sábado, 22 de maio de 2010

Blog de Marta Bellini...





O fetiche de quantidade

Metas de produtividade e burocracia acadêmica diminuem o potencial de pesquisas científicas

A criação de conhecimento não pode ser medida somente pelo número de trabalhos escritos pelos pesquisadores, como é a tendência atual no Brasil

RENATO MEZAN
FOLHA DE SÃO PAULO

A cada tanto tempo, volta-se a discutir como deve ser avaliado o trabalho dos professores. O grande número de pessoas envolvidas nos diversos níveis de ensino, assim como o de artigos e livros que materializam resultados de pesquisa, tem determinado uma preferência por medidas quantitativas.

Se estas podem trazer informações úteis como dado parcial para comparar resultados de escolas em vestibulares ou o desempenho médio de alunos em determinada matéria, sua aplicação como único critério de "produtividade" na pós-graduação vem gerando -a meu ver, pelo menos- distorções bastante sérias.

Não é meu intuito recusar, em princípio, a avaliação externa
, que considero útil e necessária. Gostaria apenas de lembrar que a criação de conhecimento não pode ser medida somente pelo número de trabalhos escritos pelos pesquisadores, como é a tendência atual no Brasil. Tampouco me parece correta a fetichização da forma "artigo em revista" em detrimento de textos de maior fôlego, para cuja elaboração, às vezes, são necessários anos de trabalho paciente.

A mesma concepção tem conduzido ao encurtamento dos prazos para a defesa de dissertações e teses na área de humanas, com o que se torna difícil que exibam a qualidade de muitas das realizadas com mais vagar, que (também) por isso se tornaram referência nos campos respectivos.

O equívoco desse conjunto de posturas tornou-se, mais uma vez, sensível para mim ao ler dois livros que narram grandes aventuras do intelecto: "O Último Teorema de Fermat", de Simon Singh (ed. Record), e "O Homem Que Amava a China", de Simon Winchester (Companhia das Letras).

O leitor talvez objete que não se podem comparar as realizações de que tratam com o trabalho de pesquisadores iniciantes; lembro, porém, que os autores delas também começaram modestamente e que, se lhes tivessem sido impostas as condições que critico, provavelmente não teriam podido desenvolver as capacidades que lhes permitiram chegar até onde chegaram.