Uma analise simples porem no ponto sobre a crise da Europa (perfeitamente aplicavel ao Imperio, ...
JOÃO PEREIRA COUTINHO
Não existe almoço grátis
VIVER EM PORTUGAL é habitar um conto de Charles Dickens: olhamos para o presente e percebemos nele o Fantasma do Natal Futuro.
O presente é tranquilo: a crise que varre a Europa não afetou ainda os portugueses, que continuam a consumir como se não houvesse amanhã. Mas existe amanhã e o Fantasma do Natal Futuro fala grego e vive em Atenas. O filme não é agradável: protestos nas ruas, três mortos até ao momento. Um pacote de ajuda internacional (110 bilhões de euros) que, segundo os especialistas, não evitará a falência e a saída do euro. Os gregos são nossa imagem futura.
Aliás, não apenas a nossa. Existem apostas sobre as próximas vítimas. Portugal lidera a corrida. A Espanha vem a seguir. Depois a Irlanda. Depois a Itália. Eis os PIIGS, para usar o acrônimo suíno com que os países do Norte olham para o clube. Estamos todos no mesmo chiqueiro. Ou não? Verdade: o deficit português está cinco pontos abaixo do grego, por exemplo. Mas, em contrapartida, o total das nossas dívidas é maior, o que dificulta um crescimento econômico no médio prazo.
E, talvez mais importante, os nossos problemas econômicos radicam na mesma falência moral. Palavras pesadas? Talvez. Mas quando falamos de "moralidade", falamos apenas da justeza de certos comportamentos humanos. E o comportamento dos portugueses, juntamente com os dos seus irmãos porquinhos, é a explicação principal para o atual desarranjo. Se dúvidas houvesse, bastaria assistir a um noticiário luso. Eu assisto, todos os dias. E todos os dias pasmo com a clarividência dos meus compatriotas, que não toleram qualquer medida de austeridade para tapar o abismo das finanças públicas.
Na semana passada, uma feroz trabalhadora portuguesa declarava a um jornalista que não suportaria calada qualquer mexida no seu bolso. "A casa, o carro, as férias -se me cortam o salário, como é que eu posso pagar tudo isso?" O jornalista ouviu. Não replicou o óbvio: e por que motivo a senhora tem tudo isso se não está segura de que pode pagar a conta?
Entendo o jornalista. Provavelmente, ele próprio estaria a pensar na sua casa, no seu carro, nas suas férias. No planeta Terra, comprar uma casa ou um carro seria o resultado do trabalho, da poupança, eventualmente do investimento. E esse processo, que constitui a base de qualquer economia sustentável, exige certas virtudes antiquadas, como o esforço, a prudência ou a frugalidade. Não existe almoço grátis.
Mas os portugueses e restantes parceiros viveram em Marte. E acreditaram que seria possível não produzir como os alemães, mas consumir como eles. Milagre? Não. Crédito fácil. Quem precisa trabalhar, poupar e investir quando existe dinheiro à disposição para pagar casas, carros e férias?
Estou a ser injusto. A cultura da irresponsabilidade não caiu do céu. Como escrevia recentemente Theodore Dalrymple no "City Journal", o comportamento das massas foi promovido pela corrupção democrática dos seus líderes. Foi promovido por governos sucessivos que, alçados ao poder, alimentavam a fantasia do bolso infinito, uma forma indireta de subornarem os seus eleitorados.
A Grécia, nesse capítulo, foi provavelmente imbatível: um país que concedia "subsídios de Páscoa" aos seus trabalhadores não merece apenas falir. Também merece um aplauso pela criatividade. É por isso que os gregos não foram apenas fraudulentos na forma como manipularam os seus indicadores econômicos para enganar Bruxelas. A fraude grega é a fraude portuguesa, ou espanhola, ou irlandesa, ou italiana. É a fraude de professar que é possível viver continuamente acima das posses de cada um.
Azar. Com a crise financeira de 2008, e a imperiosidade necessidade de salvar as economias do abismo, as dívidas dispararam para a estratosfera e a Europa olhou-se no espelho pela primeira vez. Sobretudo a Europa periférica, que vivia de empréstimos para pagar empréstimos, um perfeito esquema Ponzi que aterrorizou os mercados.
E agora? Antes do euro, a desvalorização da moeda era o caminho lógico para aumentar a competitividade das economias. Por outras palavras: os países empobreciam voluntariamente, mas eles continuavam a flutuar. Com o euro, a desvalorização está interdita aos países relapsos. Mas a fatura será igual: empobrecer. E, quem sabe, um dia contar aos netos que a festa foi boa enquanto durou.
