Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 03 de dezembro de 2012 a 09 de dezembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 548
Estudo isenta torcidas
organizadas por
violência nos estádios
Trabalhos de Norbert Elias e Pierre Bourdieu,entre outros intelectuais, fundamentaram dissertação
Uma
tragédia ocorrida em 1995 no estádio do Pacaembu, em São Paulo, foi o
desfecho para a investigação sobre violência no futebol conduzida pelo
historiador da Unicamp Vitor dos Santos Canale. O episódio ficou marcado
pelo confronto entre as torcidas do São Paulo, Palmeiras e policiais
militares. Transmitida ao vivo pela televisão, a violência na final da
2ª Supercopa São Paulo de Futebol Júnior deixou mais de cem feridos e um
adolescente de 17 anos morto. O estudioso da Unicamp lembra que,
sobretudo a partir daquela data, as torcidas organizadas passaram a ser
condenadas de modo recorrente pela mídia e pelo poder público como
responsáveis pela violência nos estádios.
“O
objetivo da minha pesquisa é refutar isso. A violência no futebol não é
uma criação das torcidas organizadas. Muito antes dos movimentos das
torcidas organizadas, já eram registrados eventos violentos. E no Estado
de São Paulo não é diferente”, contrapõe Vitor Canale. O seu estudo
analisou as formações coletivas de torcedores no Brasil desde o início
do século 20 até 1995. A investigação integra mestrado defendido junto
ao programa de pós-graduação da Faculdade de Educação Física (FEF) da
Unicamp.
“Podemos atribuir vários
fatores para a violência que aconteceu no Pacaembu naquele ano. O
estádio passava por reformas, e havia uma pequena força policial
despreparada para conter a rivalidade entre as torcidas, que se
aproveitaram dos restos de construção do estádio. O torcedor, portanto,
não é o único culpado pelas situações de violência. E a torcida
organizada, muito menos”, argumenta.
A
partir daquele momento, recorda o pesquisador, a Confederação
Brasileira de Futebol (CBF) e a Federação Paulista de Futebol (FPF)
“culparam as torcidas organizadas, fazendo uma caça às bruxas geral”. O
interesse, de acordo com ele, foi transmitir ao país uma imagem que, com
o fechamento das torcidas organizadas, seria também o fim da violência.
A
dissertação foi orientada pela docente Heloisa Helena Baldy dos Reis,
do Departamento de Estudos do Lazer da FEF. Heloisa Reis também integra o
Centro de Estudos Avançados (CEAv) da Unicamp e coordena o Grupo
Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol (GIEF), da FEF. A professora
Carmen Lúcia Soares, do Departamento de Educação Física e Humanidades da
mesma unidade, coorientou o trabalho. A pesquisa foi financiada pela
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
“O
desenvolvimento de estudos e projetos, ainda na minha iniciação
científica como membro do GIEF desde 2008, foi um dos estímulos para
refletir sobre os assuntos do futebol e seus possíveis enfoques. Outra
motivação foi analisar o torcedor organizado, que tem sido marginalizado
e associado a termos como violência, alienação e vagabundagem”, conta
Vitor Canale, sobre a escolha da temática.
Por que os torcedores brigam?
A
questão “Por que os torcedores brigam?” deve ser respondida, de acordo
com o historiador, a partir de uma série de aspectos presentes na
sociedade. Ele cita, por exemplo, a relação do torcedor com o clube e os
conceitos de prazer e masculinidade. “O clubismo é um dos elementos que
a pesquisa identificou como gerador da violência. A masculinidade é
outro, mas é uma chave para a violência de um modo geral porque o
indivíduo passa a querer mostrar valentia e status. Há também a questão
da emoção prazerosa que leva torcedores a praticarem violência
simbólica, como jocosidades, xingamentos, gritos de guerra, gerando até
mesmo enfrentamentos físicos”, revela.
Clubismo
O
clubismo não implica, necessariamente, que o indivíduo faça parte de
alguma torcida organizada, esclarece Vitor Canale. “Qualquer pessoa pode
‘integrar’ o clubismo por determinados signos e princípios. Por esta
lógica, os corintianos torcem tanto pela vitória do Corinthians como
pela derrota do Palmeiras. Os corintianos jamais elogiam o time do São
Paulo publicamente. É um sistema de pertencimento e significados que
leva, inclusive, muitas crianças a serem constrangidas no seu ambiente
doméstico. Desde pequenas elas são ‘educadas’ ao modo ‘correto’ de
torcer pelo seu time”, ironiza.
