sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Veja. Admiro a sua atuação, mas discordo da ministra. Existe crise, sim. E o embate da "velha" cultura com a "nova" (nem tão nova, assim, pois data pelo menos dos séculos XVI e XVII) mostra que boa parte do nosso judiciário vive em regime absolutista ou...napoleônico. Tais setores se julgam um estamento superior ao comum dos mortais, ou se julgam, na vertente napolêonica e contrária à democracia, como em todos os termidorianos, uma seleta de funcionários do poder estatal, que não devem contas a ninguém, salvo ao Chefe do Estado. A crise é bem vinda, pois dá esperanças de novos rumos, democráticos. RR


03/02/2012 - 13:44

Justiça

Eliana Calmon: "O Judiciário não é dos juízes, é da nação"

Ao site de VEJA, corregedora do CNJ diz que com o debate dos últimos meses a Justiça "se abriu". E para ela, após julgamento do STF, é hora de "zerar tudo"

Gabriel Castro
A corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon A corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon (Ricardo Lima/Folhapress)

"Tenho maturidade institucional suficiente para saber que, quando se discute politicamente, não existe espaço para mágoas de Eliana Calmon"

Desde que falou sobre a existência de "bandidos de toga", há três meses, a corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Eliana Calmon, transformou-se na principal personagem do debate sobre as atribuições do colegiado. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quinta-feira, significa uma vitória para as teses defendidas pela jurista baiana de 67 anos, que também é ministra do Superior Tribunal de Justiça, no que diz respeito aos poderes do CNJ para investigar e punir juízes. Os ministros do STF consideraram que o órgão pode instaurar processos contra magistrados independentemente da atuação da corregedoria dos tribunais. A discussão até a decisão de ontem foi tensa e desgastante, mas Eliana Calmon diz ao site de VEJA que não guarda mágoas.

O STF ainda não encerrou totalmente o julgamento e, em um dos itens analisados, a AMB teve a argumentação aceita, naquele que diz que o CNJ só pode aplicar punições que estejam previstas na Lei Orgânica da Magistratura para casos de abuso de autoridade cometidos por servidores públicos. De forma geral, o saldo é positivo? 

 O saldo é positivo. Nós não terminamos o julgamento ainda, a liminar continua valendo. Vamos aguardar, na quarta-feira, o término do julgamento. Mas, de qualquer forma, pelo que já foi decidido, eu entendo que houve a vitória de duas teses de importância fundamental para a cidadania. A primeira é a publicidade dos julgamentos do conselho. A segunda foi em relação à competência do CNJ, que é concorrente e não subsidiária. Isto é muito importante. O resto é a cereja do bolo.

A senhora sai magoada dessa disputa? 

 Não. Eu tenho maturidade institucional suficiente para saber que, quando se discute politicamente - e nós estamos discutindo política pública -, não existe espaço para mágoas de Eliana Calmon. O que existe é: vamos zerar tudo para começar a aplicar a jurisprudência do STF. E enaltecer os bons magistrados, os bons juízes, que foram os grandes vencedores.
A senhora surpreendeu-se com a ministra Rosa Weber, que estava estreando e votou a favor do CNJ?

 Ela me pareceu segura e se posicionou com as teses que eu defendia. No final, o ministro Marco Aurélio Mello fez algumas perguntas e houve uma certa confusão, mas isso é normal. Ela é uma neófita no Supremo, mas é uma julgadora experiente.

O Procurador-Geral da República arquivou nesta semana uma representação da Associação dos Magistrados Brasileiros em que a senhora era acusada de violação de sigilo funcional. 

 Eu fiquei, de início, um pouco assustada com essa acusação, mas depois eu disse: "Bem, eles estão jogando todas as fichas". Não foi uma coisa boa nem para mim nem para eles. Eu não gostaria de comentar o assunto.

A senhora concorda com o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, que disse não haver crise no Judiciário? 

Concordo. Não existe crise. O que existe é a cultura velha e a cultura nova. Existe uma parcela da magistratura, e me parece pequena pelos apoios que eu tenho recebido, que está tentando manter uma velha cultura: a cultura do biombo, como diz o ministro Ayres Britto, a cultura de não corrigir o Judiciário publicamente e de sempre deixar que nós mesmos façamos as correções. É a cultura do CNJ subsidiário. A cultura nova diz o seguinte: "Todos estamos empenhados nas mesmas coisas". O Judiciário não é dos juízes, é da nação. É dos jurisdicionados. Todos os segmentos da sociedade têm participação nele. E isso é que é bonito na democracia. Nesse julgamento, até pelos votos de teses contrárias nós tiramos lições.

A repercussão de algumas de suas declarações, especialmente a da frase sobre os "bandidos de toga", mostra que Judiciário não está acostumado a debater seu próprio trabalho ? Nós estamos justamente abrindo o Judiciário para que ele seja questionado por todos que fazem uso deste poder. Aquela primeira entrevista e esses debates todos ajudam a abrir o Judiciário.