Segunda, 24 de março de 2014
A extrema direita francesa obtém uma vitória histórica
Resultados históricos da Frente Nacional. Abstenção recorde, beirando os 40%. Grande voto de castigo a François Hollande
e aos socialistas. E vitória global, sem grandes conquistas, da
centro-direita. Esses são as principais mensagens deixadas pelo primeiro
turno das eleições municipais francesas realizadas neste domingo.
A saciedade do eleitorado com o Executivo socialista e a desafeição
com o sistema político manifestaram-se desde os primeiros resultados. O
passar das horas traçou um castigo aos socialistas mais duro que o
previsto pelas pesquisas, com naufrágio em Marselha e inesperada derrota
parcial em Paris, e um nítido avanço da Frente Nacional (FN), que situa
seus candidatos na ponta em uma dezena de cidades –Perpignan, Avignon,
Forbach, Béziers, Fréjus-, e sobretudo em Hénin-Beaumont, o feudo de sua
líder, Marine Le Pen, onde a FN ganhou a prefeitura no primeiro turno ao superar 50% dos votos.
A reportagem é de Miguel Mora, publicada por El País, 24-03-2014.
A renovada mensagem populista e antissistema de Le Pen,
que nas últimas presidenciais já conseguiu 18% dos sufrágios, segue
convencendo um número cada vez maior de franceses; além de alcançar
porcentagens inéditas em dezenas de cidades grandes e médias, a extrema
direita consegue forçar numerosas batalhas triangulares com o Partido Socialista (PS) e a União por um Movimento Popular (UMP)
no segundo turno, obrigando assim os grandes partidos a decidir se
chamam ou não os seus eleitores a votar em rivais para frear a extrema
direita, que nas municipais de 2008 não conseguiram uma prefeitura
sequer.
O líder da UMP, Jean-François Copé, que reivindicou a
vitória dos seus candidatos, se refugiou na tática conhecida como
“nem-nem”, e disse que seu partido “não pedirá jamais o voto para os
socialistas e também não fará o mesmo para a extrema direita”. Por sua
vez, a porta-voz do Governo socialista, Najat Vallaud-Belkacem, anunciou
que o PS “fará o que for necessário” para impedir que a ultradireita
conquiste cidades dentro de sete dias.
Marine Le Pen não tardou em aparecer para certificar
“o fim do bipartidarismo francês”, e afirmar que o resultado parcial
mostra um “espetacular crescimento da Frente Nacional, que se converte
em uma grande força autônoma, não só nacional, como também local”.
A FN apresentou somente 597 listas de candidatos,
sendo a cifra mais alta alcançada em eleições municipais nos 42 anos de
vida do partido, mas que somente representam um terço do censo total.
Sua formação alcança 7% dos votos nacionais. Cerca de 44,8 milhões de
eleitores foram chamados a eleger prefeitos e conselheiros dos 36.700
municípios do país. Le Pen tinha previsto conquistar
prefeituras em uma quinzena de cidades pequenas e médias e mil câmaras. A
vitória no primeiro turno do seu candidato Hénin-Beaumont, em pleno
polo minerador do norte, é um símbolo de grande força política.
A segunda notícia mais chamativa foi a elevada taxa de abstenção, que
subiu a 39,5%. A participação estimada superou os 60%, de longe o dado
mais baixo dos últimos 40 anos em um primeiro turno de eleições
municipais. Há seis anos, a participação se situou em 66,5%. Apesar de
que os comícios locais são mais populares depois das presidenciais, a
mobilização escassa, principalmente entre os eleitores da esquerda, se
converteu em um fator decisivo. Martine Aubry, prefeita de Lille, simbolizou a queda do PS ao perder 10 pontos depois de seis anos, apesar de conseguir 35% dos votos.
Segundo as estimativas, os socialistas receberam um golpe duro em Paris, onde a favorita, a franco-espanhola Anne Hidalgo, somente chegaria ao segundo lugar, atrás da candidata da UMP, Nathalie Kosciusko-Morizet. A segunda cidade do país, Marselha,
é a grande catástrofe socialista: o PS aspirava desbancar o candidato
da direita mas chega em terceiro luga com 20%, depois da UMP (40%) e da
FN (22%).
A vitória parcial e global dos conservadores oferece uma leitura
nacional: se trata de um retrocesso político evidente para François
Hollande, que depois de passar 22 meses no Elíseu é o presidente menos
popular da V República. O último deslize cometido pelo seu Governo, ao
negar primeiramente e depois admitir que estava ciente das escutas
judiciais de Nicolas Sarkozy, foi o fim de dois anos de desconcerto, erros e idas e voltas. Em janeiro Hollande
abandonou o discurso e a estratégia que lhe levaram a ganhar as
eleições presidenciais e abraçou sem pudor as receitas neoliberais,
oferecendo um pacto pelo emprego e um recorte do gasto público de 50
bilhões em três anos.
A centro-direita não chegava às eleições em uma situação frutífera, pois a UMP
está dividida, sem um líder claro e assediada pela impressionante
sucessão de escândalos revelados nas últimas semanas: suposto desvio de
fundos do presidente do partido, Copé; gravações piradas do assessor Patrick Buisson a Nicolas Sarkozy enquanto estava no Eliseu, e escutas judiciais do ex-chefe de Estado, implicado em seis casos de corrupção.
Uma das incógnitas é saber se a carta furibunda publicada na quinta-feira pelo Sarkozy
no Le Fígaro, na que compara o poder socialista e os juízes com a Stasi
e acentuava seu viés berlusconiano, levantou o voto dos eleitores
conservadores.
Os socialistas confiavam em salvar os móveis mantendo Paris, Nantes,
Lille, Estrasburgo e Toulouse, apesar de que nestas últimas cidades a
virada parece mais que possível. O segundo grande triunfador foi Alain Juppé, aspirante às primárias da UMP como Sarkozy, em 2017, e que foi reeleito no primeiro turno como prefeito de Bordeaux com 60% dos votos.