sábado, 4 de agosto de 2012

Estado de São Paulo: Roberto Romano e Thales Ab'Sáber, falam sobre o mensalão, que os petistas/stalinistas tentam proibir na lingua escrita ou falada, como no caso de 1984.

Mensalao

Professor da Unicamp: 'mensalão é o coroamento de um processo que vem de longe'

Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia, analisa o caso do esquema de corrupção em entrevitsa ao 'Estado'

04 de agosto de 2012 | 19h 15
Qual o impacto do mensalão na história do PT?
 
Ele é o coroamento de um processo interno, que já se prenunciava. Já estava presente na criação do partido e se acentuou ao longo dos tempos. Lembro-me de que, no dia da fundação do PT, em fevereiro de 1980, na capela do Colégio Sion, em São Paulo, um conhecido nos recebeu dizendo "que bom que vocês estão aqui, porque vocês vão ajudar a acabar com o principismo dentro do PT". Ou seja, o PT nem tinha sido inaugurado ainda e já se falava em principismo. Naquele momento havia dois grupos, o trotskista e o católico, que deram o tom do debate ideológico e político dentro do partido por um bom tempo. E existia a corrente dos "realistas", para os quais o PT, para dar certo, teria de conviver com outros grupos, fazer alianças, o vaivém. 

E como isso foi desembocar no mensalão? 

À medida que o PT foi deixando de ser uma seita radical, não era mais o "novo na política". Foi ganhando eleições municipais, na Câmara, Senado, governos estaduais. Os principistas foram perdendo o jogo interno e se recolhendo. Em 1989, na disputa de Lula contra Fernando Collor, já não se identificavam mais, nas ruas, aqueles militantes ideológicos do PT. Comecei a notar a presença de gente paga pra carregar a bandeirinha. Era a burocratização do partido. Essa corrente realista, liderada pelo movimento chamado Articulação, Lula e José Dirceu à frente, foi ganhando espaço. Em 2002, a Carta aos Brasileiros foi a capitulação dos idealistas diante desse setor mais realista. Lembro aqui que o Lula aprendeu a fazer política e concessões com o patronato, como líder sindical no ABC.

Acha que o PT lidou adequadamente com as denúncias, de 2005 pra cá?

Do ponto de vista ético, só posso dizer que o que ocorreu coletivamente, como autodefesa, foi um apelo gravíssimo ao niilismo dos valores. Para quem nunca teve ideologia ou religião, não significa nada. Mas para quem teve uma formação, seja marxista ou católica, era uma adesão ao niilismo. Com o consequente cinismo. Acho que, agora, a partir do julgamento do mensalão no STF, perdendo ou sendo inocentado, o petismo teria de se reinventar. Lá atrás, na Carta aos Brasileiros, já deviam ter feito um congresso para votar um outro programa para o partido. Porque aquele não servia mais.

Como professor de Ética, como vê a ética na vida partidária do País?

Já naquele período inicial eu argumentei com muitos petistas que eles não deveriam agitar a ética nas ruas como se fosse um slogan. Que na prática politica isso levaria ao maniqueísmo. Ética, eu insistia, é um conjunto complexo de valores e atitudes, não é um slogan a mais. Até a eleição do Collor havia no PT esse debate entre principistas e realistas. Causas como FMI, reforma agrária, imperialismo americano, havia um discurso com traços da esquerda clássica. A expressão "ética na política" começou a ser usada e abusada a partir da campanha presidencial de 1989 contra o Collor. Foi ali que apareceu o mote segundo o qual "o único partido ético e o PT e o resto é farinha do mesmo saco". Por isso, quando hoje os petistas reclamam das cobranças, deviam reclamar de si mesmos. Eles se tornaram diferentes dos outros partidos por decisão própria. 

Por que a ética é um valor tão desprezado na vida pública?

Não abro mão dessa tese: o Brasil é um Estado absolutista anacrônico. Alguns juristas chamam o Estado de imperial, com um Executivo fortíssimo, retirando a autonomia dos municípios e Estados. Com uma concentração tributária obscena. Tudo isso reforça a cultura do "é dando que se recebe". No Império, liberais e conservadores dependiam, igualmente, do lápis vermelho do imperador Pedro II, que controlava as coisas com o poder moderador. Quando se tem essa perda de autonomia, que programa político pode ser defendido, levado à prática? Nenhum. É proibido no Brasil ser oposição. Se discordar, não tem acesso aos recursos. Sem recursos, não leva obras para a sua região. Sem obras, não é reeleito, fica fora do jogo. Esse "é dando que se recebe", essa ausência de partidos reais, tem como origem essa estrutura do Estado brasileiro que é supercentralizada. 



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Mensalao

O peso do mensalão na história do PT: duas visões do escândalo

Thales Ab'Sáber, psicanalista da Unifesp, e Roberto Romano, professor da Unicamp, analisam os impactos do esquema de corrupção do governo

04 de agosto de 2012 | 18h 47
Gabriel Manzano, de O Estado de S. Paulo
 
O mensalão é "a instalação do PT na política de direita brasileira", diz o psicanalista Tales Ab'Sáber, da Unifesp. Estudioso dos comportamentos políticos do País, ele lamenta que, depois de denunciado o escândalo, o petismo se empenhe na "tentativa de produzir uma alucinação negativa de que ele não existiu". 

