O fim do mundo e a judicialização da política
29 de dezembro de 2012 | 2h 08
LUIZ WERNECK VIANNA - O Estado de S.Paulo
O fim do mundo até que pode estar próximo, mas não será
agora, já deixada para trás a presumida data fatídica do calendário
maia. E se a sociedade brasileira está fadada a conhecer grandes
tumultos, prestes a converter a multidão em potência demiúrgica de uma
grande transformação, ainda não foram registrados os indícios
promissores de evento tão espantoso, nem se deram a conhecer os seus
profetas. Por toda parte, dos sertões mais remotos às periferias dos
grandes centros urbanos, de Sinop a Lucas do Rio Verde, ao Complexo do
Alemão, dos intelectuais enredados em seus afazeres e rotinas cinzentas
do mundo acadêmico, dos movimentos sociais ao sindicalismo, nem as
antenas mais sensíveis têm sido capazes, até então, de captar, vindos
daí, sinais da tormenta anelados pelos que em desespero com o atual
estado de coisas no mundo preferem qualquer outro a este aí.
Desejos fortes, quando contrariados, podem dar asas à imaginação, que
passa a ver o seu objeto mesmo onde ele não está, tomando-se a nuvem
por Juno, que, ao menos, na mitologia condena o seu autor a um resultado
infeliz. Assim é que alguns pintam com cores fortes a controvérsia
entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Mesa Diretora da Câmara dos
Deputados sobre os efeitos da decisão condenatória emanada na conclusão
da Ação Penal 470 como uma crise institucional a semear impasses
catastróficos nas relações entre os Poderes Legislativo e Judiciário - o
gatilho tão esperado para o "fim do mundo"? -, como se não coubesse a
este último o papel de intérprete constitucional da lei.
De fato, sem que se incorra aqui na prática que se dissemina no nosso
colunismo político de se arvorar, mesmo quando pagão no tema, nas artes
intrincadas dos julgamentos nos tribunais, houve, sim, uma intervenção
hermenêutica do STF, necessária, nas claras palavras do seu decano, o
ministro Celso de Mello, a fim de harmonizar o sentido de diferentes
disposições legais da Carta de 88 e do Código Penal quanto à perda de
mandatos eletivos. Por maioria, como se sabe, aquele tribunal julgou
incompatível com o exercício de um mandato político o parlamentar que,
por meio de uma sentença criminal, seja destituído dos seus direitos
políticos.
Diante da decisão, vozes interessadas em degradar o histórico
julgamento da Ação Penal 470, no curso do qual se fizeram ouvir razões
fortes em defesa da República e de suas instituições com uma ênfase
desconhecida nos tempos presentes, acusam-no de fazer parte de mais um
capítulo da judicialização da política, uma vez que por meio dela o
Judiciário estaria usurpando prerrogativas do Legislativo e
desobedecendo ao que seriam as rígidas fronteiras a discriminarem os
territórios próprios a eles. O refrão do bardo seria bem lembrado:
chamem o ladrão, pois nessa versão é o STF que atenta contra a
República.
Com efeito, o tema da judicialização da política é perturbador,
especialmente na sociedade brasileira, em que esse fenômeno
especificamente contemporâneo já afeta a quase totalidade das relações
sociais, da saúde às questões ambientais, passando pelos direitos das
minorias - vide a decisão do STF sobre as relações homoafetivas -, e,
sobretudo, no desempenho da Alta Corte nas ações levadas a ela para a
avaliação da constitucionalidade das leis, quando se confronta com a
decisão do legislador. O senador José Sarney, em rompante manifestação
feita no recinto do Senado, atribuiu a voga do processo da
judicialização a uma autoria certa. Em suas palavras, a que não faltam
boas razões, "quem inventou isso foi o PT, que na oposição a qualquer
problema batia na porta do Supremo", e que estaria, agora, provando do
seu veneno (O Globo, 20/12, página 38).
Sobre a matéria, o deputado Miro Teixeira, no seu décimo mandato pelo
Rio de Janeiro, é mais reflexivo, conferindo à chamada judicialização
da política um caráter positivo, dado que "serviria de contraponto aos
grandes grupos que controlam o parlamento". Mais que isso, indo ao cerne
do problema, identifica que na raiz do fenômeno da judicialização
estaria a "servidão voluntária" a que se teria sujeitado o Congresso
Nacional ao Poder Executivo, "em uma renúncia evidente ao poder que lhe
foi conferido" (in coluna de Rosângela Bittar, Valor, 19/12).
Para a íntegra do texto: