capes e CNPq)
organizavam-se para essa qualificação docente; qualificar um professor
federal era o grande propósito dessas agências de fomento à pesquisa.
Nas assembleias desta greve uma
evidência salta aos olhos de todos: os que organizam os comandos locais
de greve são professores bastante jovens (“frangotes” como ouvi outro
dia alguém dizer) e a imensa maioria dos que se batem contra a greve
defendendo as práticas do “sindicalismo” do Proifes são professores
bastantes mais velhos; alguns muito mais velhos do que a própria velhice
demonstrada pelos cansados rostos, ainda que sempre firmíssimos nos
seus propósitos e intervenções públicas. É preciso ainda dizer que entre
os professores mais velhos também há aqueles que se mantêm firmíssimos
numa juventude nunca perdida, como também há aqueles muito jovens que
conseguem ser muito mais “velhos” do que os professores bastante mais
velhos. E como em qualquer situação institucional das nossas vidas, há
também uns poucos, jovens ou velhos, que só conseguem ser velhacos,
mas esses se asfixiam na sua própria indigência existencial. Por que
ressalvo “gerações” de professores? Por uma obviedade: os professores
mais velhos estão em cena defendendo interesses associados às suas
trajetórias dentro da universidade; muitos dos professores mais novos
são recém-contratados, ingressaram na universidade já com os seus
títulos de doutor (maioria) e/ou de mestre. A perspectiva da greve para
os mais antigos mantem-se dentro de uma esfera meramente salarial; a
perspectiva da greve para os mais novos é a do usufruto institucional da
universidade para as suas carreiras individuais. São concepções de
mundo distintas dentro do universo produtivo interno das universidades.
Os professores mais velhos honram nas suas trajetórias o sofrimento dos
anos dedicados às pesquisas que os qualificaram externamente à
universidade de origem, honram os milhares de horas-aula que ministraram
ao longo de suas vidas dentro de salas de aula lotadas de alunos na
graduação, aquelas mesmas aulas repetidas todos os anos, durante tantos
anos, em disciplinas de formação, raramente em disciplinas de
pós-graduação. Esses professores dedicaram os melhores anos de suas
vidas à universidade e foi na universidade que construíram tudo o que
são e tudo o que possuem. A materialidade institucional da universidade,
os prédios, as salas, os corredores, as passarelas, as paredes com
aquelas fotografias horrendas de professores ilustres estão carregadas
por lembranças quase fantasmáticas de trajetórias assim. Mesmo que não o
digam conscientemente, afrontam-se inconscientemente com a presença dos
milhares de professores “frangotes” que acabaram de chegar nesse mundo
que sempre lhes foi tão particular. Lutaram a vida inteira por uma
universidade pública, republicana, enfrentaram ao lado do PT, do PCdoB,
do PCB, governos reacionários que se esmeraram em vilipendiar a
universidade pública (como os famigerados anos do governo de Fernando
Henrique Cardoso); apostaram e continuam a apostar nos governos
Lula-Dilma; mas agora se vêm em guerra declarada nas assembleias contra
esse outro mundo que ajudaram a criar, o mundo dos professores
“frangotes”, a primeira geração-produto da universidade pública federal
dos governos Lula-Dilma.
Com
uma carreira marcada pelo esforço da titulação conquistada a duras
penas, muitos desses quadros qualificados a longo prazo voltaram-se para
os cargos internos da universidade. Se hoje uma carreira docente é
medida pela quantidade de artigos ou livros publicados, até bem pouco
tempo atrás o prestígio de um professor se definia no êxito de sua
trajetória dentro dos meandros burocráticos da universidade. Chefes de
departamento e diretores de faculdade consagravam o seu poder e sua
importância política em cenários como Câmaras de Graduação, Conselhos
Universitários e vários outros fóruns deliberativos internos ao
funcionamento de uma universidade. Correndo o risco de estar aqui a
simplificar uma situação bastante complexa, afirmo que tais cargos e
tais ambientes ressaltavam trajetórias individuais de professores com
fortes vínculos político-partidários no campo da esquerda capitalista
(PT, PCdoB, PCB, PDT). Um detalhe não pode ser esquecido nesta descrição
que aqui apresento: grande parte da antiga esquerda sindical (que hoje
reitera e compõe a ação institucional do Proifes) é composta por
professores que se notabilizaram localmente como professores de
esquerda, muitos ainda se dizem “comunistas” (militantes do PCdoB),
indivíduos que dedicaram toda a sua vida à Universidade que agora querem
defender das “sinecuras esquerdistas” do Andes-SN; foram militantes no
movimento estudantil, graduaram-se e tornaram-se professores na mesma
universidade e depois fizeram a carreira procurando a titulação fora
dessa universidade. Quando voltaram, encontraram uma universidade ainda
estruturada apenas em cursos de graduação, tanto que muitos que se
titularam como mestres desistiram de sair novamente à procura do título
de doutor; afinal, de que lhes valia tal título se poderiam chegar a
Adjunto 4 (o topo da carreira antes da reforma de 2005) sem precisar do
mesmo? Esse é um detalhe a observar. E os que buscaram o doutorado?
