Justiça
Eliana Calmon: "O Judiciário não é dos juízes, é da nação"
Ao site de VEJA, corregedora do CNJ diz que com o debate dos últimos meses a Justiça "se abriu". E para ela, após julgamento do STF, é hora de "zerar tudo"
Gabriel Castro
A corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon
(Ricardo Lima/Folhapress)
"Tenho maturidade institucional suficiente para saber que, quando se discute politicamente, não existe espaço para mágoas de Eliana Calmon"
Desde que falou sobre a existência de "bandidos de toga", há três
meses, a corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Eliana
Calmon, transformou-se na principal personagem do debate sobre as
atribuições do colegiado. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF),
nesta quinta-feira, significa uma vitória para as teses defendidas pela
jurista baiana de 67 anos, que também é ministra do Superior Tribunal
de Justiça, no que diz respeito aos poderes do CNJ para investigar e
punir juízes. Os ministros do STF consideraram que o órgão pode
instaurar processos contra magistrados independentemente da atuação da
corregedoria dos tribunais. A discussão até a decisão de ontem foi tensa
e desgastante, mas Eliana Calmon diz ao site de VEJA que não guarda
mágoas.
O STF ainda não encerrou totalmente o julgamento e, em um dos itens analisados, a AMB teve a argumentação aceita, naquele que diz
que o CNJ só pode aplicar punições que estejam previstas na Lei
Orgânica da Magistratura para casos de abuso de autoridade cometidos por
servidores públicos. De forma geral, o saldo é positivo?
O
saldo é positivo. Nós não terminamos o julgamento ainda, a liminar
continua valendo. Vamos aguardar, na quarta-feira, o término do
julgamento. Mas, de qualquer forma, pelo que já foi decidido, eu entendo
que houve a vitória de duas teses de importância fundamental para a
cidadania. A primeira é a publicidade dos julgamentos do conselho. A
segunda foi em relação à competência do CNJ, que é concorrente e não
subsidiária. Isto é muito importante. O resto é a cereja do bolo.
A senhora sai magoada dessa disputa?
Não. Eu tenho
maturidade institucional suficiente para saber que, quando se discute
politicamente - e nós estamos discutindo política pública -, não existe
espaço para mágoas de Eliana Calmon. O que existe é: vamos zerar tudo
para começar a aplicar a jurisprudência do STF. E enaltecer os bons
magistrados, os bons juízes, que foram os grandes vencedores.
A senhora surpreendeu-se com a ministra Rosa Weber, que estava estreando e votou a favor do CNJ?
Ela
me pareceu segura e se posicionou com as teses que eu defendia. No
final, o ministro Marco Aurélio Mello fez algumas perguntas e houve uma
certa confusão, mas isso é normal. Ela é uma neófita no Supremo, mas é
uma julgadora experiente.
O Procurador-Geral da República arquivou nesta semana uma
representação da Associação dos Magistrados Brasileiros em que a senhora
era acusada de violação de sigilo funcional.
Eu fiquei, de
início, um pouco assustada com essa acusação, mas depois eu disse: "Bem,
eles estão jogando todas as fichas". Não foi uma coisa boa nem para mim
nem para eles. Eu não gostaria de comentar o assunto.
A senhora concorda com o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, que disse não haver crise no Judiciário?
Concordo.
Não existe crise. O que existe é a cultura velha e a cultura nova.
Existe uma parcela da magistratura, e me parece pequena pelos apoios que
eu tenho recebido, que está tentando manter uma velha cultura: a
cultura do biombo, como diz o ministro Ayres Britto, a cultura de não
corrigir o Judiciário publicamente e de sempre deixar que nós mesmos
façamos as correções. É a cultura do CNJ subsidiário. A cultura nova diz
o seguinte: "Todos estamos empenhados nas mesmas coisas". O Judiciário
não é dos juízes, é da nação. É dos jurisdicionados. Todos os segmentos
da sociedade têm participação nele. E isso é que é bonito na democracia.
Nesse julgamento, até pelos votos de teses contrárias nós tiramos
lições.
A repercussão de algumas de suas declarações, especialmente a
da frase sobre os "bandidos de toga", mostra que Judiciário não está
acostumado a debater seu próprio trabalho ? Nós estamos
justamente abrindo o Judiciário para que ele seja questionado por todos
que fazem uso deste poder. Aquela primeira entrevista e esses debates
todos ajudam a abrir o Judiciário.