terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Uol Notícias, entrevista Roberto Romano


Julgamento do mensalão


STF mudou entre julgamento de Collor e do mensalão, afirma filósofo.

Guilherme Balza
Do UOL, em São Paulo

O filósofo Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) avalia que o STF (Supremo Tribunal Federal) mudou seu comportamento entre os julgamentos do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1994, e do mensalão, que terminou nessa segunda-feira (16).

"A mudança no STF  (Supremo Tribunal Federal) é resultado de uma série de modificações, inclusive legais, muitas vezes aprovadas no Legislativo e no Executivo, no sentido de fechar o cerco contra a corrupção. É muito interessante comparar o processo de Collor com o mensalão. Os que esperavam uma atitude leniente no julgamento do mensalão, a exemplo do que aconteceu com Collor, se surpreenderam", afirma.

O filósofo aponta ser cedo para "soltar rojões" em razão do resultado do julgamento do mensalão. "Existe todo um sistema corrupto que sustenta a base do Estado brasileiro. Sem ele, o Estado brasileiro não funciona. Há muita coisa para melhorar ainda. Minha atitude é de uma espera atenta e bastante cética com relação aos avanços no combate à impunidade."

Romano diz que a cassação de mandatos dos parlamentares pelo Supremo é juridicamente correta, mas ele prevê que cause um conflito com a Câmara dos Deputados, já que a Constituição Federal diz que é a Casa Legislativa que deve determinar a cassação.  

"Em principio haverá um conflito de competências. A Câmara dos Deputados, supostamente segundo a Constituição, tem a prerrogativa de cassar os mandatos. O entendimento do ministro Celso de Mello, entretanto, é que o Supremo tem essa capacitação maior de entender a Constituição e, portanto, decidir que alguém que teve seus direitos políticos cassados perca o mandato. Na técnica jurídica não há o que discutir, mas isso vai trazer muito desgaste entre a Câmara e o STF", diz Romano.


Fim do julgamento

Após mais de quatro meses e 53 sessões, o STF encerrou o julgamento do mensalão nesta segunda-feira (17). O caso entrou para a história do Judiciário não apenas por ser o mais longo e complexo do país, mas por ter condenado à prisão figurões da política nacional, entre eles o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-presidente da sigla José Genoino.

Ao menos 11 réus devem ser condenados a regime fechado -- eram 13, mas o ministro Marco Aurélio Mello mudou seu voto na semana passada e dois condenados devem ter a pena diminuída. No entanto, as prisões dos condenados podem ocorrer só no final do ano que vem, após a publicação do acórdão, com os votos dos ministros, e o julgamento dos embargos das defesas.

Na sessão da segunda-feira (17), a última do caso, o STF cassou o mandato dos três deputados condenados pelo mensalão: João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT). O último dia de julgamento, seguindo o clima tenso que se viu durante todo o processo, também teve discussões: a divergência se deu quando Barbosa anunciou que faria alguns agradecimentos a assessores que foram importantes para ele ao longo do julgamento, procedimento incomum nos julgamentos do STF. O ministro Marco Aurélio se irritou e saiu do plenário.
Desde que o escândalo veio à tona, em 2005, passaram-se sete anos até que a ação penal 470, que ficou conhecida como mensalão, chegasse ao plenário da Corte. A decisão de julgar neste ano se deveu em parte a um esforço do então presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, que pressionou o ministro-revisor Ricardo Lewandowski para que concluísse sua parte do trabalho em tempo de o julgamento começar em agosto. A cobrança pública gerou um mal-estar entre os dois magistrados.

Parlamentares da base governista chegaram a criticar o uso político que o julgamento teria em ano eleitoral, já que poderia causar impacto nas eleições municipais, realizadas em outubro.
Foto 1 de 200 - 17.dez.2012 - Depois de ficar internado por dois dias na semana passada, o ministro do STF Celso de Mello participa da sessão da corte que decide sobre a perda de mandato parlamentar dos deputados condenados no processo do mensalão Sergio Lima/Folhapress
Durante o julgamento, que começou no dia 2 de agosto e terminou agora, os magistrados entenderam que Dirceu e Genoino chefiaram uma quadrilha responsável pela compra de apoio político de parlamentares no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006). Dirceu acabou condenado a dez anos e dez meses de prisão, mais multa de R$ 676 mil, por formação de quadrilha e corrupção ativa. Cumprirá uma parte dessa pena em regime fechado. Genoino recebeu pena de seis anos e 11 meses pelos mesmos crimes, mais multa de R$ 468 mil.