Esses, em não encontrando uma pós-graduação organizada na sua área de
pesquisa e docência, seguiram adiante no interior da universidade atrás
dos cargos. Definiram-se ao longo de décadas como especialistas na
burocracia, especialistas na “ciência oculta” do controle institucional,
pequenos gestores-tecnocratas que diante dos seus colegas em sala de
aula só conseguiam dizer: “Isso não pode!” Essa é a frase do poder do
pequeno gestor-tecnocrata universitário, a expressão emasculatória da
imaginação. Nada se podia executar dentro das universidades porque lá
estavam essas almas saloias de tez pálida a nos dizer: “Isso não pode!”.
Ao lado dessas carreiras na burocracia da universidade, preenchida por
doutores (uma exigência para os cargos), outra carreira se fez
contundente: a do professor-sindicalista, aquele professor (apenas
alguns doutores, a grande maioria era de mestres ou graduados) que
encontrou nos cargos sindicais o sentido de sua existência acadêmica.
Grandes lutas contra governos reacionários (como as do período Fernando
Henrique Cardoso) consagraram tais professores; alguns se tornaram
importantes referências institucionais no cenário da esquerda
capitalista local (da universidade). Dessas práticas de resistência,
combate e luta em defesa da universidade e das carreiras construíram-se
os sindicatos (antes associações vinculadas ao Andes, mais recentemente
transformados em sindicatos locais vinculados tanto ao ANDES [sindicato
nacional] como aos sete vinculados ao Proifes federação).
Noutro artigo aqui publicado
destaquei a ação do sindicato dos professores da Universidade Federal
de Goiás (Adufg – mantém-se a legenda original de quando era Associação
dos Docentes da UFG), e esse sindicato me parece bastante exemplar do
que aqui estou a afirmar. Tem 2200 filiados, que lhe dão uma receita
líquida e certa de quase 160 mil reais por mês, quase 2 milhões de reais
por ano, com uma sede própria em expansão física; também é dono de uma
sede de lazer campestre com ampla infraestrutura patrimonial; enfim, um
sindicato que funciona tal e qual uma empresa capitalista de médio
porte. Mas qual o motivo fundamental desse sindicato ter na sua carteira
de sócios esses 2200 filiados? Certamente que não é por causa do Coral
Adufg e muito menos pelo usufruto dos “tanques de água” (como muitos
dizem em Goiânia quando se referem a piscinas). O único motivo para que
tal conjunto de associados se mantenha sindicalizado é o plano de saúde
da empresa Unimed. É comum esta expressão entre os professores da UFG:
“sou filiado à Unimed e não à Adufg”. É bastante certo que com os
últimos acontecimentos muitos dos professores sequer “filiados à Unimed”
querem estar, só para não ter qualquer relação institucional com a
ADUFG, tamanha a afronta política que a atual direção impõe aos
professores em greve tanto dentro das Assembleias como fora delas.
O que temos com esta sucinta descrição que apresento ao leitor? O que é, afinal, o PROIFES?
As
universidades federais passam por um duro processo de transição
institucional nas suas funções produtivas basilares diante do atual
processo de expansão e integração capitalista mundial, em que o Brasil,
como potência capitalista, está envolvido. É um processo irreversível
que exigirá lastros produtivos em pesquisa das universidades federais
cada vez mais intensificados. Não há mais espaço para a existência da
antiga Universidade Federal da excelência pública no ensino; aquilo que
era marca da excelência de antes agora é marca que se exige a todas as
faculdades e universidades em qualquer lugar do país (e sejam públicas
ou privadas). A excelência acadêmica de hoje se determina pela pesquisa.
