A primeira privatização petista
08 de fevereiro de 2012 | 3h 06
O Estado de S.Paulo
O governo petista fez, afinal, sua primeira grande
privatização, entregando três dos principais aeroportos do País -
Guarulhos, Viracopos e Brasília - a consórcios com participação de
capitais brasileiros e estrangeiros. Há alguma esperança, portanto, de
que o País venha a ter aeroportos mais modernos, com maior capacidade
operacional e melhores condições de atendimento num futuro não muito
remoto. Deixando para trás o velho discurso partidário, a presidente
Dilma Rousseff aceitou repetir três características importantes das
privatizações dos anos 90: a presença decisiva de fundos de pensão de
estatais, o compromisso do BNDES de financiar a maior parte dos
investimentos necessários e o leilão baseado no maior lance e não na
menor tarifa.
Houve duas diferenças importantes. As maiores empresas participantes
da licitação, como Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa,
desistiram de acompanhar os lances mais altos. Ficaram fora, na rodada
final. O ágio chegou a 159,8% no leilão de Viracopos, 373,5% no de
Guarulhos e 673,4% no de Brasília, com arrecadação total de R$ 24,535
bilhões. A outra grande novidade em relação aos leilões anteriores foi a
presença do Estado como grande acionista: a Infraero terá uma fatia de
49% nos três consórcios. Na prática, portanto, quase metade da
arrecadação total nunca será, de fato, entregue ao Tesouro, porque o
Estado está dos dois lados do negócio.
Pelo menos um ponto parece fora de dúvida. Se os consórcios levarem a
sério suas tarefas, a administração dos três aeroportos será muito
melhor do que seria se continuassem sob a responsabilidade da Infraero.
Os três serão administrados por empresas com razoável experiência no
setor. O consórcio Invepar, vencedor do leilão de Guarulhos, associou-se
à Acsa, operadora de nove aeroportos na África do Sul, incluídos três
internacionais. A gestão do aeroporto de Viracopos poderá ser
beneficiada pela experiência da francesa Egis Airport Operation. A
argentina Corporación América, associada à Engevix na disputa de
Brasília, está presente em 48 aeroportos - a maioria na própria
Argentina, na Itália, na Armênia, no Equador e no Uruguai.
Operadoras de maior reputação, como a alemã Fraport e a suíça Zürich,
deixaram o leilão antes do fim, juntamente com as grandes construtoras
brasileiras, mas isso não desqualifica as participantes dos consórcios
vencedores.
O governo tomou o rumo da privatização depois de reconhecer a
incapacidade da Infraero de realizar as melhorias necessárias não só
para a realização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de
2016, mas também para a prestação normal dos serviços num mercado em
expansão muito rápida. A estatal tem mostrado grave ineficiência tanto
na gestão dos aeroportos quanto na realização dos investimentos
programados. No ano passado a Infraero bateu um recorde, investindo R$
1,14 bilhão, mas, ainda assim, só conseguiu aplicar 75,6% da verba
programada. Em 2010, o dinheiro investido correspondeu a apenas 59,5% do
previsto. Em 2009 não passou de 42,9%. O problema, de modo geral, não é
a disponibilidade de recursos - embora o total disponível seja inferior
ao necessário -, mas a qualidade da gestão. Esta deficiência permeia a
maior parte da administração federal.
Como o governo deu prioridade ao ágio, deixando em plano inferior a
questão das tarifas, o custo para o usuário provavelmente será
aumentado. Os consórcios terão de investir não só em pistas e em
condições técnicas de operação, mas também no atendimento aos clientes.
Terão de recorrer a tarifas para compensar tanto esses investimentos
como o ágio elevado.
Mesmo assim, o resultado final poderá ser muito positivo, se
ocorrerem as melhorias indispensáveis. Se a Infraero continuasse
administrando aqueles aeroportos, mantendo a má qualidade e a pouca
variedade de seus serviços, que todos os seus usuários conhecem, seria
inevitável algum aumento de custos para o público, simplesmente como
consequência da inflação e das necessidades de financiamento do setor
público. Em resumo, os serviços seriam os mesmos - ruins e escassos -,
mas a um custo maior. Há motivos, portanto, para otimismo,
principalmente se o governo continuar privatizando o setor.