Opinião23/06/2013 | 16h28
Flávio Tavares: recado aos surdos
Resta esperar que Dilma se liberte dos surdos, dos cortesãos alugados que fingem tudo
Flávio Tavares
O mudo recuperou a voz e grita aos ouvidos do surdo – eis a síntese
do histórico 20 de junho. Desde as manifestações dos anos 1967-68-69
contra a ditadura militar, nada foi tão espontâneo e autêntico quanto os
protestos em que o aumento das tarifas de transporte foi só o detonante
de uma explosão maior e até grandiosa. Nem a campanha das Diretas Já,
de 1984, ou o Fora Collor, de 1992, se equiparam à revolta pacífica
atual. Nas Diretas, parte do poder político e dos partidos comandava
tudo, com os governadores de São Paulo, Rio e Minas (Montoro, Brizola e
Tancredo) à frente. No Fora Collor, a ideia inicial veio da imprensa,
dos partidos e do parlamento. Agora, é como se a energia de 1968
ressuscitasse, cansada dos embusteiros que (na democracia) se apossaram
da política e do poder.
Moças e moços de 20 anos iniciaram tudo. Não contaminados nem
corroídos pelo poder político ou econômico, identificaram a falsidade.
Longe do conluio "política & negócios" que rege o poder entre nós,
definiram-se pelos cartazes das passeatas – contra a corrupção, a
mentira, a orgia de gastos em estádios, a Fifa mandando nas cidades, o
descaso pela saúde e educação! E contra a imoral PEC 37.
Mesmo assediados pelos badulaques do consumo, os jovens não perderam o
tino. Enxotaram das passeatas as bandeiras dos partidos políticos, na
melhor mostra do desencanto atual. Dirigidos por oportunistas que
prostituíram a política, os partidos têm se interessado apenas em
táticas para captar votos.
Desde que o conluio PT-PMDB (com sua ampla "base alugada") assumiu o
poder, diluíram-se os movimentos sociais. As centrais sindicais,
cooptadas. A UNE não representa os estudantes. Os partidos tornam-se
degraus para negociar ministérios e empresas estatais, num derrame geral
de corrupção.
Querem nos fazer fantoches, bonequinhos que falam e pulam, manipulados detrás duma parede?
Num desafio a essa impostura, jovens e não jovens saíram às ruas em
centenas de grandes ou pequenas cidades, convocados uns aos outros pela
internet. A espontaneidade mostra a falência das estruturas formais, que
já nada representam. Senadores, deputados, vereadores, prefeitos,
governadores e a própria presidente da República, ausentes de tudo –
atônitos, isolados nas salas do poder em que tudo é artificial. Até o
ar.
Vivemos o absurdo de que é preciso sair à rua para que o poder
político "aceite dialogar e debater" com quem o elegeu. Na onda
espontânea, a boçalidade da polícia de São Paulo (que, entre outras
proezas, quase deixou cega uma jornalista) transformou o protesto num
movimento nacional muito além dos 20 centavos das passagens. E a rua
vomitou a indignação geral!
E os vândalos que saqueiam comércios ou destroem prédios públicos?
Eles não são manifestantes, apenas marginais, como os que nos estádios
(ou nos velórios e enterros) batem carteiras e roubam. Aproveitam-se da
situação, imitando os políticos corruptos.
Ninguém melhor do que a presidente Dilma explicou o sentido dos
protestos: "A mensagem direta das ruas é para influir nas decisões dos
governos, em repúdio à corrupção e ao uso indevido do dinheiro público",
disse em Brasília, na solenidade de lançamento do marco regulatório da
mineração. Os mais eminentes figurões da corrupção, ali presentes,
aplaudiram, fingindo que não era com eles. Ela própria mais parecia a
jovem coerente de 1968-69 e não a presidente da
República, que entendeu o recado das ruas.
Agora que o povo mudo recuperou a voz, resta esperar que Dilma se
liberte dos surdos – dos cortesãos alugados que fingem tudo, até a
surdez. Será o caminho para que o grito de agora reconstrua o que a
mentira destruiu!