Foram dez sessões para defesa e acusação apresentarem seus respectivos argumentos, e os ministros da Suprema Corte levaram mais 29 sessões para dar seus votos em relação a cada um dos 37 réus: 25 foram considerados culpados de crimes como formação de quadrilha, corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, evasão de divisas e peculato. 

O julgamento começou com 38 réus, mas o STF reconheceu que o tribunal intimou o advogado antigo de Carlos Alberto Quaglia, dono de uma empresa usada para lavar parte do dinheiro do esquema, e, por ter a sua defesa comprometida, a Corte acabou passando o processo contra ele para a primeira instância.

Tese de caixa-dois

Os ministros rejeitaram a tese de caixa-dois, apresentada pela defesa, e concluíram que a propina entregue a parlamentares foi usada para que votassem a favor de assuntos de interesse do governo no Congresso Nacional. Parte do esquema foi abastecida com recursos desviados dos cofres públicos.
Os recursos que pagaram os parlamentares eram provenientes de desvios do fundo Visanet, controlado pelo Banco do Brasil, e de operações fraudulentas junto ao Banco Rural, que concedeu empréstimos fictícios de cerca de R$ 3 milhões ao PT e de R$ 29 milhões para a agência do publicitário Marcos Valério, que era quem operava o esquema. Os nomes de quem deveria receber a propina eram passados por Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, que acabou condenado a oito anos e 11 meses, mais multa de 300 mil.

Valério foi quem recebeu a pena mais alta: 40 anos, um mês e seis dias de prisão, mais R$ 2,8 milhões. Seus ex-sócios nas agências de publicidade, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, também receberam penas altas: 29 anos, sete meses e 20 dias de prisão (mais multa de R$ 2,8 milhões) e 25 anos, 11 meses e 20 dias de prisão (mais multa de R$ 2,5 milhões), respectivamente. Ainda no núcleo publicitário, também foram condenados Simone Vasconcelos, ex-funcionária de Valério, e seu advogado Rogério Tolentino.

Por terem colocado a estrutura do Banco Rural à disposição do esquema, os ex-dirigentes da instituição Kátia Rabello e José Roberto Salgado foram condenados a mais de 16 anos de prisão cada um. Vinícius Samarane, que trabalhava com eles, recebeu pena de mais de oito anos. O valor das multas somadas passa de R$ 3 milhões. Os réus também perderam o direito de atuar em instituições financeiras pelo dobro da pena recebida.

O STF condenou ainda os deputados federais Valdemar Costa Neto (PR-SP), por corrupção passiva e lavagem, João Paulo Cunha (PT-SP), por corrupção passiva, lavagem e peculato, e Pedro Henry (PP-MT), por corrupção passiva e lavagem. Eles terão seus mandatos cassados.

Os ministros da Suprema Corte decidiram condenar quatro ex-parlamentares, incluindo o delator do mensalão, o deputado cassado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Foram considerados culpados de receber dinheiro do esquema os ex-deputados Romeu Queiroz (PTB-MG), José Borba (ex-PMDB-PR), Carlos Alberto Rodrigues (PL-RJ) e Pedro Corrêa (PP-PE). Os assessores Jacinto Lamas, ex-tesoureiro do PL, João Cláudio Genú, ex-assessor do PP na Câmara dos Deputados, e Emerson Palmieri, ex-tesoureiro do PTB, foram condenados também pelo STF.

Além deles, o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato acabou condenado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg, ex-sócios da corretora Bônus-Banval, usada no repasse de dinheiro a parlamentares do PP, foram condenados por lavagem e, no caso de Quadrado, por formação de quadrilha também.

Após o fim da fase da dosimetria, quando foi definida a pena para cada um dos demais réus, o STF deve agora publicar o acórdão, que é a decisão final do julgamento. Isso deve ficar para 2013, já que leva alguns meses. Só então as defesas poderão entrar com eventuais recursos. Nos embargos de declaração, a defesa pode pedir esclarecimentos acerca de pontos confusos dos votos dos ministros, mas o resultado não é alterado. No caso dos embargos infringentes, a defesa pode contestar o resultado em que as condenações tiverem pelo menos quatro votos a favor do réu.

De qualquer forma, para os réus que tiverem recebido penas de reclusão, o STF deverá aguardar o julgamento do último recurso possível para, então, determinar a execução da sentença. Penas de até quatro anos são geralmente convertidas em penas alternativas, como prestação de serviço. De quatro a oito anos, o réu cumpre em regime semiaberto, ou seja, pode trabalhar durante o dia e volta para dormir na cadeia. Acima de oito anos, as penas são em regime fechado.