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Nome e Sobrenome
(Publicado no O Globo a Mais de 18/12/2012)
As autoridades
brasileiras dizem que o pibinho resultou da crise internacional. Os
economistas brasileiros, fartos dos sofismas das autoridades, das
declarações cavilosas cujo principal propósito é desorientar os incautos
utilizando a lógica ardilosa, afirmam o contrário. Basta ver como
evoluiu o crescimento no Chile, na Colômbia, no Peru, para desmentir a
tese de que as dificuldades que enfrentamos são culpa dos outros, e não
de nossa própria autoria. Em parte, esses economistas estão certos.
Contudo, nós temos, sim, uma crise internacional para chamar de nossa,
para acalentar, por assim dizer. Ela tem nome e sobrenome, como me disse
um amigo. Cristina Kirchner, eis a denominação da criatura.
A estratégia
adotada pelo Brasil nos últimos anos, desde o primeiro mandato do
Presidente Lula, tem sido de se aproximar e de estreitar os laços
econômicos e ideológicos com o nosso vizinho turbulento. Enquanto nos
tornávamos cada vez mais próximos da tragicômica Argentina, Chile,
Colômbia e Peru faziam exatamente o contrário. Afinal, quem queria ser
associado a um regime populista, desnorteado, desrespeitoso com a
propriedade alheia, deslavadamente mentiroso com as suas próprias
estatísticas? O semanário britânico The Economist – aquele que saiu da
lista dos “favoritos” das autoridades brasileiras – vilipendiou o país
de Cristina Kitsch de forma brilhante ao intitular a matéria em
que diziam que não mais publicariam os números de inflação do país
“Don’t lie to me Argentina” (“Não minta para mim Argentina”), numa
alusão à canção deEvita.
São tantas as
peripécias recentes de Cristina que é difícil enumerá-las. Há a
perseguição à imprensa livre, a expropriação da empresa YPF da
petrolífera Repsol, as investidas contras as consultorias do país, que,
sabendo que os índices de inflação e outros indicadores econômicos são
escancaradamente manipulados, elaboravam os seus próprios números. Há o
protecionismo desenfreado, as proibições às saídas de dólares, agora que
a economia começa a dar sinais de esgotamento, de que não resiste à
tamanha violência. Isso para não falar do recente julgamento da corte de
Nova Iorque a favor dos credores que não participaram da reestruturação
da dívida finda em 2005, afirmando que eles têm o direito a receber a
parte que lhes cabe do governo argentino. A saga rendeu um fato recente
inusitado: a apreensão de um navio argentino, o Libertad– nome
de deliciosa ironia – em Gana, na África, como garantia de pagamento aos
detentores de títulos de um dos fundos que compraram a dívida do país.
Há, enfim, um clima de faroeste portenho de causar inveja a qualquer déspota desordeiro wannabe, aqueles que têm como mote “mudar tudo isso que está aí”.
O Brasil se
aproximou da Argentina, os outros dela se afastaram. O comércio entre
Chile e Argentina equivale a somente 1,5% das exportações chilenas,
apesar de os dois serem vizinhos, com uma imensa fronteira em comum.
Peru e Colômbia exportam, cada um, cerca de 0,4% do total de produtos
vendidos no exterior para o país de Cristina. Já o Brasil exporta cerca
de 10% do que produz para os hermanos ehermanas. A
participação dos produtos manufaturados brasileiros neste percentual –
bens duráveis como geladeiras, fogões, máquinas de lavar e automóveis,
além de calçados, têxteis e produtos cosméticos – é considerável.
Tudo ia bem até
que o Brasil começou a acumular superávits comerciais sucessivos com a
Argentina. O desagrado portenho aumentou, os casos de contenção de
exportações brasileiras na fronteira se proliferaram a ponto de o
Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil,
Fernando Pimentel, afirmar, no início de 2012, que a Argentina se
tornara um “problema permanente”. Ao longo dos últimos anos, todo tipo
de artimanha para prejudicar a entrada de produtos brasileiros em
território argentino foi usado – a Afib, a receita federal argentina,
apertou o cerco burocrático, exigindo uma documentação kafkiana para os
exportadores brasileiros; além disso, os prazos máximos de detenção
alfandegária estabelecidos pela Organização Mundial do Comércio foram
deslavadamente descumpridos, levando a espera para a liberação de
produtos a superar 180 dias. Diversas medidas “não tarifárias” e
inamistosas foram usadas. O resultado foi uma queda expressiva das
importações argentinas. E, por conseguinte, das exportações brasileiras.
Sobretudo de produtos industriais.
E agora? Se a
indústria brasileira sofre em razão de problemas domésticos, mas também
em função das estripulias do vizinho, não seria a hora de pôr fim às
travessuras de Cristina? Não deveria a nossa Presidente, tão inflexível e
rigorosa na defesa dos interesses nacionais, enquadrar Cristina
Kirchner, em vez de se deixar fotografar afagando e brindando com a
portenha?
Ou será que Dilma
se assusta diante da farta cabeleira avermelhada, das sobrancelhas
arqueadas e dos olhos arregalados e ensimesmados de sua contraparte?
Será?