domingo, 30 de maio de 2010

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Decano do STF defende supressão do foro

Autor(es): Juliano Basile, de Brasília
Valor Econômico - 28/05/2010

Apenas os chefes de Poder deveriam ter foro privilegiado. As demais autoridades públicas e os parlamentares deveriam responder a crimes na 1ª instância do Judiciário. Essa posição é defendida pelo ministro Celso de Mello, o decano do Supremo Tribunal Federal (STF). Para ele, o foro privilegiado atual não se justifica, pois dá aos parlamentares um privilégio que não existiu nem nos tempos do Império.

"Sou a favor da supressão pura e simples da prerrogativa de foro em relação a qualquer autoridade pública", afirmou Celso ao Valor. "Que os magistrados de 1ª instância sejam os juízes naturais de todas as causas penais envolvendo políticos", completou.

Há 21 anos no STF, o ministro Celso avalia que a Constituição de 1988 é a pior de todas quanto à prerrogativa de foro - nome técnico do foro privilegiado. Ela prevê até 20 hipóteses de forodes do governo. Para se ter uma comparação, a Constituição dede 1824, fixou apenas cinco hipóteses. O pior é que a Constituição de 1988 ainda deu autorização aos Estados para incluir, em suas constituições, novas hipóteses de prerrogativa deforo perante os tribunais de Justiça. "É Deus e todo o mundo", diz o ministro. Até conselheiros de tribunais de contas têm foro privilegiado no Brasil. para políticos e autorida Império,

"Pretendendo ser republicana, a Carta de 88 mostrou-se estranhamente aristocrática", lamenta Celso. Nas contas do ministro, o Brasil viveu por 145 anos sem o foro para parlamentares. Mais precisamente, entre 25 de março de 1824, data da promulgação da Constituição Imperial, até 30 de outubro de 1969, quando o triunvirato militar outorgou a Emenda nº 1 à Constituição dedeu foro e deu tantos privilégios aos políticos quanto a de 88. 1967. Nesse meio tempo, o Brasil teve cinco constituições, em 1891, 1934, 37, 46 e 67. Nenhuma conce

Por causa do foro privilegiado o STF ficou exatos 36 anos sem condenar um político: entre 1974 e 2010. Nesse período, houve situações constrangedoras, como o caso do então deputado Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB) que, acusado de tentativa de homicídio, renunciou às vésperas do julgamento no Supremo para perder o foro e fazer com que o processo fosse levado à 1ª instância, onde voltaria à estaca zero.

O foro também atrasou o julgamento do deputado Jader Barbalho (PMDB-PA). Acusado dedesvio de dinheiro público quando era ministro da Reforma Agrária, nos anos 80, Jader começou a responder ao inquérito no STF. Ele deixou o cargo e o caso caiu para a 1ª instância. Em seguida, Jader foi eleito governador e o processo subiu para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Terminado o mandato, Jader tornou-se cidadão comum. O caso voltou para a 1ª instância. Depois, elegeu-se senador e o processo voltou para o STF. Ao fim, o tribunal só conseguiu julgar e receber a denúncia contra Jader 19 anos, 11 meses e 27 dias depois de apresentada pelo Ministério Público.

Até 13 de maio passado, a última condenação havia ocorrido em 1974, quando o então deputado Chico Pinto, do MDB da Bahia, denunciou o regime do ditador chileno Augusto Pinochet. Ele foi denunciado por crime contra a segurança nacional pelo procurador-geral da República na época, Moreira Alves, que, depois, viria a ocupar o posto de ministro do STF por mais de 28 anos, entre 1974 e 2003. Pinto acabou preso por seis meses. Em seguida, um deputado da Arena fez discurso contra o ditador cubano Fidel Castro. A oposição entrou com ação contra ele no STF, alegando o mesmo delito de Chico Pinto. Mas o caso foi arquivado a pedido do procurador-geral. Pinto morreu em 2008.

Celso foi relator do processo que levou à condenação do deputado federal Cássio Taniguchi (DEM-PR). A decisão foi tomada na última quinta-feira, uma semana após o tribunal ter condenado o deputado federal Zé Gerardo (PMDB-CE), em 13 de maio. Ambos foram julgados por crimes cometidos quando eram prefeitos, ainda nos anos 90. E, nos dois casos, os crimes foram o desvio de verbas de convênios. As verbas foram aplicadas, mas não da forma como estavam pré-estabelecidas nos convênios. Gerardo vai pagar multas e prestar serviços comunitários. Já Taniguchi ficou sem qualquer punição. Como o processo do deputado paranaense demorou a subir para o STF, os crimes contra ele prescreveram, em 2004, bem antes do julgamento, na semana passada. Com isso, o Supremo julgou e condenou. Mas não puniu.

"Essa é uma questão que depende de reforma constitucional", advertiu Celso. "O Congresso deveria refletir sobre isso e pura e simplesmente suprimir as hipóteses de prerrogativa de foro."

O decano do STF defende a supressão do foro, como ocorre nos Estados Unidos. Lá, o presidente tem imunidade e não pode ser processado enquanto estiver no mandato. Mas, depois, ele pode ser julgado pela 1ª instância da Justiça. "Eu acho que tem que ser assim. Alguns dizem que é muito radical. Sugiro, então, a seguinte fórmula: que se dê prerrogativa deforo apenas aos chefes de poderes." São os presidentes da República, do Senado, da Câmara e do STF. "Seria um bom critério."