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As cores do ódio
Roberto Romano
Algumas técnicas permitem dirigir massas. Goebbels usou de modo inventivo a manipulação dos jornais, rádio e cinema para assassinar milhões. Voltemos ao pensamento platônico para entender a eficácia da ideologia. NaRepública (Livro 4) Platão mostra a forma de impor atitudes mentais aos protetores da cidade. A obediência será infalível se eles tiverem nas almas “a opinião garantida pela educação relativa às coisas que devem ser temidas”. Sócrates adianta uma figura que explica o seu dito. Os tintureiros, diz ele, se querem aplicar a cor púrpura em tecidos, escolhem o branco e o preparam para receber aquele matiz. O tecido é testado com detergentes, para ver se perde a cor. Caso seja usada uma lã não branca e a tinta não receba tratamento correto, a púrpura se gasta num ridículo descolorido.
Para formar os soldados, finaliza Sócrates, devemos fazer como o tintureiro que aplica a cor indelével. O tecido, agora, é o da alma. Esta última deve ser dócil e receber a opinião da lei, relativa ao que deve ser temido. Se a técnica é falha, a opinião perde força. Magnífica análise, a platônica, dos processos autoritários usados na era antiga e moderna. Doutrinas ideológicas aplicadas com perícia técnica na alma das pessoas são indeléveis e se tornam “preconceito” ou “ética”. “Ética” se enuncia de muitos modos. Ela pode ser correta e saudável, ou mortal. Existe a ética médica para garantir vidas e, de outro lado, a exercida na máfia, agrupamentos políticos, etc. Ética é o conjunto de atitudes corporais ou anímicas aprendidas em determinado tempo que, de tanto repetidas, operam automaticamente. Elas podem se desbotar um pouco. Mas são passíveis de reavivamento, de modo a gerar certezas nos adoecidos de ideologia ou pior, nos educados apenas para seguir ideologia.
O antissemitismo é ideologia arraigada na mente de povos antigos e modernos. São inúmeras as tinturarias da alma que funcionaram em ritmo industrial na história do Ocidente, para aplicar nas almas o ódio contra os judeus. A Idade Média imprimiu ódio contra os judeus com a desculpa do deicídio. Entre os protestantes Lutero exagerou em textos comoOs judeus e suas mentiras (1543). A atitude genocida encontra-se em outros textos do Reformador, por exemplo no terrível As últimas palavras de Davi . Quem deseja mais dados, leia o escrito de H. Oberman: The roots of anti semitism (Philadelphia, Fortress Press, 1984). Não por acaso aqueles textos de Lutero receberam enorme publicidade na Alemanha, entre 1933 e 1945. A receita de Lutero foi seguida pelos genocidas: queimar sinagogas, arrasar moradias, destruir livros de oração, expulsar os judeus do país.
O caso é estudado por analistas de hoje, recomenda-se aos honestos intelectualmente a leitura de M. U. Edwards Jr.:Luther’s Last Battles: Politics and Polemics, 1531-46 (Ithaca, Cornell Univ. Press, 1983). O antissemitismo do século 20 não foi monopólio dos cristãos. Os supostos ateus da URSS e países auxiliares nutriram ódio contra os judeus, encetaram pogroms e perseguições. A tinturaria das almas tem filiais espalhadas pelo mundo e forma o que M. Ponty denominou, ao falar de Maquiavel, “a comunhão negra dos santos”.
Na semana passada o mundo constatou, sem muita perplexidade dada a eficácia da propaganda contra os judeus, atos gravíssimos. Em primeiro lugar vem a notícia de que o pretenso bombardeio de uma escola da ONU não ocorreu. A mentira foi divulgada pelos jornais importantes com direito a fotos. A verdade aparece, tímida, oculta pelos mesmos periódicos. O governo de Chávez patrocina a destruição de uma sinagoga. No Rio Grande do Sul, outro local de culto judeu foi profanado com símbolos nazistas.
A tinturaria mentirosa opera rápido. Ela apenas revigora os desbotados matizes do ódio que, na vida democrática, pareciam perdidos. Apelo aos honestos: aceitar o antisemitismo de esquerda ou direita é seguir o rumo da barbárie. Esta não salva ninguém da morte coletiva, em especial os árabes que hoje espalham doutrinas racistas. Eles também serão vítimas do que hoje pregam de maneira automática.
Algumas técnicas permitem dirigir massas. Goebbels usou de modo inventivo a manipulação dos jornais, rádio e cinema para assassinar milhões. Voltemos ao pensamento platônico para entender a eficácia da ideologia. Na
Para formar os soldados, finaliza Sócrates, devemos fazer como o tintureiro que aplica a cor indelével. O tecido, agora, é o da alma. Esta última deve ser dócil e receber a opinião da lei, relativa ao que deve ser temido. Se a técnica é falha, a opinião perde força. Magnífica análise, a platônica, dos processos autoritários usados na era antiga e moderna. Doutrinas ideológicas aplicadas com perícia técnica na alma das pessoas são indeléveis e se tornam “preconceito” ou “ética”. “Ética” se enuncia de muitos modos. Ela pode ser correta e saudável, ou mortal. Existe a ética médica para garantir vidas e, de outro lado, a exercida na máfia, agrupamentos políticos, etc. Ética é o conjunto de atitudes corporais ou anímicas aprendidas em determinado tempo que, de tanto repetidas, operam automaticamente. Elas podem se desbotar um pouco. Mas são passíveis de reavivamento, de modo a gerar certezas nos adoecidos de ideologia ou pior, nos educados apenas para seguir ideologia.
O antissemitismo é ideologia arraigada na mente de povos antigos e modernos. São inúmeras as tinturarias da alma que funcionaram em ritmo industrial na história do Ocidente, para aplicar nas almas o ódio contra os judeus. A Idade Média imprimiu ódio contra os judeus com a desculpa do deicídio. Entre os protestantes Lutero exagerou em textos como
O caso é estudado por analistas de hoje, recomenda-se aos honestos intelectualmente a leitura de M. U. Edwards Jr.:
Na semana passada o mundo constatou, sem muita perplexidade dada a eficácia da propaganda contra os judeus, atos gravíssimos. Em primeiro lugar vem a notícia de que o pretenso bombardeio de uma escola da ONU não ocorreu. A mentira foi divulgada pelos jornais importantes com direito a fotos. A verdade aparece, tímida, oculta pelos mesmos periódicos. O governo de Chávez patrocina a destruição de uma sinagoga. No Rio Grande do Sul, outro local de culto judeu foi profanado com símbolos nazistas.
A tinturaria mentirosa opera rápido. Ela apenas revigora os desbotados matizes do ódio que, na vida democrática, pareciam perdidos. Apelo aos honestos: aceitar o antisemitismo de esquerda ou direita é seguir o rumo da barbárie. Esta não salva ninguém da morte coletiva, em especial os árabes que hoje espalham doutrinas racistas. Eles também serão vítimas do que hoje pregam de maneira automática.