Veja também:

Outro analista das questões éticas e morais da vida brasileira, o professor Roberto Romano, da Unicamp, entende que o mensalão "é o coroamento de um processo que vem de longe, desde a criação do PT" e resulta da vitória dos "realistas" - com os líderes Luiz Inácio Lula da Silva e José Dirceu à frente -- sobre os grupos católicos e trotskistas na fase de formação do partido. Segundo Romano, ao se adaptar às regras do mercado e ao cumprimento dos contratos, como fez em 2002 com a Carta Aos Brasileiros, o partido "deveria ter convocado um novo congresso e mudado o seu programa, pois o anterior não servia mais."

Mensalao

'O mensalão é a instalação do PT', diz Thales Ab'Sáber

Em entrevista ao 'Estado', o professor de Filosofia da Psicanálise da Unifesp analisa os impactos do esquema de corrupção na política brasileira

04 de agosto de 2012 | 19h 03

 O mensalão representa "um divisor de águas" na história do PT? 
 
O que o episódio demonstrou claramente foi que o PT passou a agir como um partido tradicional brasileiro. Foi o cartão de visita e o atestado das práticas políticas de direita que o partido passou a utilizar para chegar e se manter no poder -- entendida a direita aqui nos termos da política brasileira. Conchavos de bastidores com partidos oportunistas e mesmo politicamente inimigos, manipulação de processos eleitorais através de acordos que serão pagos posteriormente a qualquer custo, concepção do Estado como uma fonte de financiamento dos interesses particulares de grupos, tudo isso à margem da lei. Não é de nenhum modo um mundo de práticas digno dos ideais e proposições políticas criativas e modernizadoras que embalaram o PT no tempo de sua criação e crescimento. Não por acaso, é isto que quer dizer o mensalão: guinada às praticas políticas tradicionais, de modo que o PT se tornou confiável e parte do clube brasileiro do uso particular do Estado, das elites que sempre agiram assim. O mensalão é a instalação do PT na política de direita brasileira.

As críticas ao petismo lhe parecem exageradas, levando-se em conta que a questão ética sequer é mencionada pelos demais partidos?
 
O mensalão foi um episódio gigantesco de agregação de interesses particulares à chegada futura do PT ao poder. Era uma venda no mercado futuro da política. É um grande escândalo de corrupção, não é coisa pequena de nenhum modo. Evidentemente os demais partidos, inclusive os partícipes do próprio mensalão, também não têm nada a oferecer de melhor. Basta lembrarmos que o esquema do mensalão foi montado por operadores do PSDB de Minas Gerais, envolvendo a companha do então presidente do partido Eduardo Azeredo. Também é bom lembrar as denúncias de malas de dinheiro para parlamentares no processo da aprovação da reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Sem falar em Maluf, o novo aliado do PT. O mensalão foi a entrada do PT para este clube de gente muito fina da política brasileira.

Que acha do modo como o PT lidou com o problema? Lula começou admitindo o erro e pedindo desculpas ao País e depois passou a negar que tenha existido mensalão.

O PT quer que a sua militância e a sociedade sejam condescendentes com o caso, tentando produzir uma alucinação negativa de que ele não existiu. E isto é grave. Imaginar que medidas que sempre serviram para julgar os outros não devem julgar o próprio PT... O governo corria risco real e Lula veio a público se dizer traído. Anos depois, com o razoável sucesso econômico do governo, passou a negar a existência do escândalo, sentiu-se desobrigado de sustentar a própria posição. É uma lógica do enfraquecimento da consciência dos cidadãos, de fragmentação, contradição não reconhecida, que quer produzir egos não integrados, que aceitem a qualquer preço todo o absurdo. Os banqueiros de Wall Street também sustentam que não devem ser julgados ou responsabilizados por suas ações, que quebraram o mundo, que elas aconteceram por uma natureza automática das coisas. A tentativa de naturalizar e tornar invisíveis os crimes é a mesma na corrupção de Estado da política brasileira e na corrupção financeira do mercado global. Trata-se de apostar em uma política do absurdo para salvar a própria pele, o que pode acabar produzindo efeitos políticos regressivos muito graves sobre o todo.

Que herança o mensalão vai deixar, para o PT e para a política brasileira?
 
O poder sempre tenta apagar as marcas de seus crimes e estabelecer um mundo sem rugosidades para si próprio. É uma velha discussão, clássica da filosofia política, se há algo de substantivo na justiça ou se a justiça é apenas "a conveniência do poder". O que coloca problemas sérios sobre o próprio sentido da democracia. Enquanto estiver no poder, o PT vai demandar os privilégios próprios dos poderosos. Mas, no dia que perder o poder, eu realmente temo pelo seu destino. Até lá ele tenta desesperadamente se enraizar nos municípios e no Estado enquanto perde relevância histórica. Ou seja, tenta tornar-se um PMDB qualquer.