REFLEXÕES SOBRE AS ÁGUAS
J. R. Guedes de Oliveira*
Neste 22 de março,
instituído pelas Nações Unidas, comemoramos o “Dia Mundial da Água”. É um
momento propício para algumas reflexões e, nesta oportunidade, lembro a célebre conclusão que chegou o poeta
W. H. Auden (1907-1973), ao dizer categoricamente que “muitas pessoas vivem sem
amor, mas nenhuma sem água”.
Não é o momento de esbanjar o
líquido precioso; menos, ainda, de relegar a um plano secundário as tratativas
da gestão das águas compartilhadas, sempre, com usuários, sociedade civil e
governo. Esta composição foi a que deu o significado especial para o Plano
Nacional de Recursos Hídricos - PNRH, do qual, modestamente, como representante
da sociedade civil, compartilhei, como membro do CNRH – Conselho Nacional de
Recursos Hídricos, lá pelos anos de 1997, com a implantação da célebre Lei no.
9433.
Isto posto, apresento as minhas
modestas considerações a respeito dos problemas das águas, na certeza de estar
contribuindo com a nobre causa.
PROBLEMA DAS ÁGUAS – I
Muito embora sejamos um país onde a
água se concentra em grande volume, observamos que esta água não é
perfeitamente distribuída, existindo regiões secas e úmidas. Basta-nos olhar o
nosso mapa, para verificarmos que destoam-se região nordestina das demais,
capaz de provocar uma enorme interrogação.
Mas o problema da água, como um todo,
se verifica também pelo exagero de consumo, pela sua degradação constante, pela
sua contaminação e pela ocupação do espaço físico pelo homem. Não são raros os
casos que todos este problemas se verificam cumulativamente e, em maior
proporção, nas regiões úmidas.
O ideal seria que, num raciocínio
lógico, o homem ponderasse realmente sobre os vários aspectos da água, como
elemento vital para a sua sobrevivência. Tal raciocínio, entretanto, não se
completa, já que as nossas reservas são sistematicamente degradadas pela ação
devastadora da posse terrena – este instrumento avassalador que não mede
consequências: expansão imobiliária, propriedades em constantes focos de
queimas, o lixo, as partículas químicas e os detritos orgânicos lançados nas
correntes de água.
Então não há como cruzar os braços,
deixando tudo isto ocorrer, sem uma ação conjunta, eficaz e pronta, coibindo
estes abusos e, de forma ordeira, partir para a cobrança do uso da água.
Mas a cobrança do uso da água, não é
um instrumento inibitória de tão somente punir. Em absoluto. A cobrança é, na
sua essência, uma forma de beneficiar as bacias, com estes recursos
distribuídos para a sua perfeição, ou seja, para a implementação de projetos de
toda ordem, cujo objetivo primordial é a defesa das águas.
Com a criação da ANA – Agência
Nacional de Águas, houve, na verdade, uma
revolução no meio e, a partir de então, iniciou-se uma nova fase, já que
o mundo de hoje briga pelas águas: são mais de 60 países com problemas
seríssimos de escassez de água. Nós, aqui no Brasil, observamos tudo isto,
imaginando que o nosso potencial extraordinário não pode se extinguir. Ledo
engano. É necessário, pois, a conscientização de todos para o gravíssimo
problema.
Algumas considerações a respeito de
objetivos e vontades da ANA seriam necessários descrevê-los e, ao longo de uma
série de artigos sobre o assunto, estaremos relatando, pormenorizando os
múltiplos aspectos que a recém-criada Agência (desde julho de 2000) tem como
proposta para a defesa da água e, num todo, para os Recursos Hídricos.
A Lei no. 9984, de 17.07.2000, que criou a ANA, declara, textualmente,
os princípios norteadores da sua Política Nacional de Recursos Hídricos,
integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Isto
significa dizer que, entre outros, a sua administração da outorga do direito de
uso das águas no domínio da União.
Em síntese, além de outros objetivos
altamente preservativos e de uso racional da água, o fundamento da concessão
desta outorga que já se mostra altamente significativo para as regiões afetas a
ela.
Avalia-se, em primeiro plano, que
este trabalho se presta a atender a demanda e racionalização de uso,
permitindo, pois, a utilização real e necessária para cada qual. A
indiscriminada utilização das águas, sem regramento, sem um monitoramente
eficaz e duradouro, até então se mantinham abertamente. De agora em diante,
porém, mudam-se as regras, prevalecendo o espírito da lei e do que a ANA se
presta: atender a todos, de uma forma geral, uniforme e metódica. A água,
assim, não será fruto de abusos e de incertezas para o seu futuro,
principalmente sabendo que representa um recurso natural que pode se findar,
caso não tenhamos a consciência do que representa esse bem.