Com a profusão de cursos de pós-graduação nos últimos 15 anos,
instituiu-se um ritmo produtivo enlouquecido ao interior das
universidades, esse ritmo enlouquecido aterroriza os velhos quadros
tecnocráticos, esse ritmo produtivo estilhaça por dentro qualquer
possibilidade de existência dos “tempos tranquilos” de antes. No atual
momento produtivo de expansão generalizada das práticas de gestão
fordistas-toyotistas reproduzidas em todas as áreas do conhecimento,
exige-se de um professor o ritmo do gestor-empreendedor. Cada vez mais
as carreiras dos jovens doutores se faz pelo gerenciamento capitalista
de sua pesquisa com alguma pesquisa em rede, ou um sistema de grande
eficiência para a reprodução tecnológica da cadeia produtiva em setores
de pesquisa estratégica em redes de pesquisadores on line em
laboratórios integrados, movimentando com isso uma quantidade
extraordinária de estudantes associados, os futuros “jovens” doutores. E
mesmo se não houver esse complexo interinstitucional que remeta a
pesquisa acadêmica diretamente à produção capitalista, circuitos
institucionais são reproduzidos e ampliados nas práticas dos congressos,
simpósios, colóquios, uma gigantesca máquina empresarial capitalista
retroalimenta essas institucionalidades universitárias. Se antes um
professor doutor esperava dois anos pelo encontro nacional de sua área
para apresentar os seus trabalhos de pesquisa, hoje organiza três ou
quatro encontros internacionais por ano dentro da sua faculdade, para
dizer exatamente a mesma coisa em todos eles. Nessas realidades é que
encontramos os professores hoje em greve. Um emaranhado de contradições e
armadilhas que nos colocam em choque uns contra os outros, interesses
privados de carreiras privadas em choque num espaço institucional cada
vez mais privatizado. Mas afirmar isso é também afirmar o óbvio.
Com
a greve definiu-se um fato extraordinário: generalizaram-se dentro das
universidades solidariedades que os professores não tinham condição de
afirmar na rotina do seu próprio trabalho. Nas assembleias, nas reuniões
dos Comandos Locais de Greve, nas passeatas e em muitos outros atos
públicos, jovens e velhos professores reconhecem-se como professores de
fato. Essas solidariedades jamais serão rompidas e essas solidariedades
antagonizam não apenas um governo tecnocrata que perdeu completamente a
sua capacidade de interlocução, mas também mostram a todos a soberba dos
gestores-tecnocratas como classe dominante capitalista. É como classe
dominante capitalista na organização e controle do ciclo produtivo
transnacionalizado que os gestores-tecnocratas deveriam ser percebidos
por todos, só assim é possível o real entendimento da mecânica
institucional do poder capitalista sob o controle de indivíduos e
partidos de esquerda. A greve não se faz como luta contra um governo de
direita naquilo que se convencionava chamar de representantes
ideológico-partidários da “burguesia”. Não. É uma luta contra a esquerda
capitalista, contra os gestores-tecnocratas egressos do mundo sindical
de antes, gestores-tecnocratas formados numa locução institucional de
tempos produtivos de mais-valia absoluta, que pensavam, organizavam e
realizavam os controles produtivos do poder individual presencial, o
poder dos chefes; no caso das universidades em greve, o poder dos
antigos chefes de departamento, dos diretores de faculdade, esses que
agora não entendem porque não podem mais exclamar com toda a sua
autoridade a velha frase de antes: “Isso não pode!”. Pode, sim senhor!
Nas universidades federais em greve, cada vez mais integradas aos ritmos
ensandecidos da produção da mais-valia relativa, agora tudo é possível
porque tudo já está determinado pelos ciclos globais da produção. Se
antes os velhos gestores-tecnocratas nos roubavam a imaginação, agora os
gestores-tecnocratas estimulam-nos a realização da imaginação porque
sabem que já não é mais possível imaginar nada. Somente quando essa
selvageria institucional é interrompida, com solidariedades de novo
tipo, como as que acontecem agora com a greve, é que os jovens e velhos
professores reencontram novamente a imaginação e a aposta no futuro. Os
senhores e as senhoras do “isso não pode!” estão sendo varridos ao
esquecimento. O próprio ritmo produtivo do capitalismo acadêmico acabará
por eliminá-los em definitivo, mas a radicalidade das solidariedades
dos professores em greve no seu confronto político com o governo tem
também que enfrentar e destruir em definitivo esse “zumbi” [4] sindical da mais-valia absoluta que é o Proifes.