Não existe almoço grátis
Acreditaram que seria possível não produzir como os alemães, mas consumir como eles |
VIVER EM PORTUGAL é habitar um conto de Charles Dickens: olhamos para o presente e percebemos nele o Fantasma do Natal Futuro.
O presente é tranquilo: a crise que varre a Europa não afetou ainda os portugueses, que continuam a consumir como se não houvesse amanhã. Mas existe amanhã e o Fantasma do Natal Futuro fala grego e vive em Atenas. O filme não é agradável: protestos nas ruas, três mortos até ao momento. Um pacote de ajuda internacional (110 bilhões de euros) que, segundo os especialistas, não evitará a falência e a saída do euro. Os gregos são nossa imagem futura.
Aliás, não apenas a nossa. Existem apostas sobre as próximas vítimas. Portugal lidera a corrida. A Espanha vem a seguir. Depois a Irlanda. Depois a Itália. Eis os PIIGS, para usar o acrônimo suíno com que os países do Norte olham para o clube. Estamos todos no mesmo chiqueiro. Ou não? Verdade: o deficit português está cinco pontos abaixo do grego, por exemplo. Mas, em contrapartida, o total das nossas dívidas é maior, o que dificulta um crescimento econômico no médio prazo.
E, talvez mais importante, os nossos problemas econômicos radicam na mesma falência moral. Palavras pesadas? Talvez. Mas quando falamos de "moralidade", falamos apenas da justeza de certos comportamentos humanos. E o comportamento dos portugueses, juntamente com os dos seus irmãos porquinhos, é a explicação principal para o atual desarranjo. Se dúvidas houvesse, bastaria assistir a um noticiário luso. Eu assisto, todos os dias. E todos os dias pasmo com a clarividência dos meus compatriotas, que não toleram qualquer medida de austeridade para tapar o abismo das finanças públicas.
Na semana passada, uma feroz trabalhadora portuguesa declarava a um jornalista que não suportaria calada qualquer mexida no seu bolso. "A casa, o carro, as férias -se me cortam o salário, como é que eu posso pagar tudo isso?" O jornalista ouviu. Não replicou o óbvio: e por que motivo a senhora tem tudo isso se não está segura de que pode pagar a conta?
Entendo o jornalista. Provavelmente, ele próprio estaria a pensar na sua casa, no seu carro, nas suas férias. No planeta Terra, comprar uma casa ou um carro seria o resultado do trabalho, da poupança, eventualmente do investimento. E esse processo, que constitui a base de qualquer economia sustentável, exige certas virtudes antiquadas, como o esforço, a prudência ou a frugalidade. Não existe almoço grátis.
Mas os portugueses e restantes parceiros viveram em Marte. E acreditaram que seria possível não produzir como os alemães, mas consumir como eles. Milagre? Não. Crédito fácil. Quem precisa trabalhar, poupar e investir quando existe dinheiro à disposição para pagar casas, carros e férias?
Estou a ser injusto. A cultura da irresponsabilidade não caiu do céu. Como escrevia recentemente Theodore Dalrymple no "City Journal", o comportamento das massas foi promovido pela corrupção democrática dos seus líderes. Foi promovido por governos sucessivos que, alçados ao poder, alimentavam a fantasia do bolso infinito, uma forma indireta de subornarem os seus eleitorados.
A Grécia, nesse capítulo, foi provavelmente imbatível: um país que concedia "subsídios de Páscoa" aos seus trabalhadores não merece apenas falir. Também merece um aplauso pela criatividade. É por isso que os gregos não foram apenas fraudulentos na forma como manipularam os seus indicadores econômicos para enganar Bruxelas. A fraude grega é a fraude portuguesa, ou espanhola, ou irlandesa, ou italiana. É a fraude de professar que é possível viver continuamente acima das posses de cada um.
Azar. Com a crise financeira de 2008, e a imperiosidade necessidade de salvar as economias do abismo, as dívidas dispararam para a estratosfera e a Europa olhou-se no espelho pela primeira vez. Sobretudo a Europa periférica, que vivia de empréstimos para pagar empréstimos, um perfeito esquema Ponzi que aterrorizou os mercados.
E agora? Antes do euro, a desvalorização da moeda era o caminho lógico para aumentar a competitividade das economias. Por outras palavras: os países empobreciam voluntariamente, mas eles continuavam a flutuar. Com o euro, a desvalorização está interdita aos países relapsos. Mas a fatura será igual: empobrecer. E, quem sabe, um dia contar aos netos que a festa foi boa enquanto durou.