Estaremos, assim, em outros
artigos, detalhando aspectos variados, sempre, é claro, evidenciando o problema
das águas, já que são medidas urgentes e importantes para a nossa sobrevivência
terrena.
PROBLEMA DAS ÁGUAS – II
Há algum tempo, os jornais deram manchetes
sobres a futura (e bem próxima) escassez das águas em nosso planeta. Chegaram a
sentenciar sobre o futuro sombrio: dois terços do mundo ficará sem água até
2030.
Para se ter uma ideia geral, países
como Arábia Saudita, Líbia, Baharain, Jordânia, Catar e Emirados Árabes Unidos,
sofrem com a falta da água, muito embora jorrem petróleo às cântaras.
Dados estarrecedores, demonstram que
a água provocará guerras e haverá disputas acirradas entre as nações
desérticas, se atentarmos para as estatísticas que nos dizem ser 500 milhões de
pessoas que enfrentam, hoje, o problema desta falta.
Diante de todo este dilema que muito
bem sabemos existir e pelo que os especialistas dizem sistematicamente, nós,
brasileiros, não podemos ficar à mercê do tempo, pelo simples fato de
possuirmos um rio, como o Amazonas, capaz de abastecer o mundo todo desta
futura e profética calamidade. Seríamos, na verdade, um mero espectador das
desgraças alheias, o que não condiz com a nossa formação.
Com tudo isso, cremos ser
necessário uma tomada de posição e passarmos a cuidar do nosso potencial
natural com mais carinho, dentro de uma nova sistemática que nos ensina uma
teoria tão simples e corriqueira: se temos 100 para gastar, gastemos 99, nunca
101. Empregemo-la na questão das águas.
Observamos, contudo, que
desavisados brasileiros não se dão conta do problema. É costumeiro observarmos
o que se utilizam de água para banalidades e, o que é pior, sem o seu real
reaproveitamento. O desperdício toma conta até das pequenas cidades, já que as
grandes sofrem de toda forma com os abastecimentos e o controle rigoroso do
órgãos ligados aos recursos hídricos.
Alguns jornais e várias revistas
estão em campanha direta para orientar os usuários mas, com certeza, isto
atinge uma faixa reduzida da população: apenas àquelas que tem acesso a estes
meios de comunicação. Então, seria necessário que as companhias de
abastecimento, distribuíssem folhetos explicativos sobre o real problema que,
dentro de pouco tempo, estaremos vivenciando, caso medidas urgentes não sejam
tomadas, principalmente por parte daqueles usuários.
Temos observado que a ANA –
Agência Nacional de Águas, órgão governamental de implementação da política
nacional de recursos hídricos, vem demonstrando o quanto precisamos reparar e
recuperar o tempo perdido. Isto, pelo que podemos observar com os nossos rios
sofredores, objeto sempre das descargas industrias e de todo tipo de
contaminação que se possa conhecer.
A ANA, criada em 2000, já vem
atuando de forma eficaz, metódica e rápida, para prestar os seus serviços à
causa maior: a defesa das nossas águas e o processo de sua distribuição regrada
e para todos. Este processo está se realizando em conjunto com os mais variados
segmentos da sociedade.
Mas não só aos órgãos públicos,
como a ANA, está o modelo da economia das águas. Ela é tarefa de todos nós
usuários, procurando não gastar mais do que o necessário. É assim que vale a
teoria aqui relatada. Cada gota economizada, será um trunfo maior, quando
chegarmos no futuro com uma profética escassez, como esta que os técnicos e
especialistas vem apregoando.
Lembramos, aqui, que a “água é o
ouro do século XXI”, segundo o eminente Dr. Bernardo Cabral. Somemos forças com
ele.
PROBLEMA DAS ÁGUAS – III
Quanto vale uma caneca de água? E o
que valeria um litro, um barril, um caminhão-pipa? É esta a pergunta que se
faz, quando se sabe que, dentro de pouco tempo, haverá um preço para a
utilização da água, tanto do domínio da União, como do domínio dos Estados.
Mas qual a razão de, agora, aparecer
esta cobrança, sendo que é um bem natural, disposto à utilização de todos? E
até dizem os mais estudiosos que é Direito Difuso e, assim sendo, ninguém é
obrigado a pagar pelo seu uso.