Esse cenáculo de pequenos
gestores-tecnocratas da esquerda sindical capitalista (PT, PCdoB, CUT,
CTB), percebendo-se como lídimo sócio do projeto capitalista
governamental, tem se apresentado aos professores em greve como
antagonista democrata do “sectarismo” sindical do Andes-SN. Como já
afirmei, os gestores-tecnocratas do Proifes são o escol remanescente de
antigos professores da Universidade Federal do “isso não pode!”, são os
antigos capitalistas sindicais que durante muitos anos administraram o
patrimônio privado de alguns sindicatos. Esses pequenos
gestores-tecnocratas olham para o sindicato não como uma relação social,
mas como uma propriedade que cresce a olhos vistos tanto em paredes,
salas e carros, como em fundos de investimento, como o que a Adufg
administra com as comissões que obtém dos sócios que se vinculam à
Unimed (em dados apresentados numa das últimas assembleias, tal fundo
totalizava um volume de mais 500 mil reais; disseram à assembleia que
esse dinheiro era um “fundo de reserva” para emergências, talvez a
emergência de um terremoto que possa pôr abaixo os jardins da sede).
Defender o patrimônio sindical-capitalista e continuar a sentir-se
“sócio” do projeto capitalista transnacionalizado dos governos
Lula-Dilma, esse é o sectarismo desses pequenos gestores-tecnocratas.
Acreditam-se à margem do movimento grevista e pensam que o podem solapar
porque no seu autismo institucional sempre podem contar, nesta briga,
com a ajuda do “irmão” mais forte (o governo). Resta aos professores em
greve não temer as práticas institucionais infames que lhes são
peculiares e destruí-los politicamente, e isso haverá de acontecer
durante a greve que ainda não tem data e tampouco motivos para se
encerrar.
Notas
[*] Professor Doutor Adjunto da Universidade Federal de Goiás.
[1] O programa Reuni
(Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais) do governo federal (Decreto 6096 de 2007) é a
marca institucional da expansão física das Universidades Federais. Para
uma descrição do programa consultar:
http://reuni.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=25&Itemid=2
http://reuni.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=25&Itemid=2
[2] A minha
argumentação neste artigo está inspirada teoricamente pelo conjunto da
obra de João Bernardo, especialmente em títulos como Economia dos conflitos sociais (2ª. Edição) (São Paulo, Expressão Popular, 2009) e Capitalismo Sindical (São Paulo, Xamã, 2008 [livro escrito com Luciano Pereira]).
[3] “Mais-valia
absoluta” e “mais-valia relativa” são conceitos clássicos na tradição
marxista. Ressalvo, contudo, que o uso que aqui faço dos mesmos
refere-se única e exclusivamente à obra de João Bernardo, notadamente ao
livro Economia dos conflitos sociais (2009). Desse livro,
remeto o leitor ao Capítulo 02 – “Mais-valia relativa e mais-valia
absoluta”, e especialmente às páginas 139-152 para uma definição geral
dos termos.
[4] “Zumbi” sindical é
um termo que extraio do artigo de Marcelo Badaró & Roberto Leher –
Docentes contra zumbis (2012); artigo que motivou a resposta de Gil
Vicente Reis de Figueiredo, Eduardo Rolim de Oliveira e Nilton Brandão –
As marionetes do sectarismo serão derrotadas pela história (2012). Os
artigos podem ser consultados nos links abaixo indicados:
http://www.adufmat.org.br/index.php/comunicacao/noticias/493-docentes-contra-zumbis
http://proifes.org.br/artigo-as-marionetes-do-sectarismo-serao-derrotadas-pela-historia/
http://www.adufmat.org.br/index.php/comunicacao/noticias/493-docentes-contra-zumbis
http://proifes.org.br/artigo-as-marionetes-do-sectarismo-serao-derrotadas-pela-historia/