Com a
formação das torcidas organizadas, o clubismo se acentua, sendo ainda
mais determinante para as rivalidades e conflitos entre torcedores,
acrescenta o investigador. “Se já havia uma rivalidade antes das
torcidas organizadas, a partir do clubismo isso vai crescer bastante.
Portanto, o clubismo somado a uma identidade dentro das torcidas
organizadas é extremamente importante para compreender a violência, que
também vai crescer processualmente”, associa o historiador.
Ainda
de acordo com ele, esta relação do torcedor com o clube está cada vez
mais arraigada no cotidiano da sociedade, em especial nos países que têm
o futebol como primeiro esporte. “A adesão ao clube está muito
presente, principalmente, num momento histórico em que as adesões dos
jovens, de modo geral, estão cada vez menores. Depois da
redemocratização não existe algo a que se aderir, não há um projeto
político de massa. Portanto, a torcida vai se tornar um meio de
sociabilidade entre as pessoas, em que elas se conhecem e formam um
grupo coeso, vindo substituir, por exemplo, as comunidades eclesiásticas
de base, partidos e clubes esportivos”.
Política de proibições
Vitor
Canale desenvolveu sua pesquisa a partir de revisão bibliográfica da
produção sobre violência no esporte, tendo como referência,
principalmente, os trabalhos dos teóricos Norbert Elias, Benedict
Anderson, Pierre Bourdieu e Éric Dunning, além da vasta produção
brasileira sobre torcidas organizadas. “Pretendo mostrar que a violência
no futebol não pode ser analisada pura e simplesmente dentro do
esporte, mas no âmbito da sociedade, que é o que dizia Pierre Bourdieu
com o seu conceito de campo. O torcedor é um pai de família, é também
trabalhador…”, exemplifica.
Também
foram realizadas entrevistas com os dirigentes das torcidas Gaviões da
Fiel e sua dissidência, o Movimento Rua São Jorge (MRSJ). As organizadas
foram acompanhadas, inclusive, em observações de campo durante jogos e
eventos entre 2011 e 2012. A partir destas investigações e depoimentos, o
pesquisador constatou que a política de proibição pode gerar mais
violência.
Ele explica que, no Estado
de São Paulo, a entrada nos estádios com instrumentos de percussão e
bandeiras vem sendo proibida, principalmente depois da tragédia no
Pacaembu. “Durante a pesquisa de campo e em entrevistas com torcedores
mais velhos, como Vila Maria e Alex Minduin, ouvi que a violência
aumentou. Eles argumentam que os torcedores chegavam antes dos jogos e
ajudavam a picar papel, participavam dos ensaios da bateria ou ajudavam a
fazer a bandeira. Agora, estes torcedores não têm nada para fazer e vão
se juntar à galera da ‘porrada’. A galera da ‘porrada’ sempre existiu,
mas agora ela vem crescendo”, deduz.
A
falta de liberdade nos estádios vem transformando o torcedor num agente
passivo, expõe Canale. “O Estado de São Paulo foi constrangendo este
torcedor a ser cada vez mais passivo. O torcedor hoje, visto como
positivo, é aquele que vai ao estádio, senta na sua cadeira e assiste ao
jogo, como quem está assistindo na televisão. Não se pode fazer festa.
Os torcedores enfrentam vários problemas para assegurar a sua
legitimidade como atores do futebol. Enquanto o ministério público e
demais órgãos tratarem eles como atores não legítimos, a resposta será a
violência porque não existe canal institucional para debate, conversa e
reflexão”, lamenta.
Publicação
Dissertação: “Torcidas organizadas e seus jovens torcedores: diversidades e normativas do torcer”
Autor: Vitor dos Santos Canale
Orientadora: Heloisa Helena Baldy dos Reis
Coorientadora: Carmen Lúcia Soares
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)
Financiamento: Capes
Autor: Vitor dos Santos Canale
Orientadora: Heloisa Helena Baldy dos Reis
Coorientadora: Carmen Lúcia Soares
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)
Financiamento: Capes