O Estado do medo.
Postado por Villa
em 25/12/2012
O Estado do medo - Marco Antonio Villa
Em meio ao processo do mensalão, as diversas operações da Polícia
Federal ou a turbulenta relação entre os poderes da República, o Brasil
esqueceu do Maranhão. Na fase final da guerra contra Canudos, em 1897,
os oficiais militares costumavam dizer que não viam a hora de voltar
para o Brasil. Quem hoje visita o Maranhão fica com a mesma impressão. É
um estado onde o medo está em cada esquina, onde as leis da República
são desprezadas. Lá tudo depende de um sobrenome: Sarney. Os três
poderes são controlados pela família do, como diria Euclides da Cunha,
senhor do baraço e do cutelo. A relação incestuosa dos poderes é
considerada como algo absolutamente natural. Tanto que, em 2009, o
Tribunal Regional Eleitoral anulou a eleição para o governo estadual. O
vencedor foi Jackson Lago, adversário figadal da oligarquia mais nefasta
da história do Brasil. O donatário da capitania - lá ainda se mantém
informalmente o regime adotado em 1534 por D. João III - ficou indignado
com o resultado das urnas. A eleição acabou anulada pelo TRE, que tinha
como vice-presidente (depois assumiu a presidência) a tia da
beneficiária, Roseana Sarney.
No estado onde o coronel tudo pode, a Constituição Federal é só um
enfeite. Lá, diversos artigos que vigoram em todo o Brasil, são
considerados nulos, pela jurisprudência da famiglia . O artigo 37 da
nossa Constituição, tanto no caput como no §1º, é muito claro. Reza que a
administração pública "obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência" e "a publicidade
dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos
deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela
não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção
pessoal de autoridades ou servidores públicos". Contudo, a Constituição
maranhense, no artigo 19, XXI, § 9º determina que "é proibida a
denominação de obras e logradouros públicos com o nome de pessoas vivas,
excetuando-se da aplicação deste dispositivo as pessoas vivas
consagradas notória e internacionalmente como ilustres ou que tenham
prestado relevantes serviços à comunidade na qual está localizada a obra
ou logradouro".
Note, leitor, especialmente a seguinte passagem: "excetuando-se da
aplicação deste dispositivo as pessoas vivas e consagradas notória e
internacionalmente como ilustres". Nem preciso dizer quem é o "mais
ilustre" daquele estado - e que o provincianismo e o mandonismo imaginam
que tenha "consagração internacional." Contudo, a redação original do
artigo era bem outra: "É vedada a alteração dos nomes dos próprios
públicos estaduais e municipais que contenham nome de pessoas, fatos
históricos ou geográficos, salvo para correção ou adequação nos termos
da lei; é vedada também a inscrição de símbolos ou nomes de autoridades
ou administradores em placas indicadores de obras ou em veículos de
propriedade ou a serviço da administração pública direta, indireta ou
fundacional do Estado e dos Municípios, inclusive a atribuição de nome
de pessoa viva a bem público de qualquer natureza pertencente ao Estado e
ao Município". Quando foi feita a mudança? A 24 de janeiro de 2003, com
o apoio decisivo de Roseana Sarney. Desta forma foi permitido que
centenas - centenas, sem exagero - de logradouros e edifícios públicos
recebessem, em todo o estado, denominações de familiares, especialmente
do chefe. Para mostrar o desprezo pela ordem legal, em 1997 foi criado o
município de Presidente Sarney, isto quando a Constituição Federal
proíbe e a estadual ainda proibia. Quem criou o município? Foi a filha,
no exercício do governo. Mas a homenagem ficou somente na denominação do
município. Pena. Os pobres sarneyenses - é o gentílico - vivem em
condições miseráveis: é um dos municípios que detêm os piores índices de
desenvolvimento humano no Brasil.
Como o Brasil esqueceu o Maranhão, a família faz o que bem entende. E
isto desde 1965! Sabe que adquiriu impunidade pelo silêncio (cúmplice)
dos brasileiros. Mas, no estado onde a política se confunde com o
realismo fantástico, o maior equívoco é imaginar que todas as mazelas já
foram feitas. Não, absolutamente não. A governadora resolveu fazer uma
lei própria sobre licitação. Como é sabido, a lei federal 8.666
regulamenta e tenta moralizar as licitações. Mas não no Maranhão. Por
medida provisória, Roseana Sarney adotou uma legislação peculiar, que
dispensa a "emergência", substituída pela "urgência". Quem determina se é
ou não urgente? Bingo, claro, é ela própria. Não satisfeita resolveu
eliminar qualquer restrição ao número de aditivos. Ou seja, uma obra
pode custar o dobro do que foi contratada. E é tudo legal. Não é um
chiste. É algo gravíssimo. E se o Brasil fosse um país sério, certamente
teria ocorrido, como dispõe a Constituição, uma intervenção federal. O
que lá ocorre horroriza todos aqueles que tem apreço por uma conquista
histórica do povo brasileiro: o Estado Democrático de Direito.
O silêncio do Brasil custa caro, muito caro, ao povo do Maranhão. Hoje é
o estado mais pobre da Federação. Seus municípios lideram a lista dos
que detém os piores índices de desenvolvimento humano. Muitos dos que lá
vivem lutam contra os promotores do Estado do medo. Não é tarefa fácil.
Os tentáculos da oligarquia estão presentes em toda a sociedade. É como
se apresassem para sempre a sociedade civil. Sabemos que o país tem
inúmeros problemas, mas temos uma tarefa cívica, a de reincorporar o
Maranhão ao Brasil.
Marco Antonio Villa é historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos (SP)