segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Quino, o criado de Mafalda, um gênio, e a filosofia.


Segunda-feira, 10 de Dezembro de 2012

Quino e Platão


A política educativa seguida pelos países que pretendem afirmar-se como desenvolvidos, é escrupulosamente pensada e traçada, não a nível nacional mas internacional, para a produtividade, empregabilidade, empreendedorismo... Tem-se entendido (erradamente) que alcançar tal fim implica a redução ou exclusão das Artes, da Literatura, da História, das Clássicas, da Filosofia... por serem áreas que não interessam para  nada... Acontece que há certos "nadas" que fazem toda a diferença na formação da pessoa, no desenvolvimento da sociedade (que é muito mais do que o funcionamento económico), na evolução da humanidade.

Por isso, são de louvar os professores e os alunos que, não se deixando submergir por esse modo de pensar mercantilista, persistem em dar vida ao saber "que não interessa". Um exemplo é de Sara Raposo, professora de Filosofia, que faz desafios que alunos como Diana Todica, do décimo ano de escolaridade, aceitam.

Deixo o Leitor com um texto que a Diana escreveu a partir da Alegoria da Caverna, de Platão, e de um cartoon de Quino:

A alegoria da caverna e um cartoon de Quino


Legenda: “E porque diabos caminhamos como carneiros sem sequer saber para onde vamos?”

A minha aluna, Diana Todica, do 10º E, escreveu na aula um texto que vale a pena ler. O tema é a relação entre a alegoria da caverna de Platão e o cartoon anterior da autoria de Quino.

Ei-lo:

O texto da alegoria da caverna está muito relacionado com a atualidade por diversas razões. Uma delas é que coloca questões como: "O que é a realidade?", "O que é a verdade?" ou "Será que quem adquire o conhecimento tem necessariamente a obrigação de o partilhar com os outros?" – estes problemas continuam a dizer respeito a todas as pessoas. A alegoria da caverna representa duas formas diferentes de nós, os humanos, compreendermos a realidade. Se vivermos aprisionados no nosso ponto de vista, tomando como óbvias certas ideias, isto é agarrados a essas crenças, sem as examinar criticamente, o mundo é como no interior da caverna, em que os prisioneiros confundem as sombras com a realidade. Esta atitude dogmática impede-nos de compreender que aquilo que tomamos como real é na verdade ilusório. Vivermos deste modo é sermos "cegos", sem termos consciência disso, escolher o caminho mais fácil: por preguiça não questionarmos as nossas crenças mais básicas, as ideias que a nossa cultura, época ou família nos impingiram como certas.
 
Mas podemos adoptar uma outra atitude: questionarmo-nos, procurando uma justificação racional para as nossas ideias. Ao fazermos isso, estamos a filosofar, este é o momento em que "saímos da caverna" e nos apercebemos que, baseando os nossos pensamentos e ações apenas nas ideias dos outros, vivíamos num mundo muito pequeno e limitado. Ainda hoje esta situação se verifica, a atitude das pessoas relativamente às crenças religiosas é um bom exemplo, pois grande parte delas depende da aceitação acrítica de certas ideias. Muitas pessoas baseiam as suas vidas no pressuposto que  Deus existe e recusam-se a pôr em causa uma ideia discutível. Outro exemplo é o que acontece no dia a dia, recusamos o pensamento crítico porque isso torna tudo muito mais difícil de compreender e de aceitar, além disso dá trabalho! E é sempre mais fácil seguir o caminho que exige menos esforço. Contudo, de acordo com Platão, se não reconhecemos a nossa ignorância, não nos apercebemos que a nossa vida está a passar à frente dos olhos, sem vermos as coisas mais importantes, sem termos oportunidade de aceder e conhecer outras perspectivas ou "realidades" alternativas à nossa. 
 
O cartoon mostra uma sociedade onde tudo isto acontece. Os membros desta sociedade têm uma atitude acrítica, acreditam nas ideias que outros criaram para a população e seguem a multidão, "cegos", sem pensarem por si próprios. No entanto, há sempre uma minoria (neste caso, uma pessoa no cartoon), que "abre os olhos" e começa a questionar se a direção seguida pela maioria está certa, se aquela é a verdade, porque é que tem de ser assim e porque razão não se consideram outras possibilidades – na alegoria de Platão corresponde ao "sair da caverna. No entanto, quem faz isto não é bem aceite (há uma mão mecânica que remove quem questiona). Tal como na alegoria da caverna, a maioria das pessoas não quer sair do seu sono dogmático, prefere continuar a ter uma vida fácil e "facilitada", mesmo que sejam manipulados por outros. A ilusão tornou-se a realidade. 
 
Na alegoria da caverna, os outros prisioneiros quiseram matar o prisioneiro que tinha saído da caverna e os tentava persuadir como era "pequeno" mundo em que viviam e falsas as ideias que eles pensavam ser verdadeiras. No cartoon, passa-se exatamente o mesmo, as pessoas que se interrogam são excluídas, "removidas" pela sociedade ou pelo poder por não aceitarem as crenças mais básicas que a maioria adopta. 
 
Porém, pode-se perguntar, tal como fez Sócrates, "será que uma vida sem pensar é digna de ser vivida"? 
 
Cabe a cada um de nós escolher, diz Platão.
 
Diana Todica, 10º E