Isto realmente seria legítimo se as
coisas não fossem diferente do que aparenta sê-lo, se apanharmos as
estatísticas e comprovadamente verificarmos que estamos às vésperas de uma
eminente escassez. A água, no mundo, dentro de aproximadamente 50 anos, irá
faltar em grande escala, se as medidas de agora não forem tomadas com urgência.
Uma dessas medidas, louvável em todo
sentido, é a cobrança da água, através da chamada “outorga”, que nada mais é
que a concessão para a sua utilização. Isto representa um grande passo para
deter o ímpeto do homem em esbanjar um líquido tão precioso.
Mas esta outorga não é um sentido
punitivo que pode parecer ao primeiro lance. Em absoluto. Ela tem a sua
consagração na certeza de que a arrecadação será em benefício da própria
comunidade, ou melhor, de suas próprias bacias hidrográficas, como ficou
caracterizado na Lei no. 9433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos
Hídricos: “....assegurar à atual e às futuras gerações a necessária
disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos
usos”.
O problema crucial que se verifica no mundo
atual é o desperdício e a degradação dos corpos de águas. É notória esta
afirmativa, ao constatarmos que não há um regramento uniforme e que, todos,
seguem com a mesma vontade e determinação. Quando se nota um economizando, se
observa dez gastando. É uma máxima corrente no nosso cotidiano.
Ao
dar início ao debate deste problema e, do governo, partir a edição das leis
concernentes ao uso da água e sua regulamentação, bem como da criação de órgãos
federais, com “status” de autarquia, sob regime especial, com autonomia
administrativa e financeira, como é o caso da ANA – Agência Nacional de Águas,
mudou-se o panorama das coisas em nosso país, quando falada sob a óptica das
águas. Fundiu-se, em tese, águas com recursos hídricos, uma tendo como
consequência a outra. O aprimoramento dessa agência, vinculada ao Ministério do
Meio Ambiente, vem se registrando de maneira a ordenar a nova política de
recursos hídricos, como um todo.
Contudo, o que se salienta, desde a implantação dessas novas diretrizes,
é que haverá um regramento geral. Ninguém, por qualquer questão que seja, terá
o direito de desperdiçar a água e achar que, com isso, não haverá quem possa
puni-lo. Ledo engano, porque já sentimos muito a falta do precioso líquido, não
só pela ação devastadora do homem (o seu maior agressor), mas também pelas
condições das intempéries. Das intempéries, não podemos penalizar; mas do
homem, este sim, haverá a punibilidade, pelo princípio de que o
agressor-depredador deverá arcar com as consequências dos seus atos.
Mas
qual o preço que podemos falar diante da tal cobrança. É o preço que devemos
pagar se não quisermos ser amaldiçoados pelas novas gerações. Serão os nossos
netos ou bisnetos que no enterrarão no lixo da história, se de nós não partir a
conscientização da economia, do regramento, do uso correto e ponderado das
águas e, em consequência, de todos os recursos hídricos que a nós foram
dispostos e que serão objetos de desenvolvimento, dentro deste planeta já tão
agredido pela ação do homem.
Portanto, o preço da água é o preço da nossa vontade em contribuir para
que a mesma não venha a faltar (e já são mais de 60 países brigando pela falta
de água). É o preço da vergonha de tantas nascentes, córregos, riachos e rios
serem sacrificados pela ação devastadora daqueles impiedosos chamados de
ganaciosos, agressores, depredadores e outros adjetivos de baixa qualificação
ética e moral que os nossos bons costumes não permitem vociferar.
PROBLEMA DAS ÁGUAS – IV
Como será o mundo em
2050? Há um velho ditado (e sempre
oportuno) que diz: “se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come”.
O nosso planeta Terra, ao passar do
tempo, vem sofrendo uma horrível e descompassada transformação, em todos os
sentidos, principalmente no que tange ao avanço nas suas riquezas naturais,
devastadas pela ação do homem. Nesse contexto incluo, evidentemente, a água.
O volume de habitantes,
implementações imobiliárias, parques industriais e veículos, em função desse
progresso, vem se registrando, nos últimos decênios e aparecendo, pois, um
problema de maior gravidade: o espaço físico de cada comunidade. Nesse contexto
incluo, evidentemente, os recursos hídricos.
Com efeito disso tudo, um já caótico
trânsito, associado ao volume de pessoas, marcando a presença de uma “pegada
ecológica” de arrepiar aos mais estudiosos da concentração em espaço físico. É
que a Terra não cresce tanto quanto para acolher o avanço demográfico.
Mas, por outro lado, ainda temos
problema do avanço dos condomínios e das construções verticais que se assomam a
cada instante nas cidades. É preciso água, o verde, os espaços sociais, as
áreas de preservação ambiental e segue outras determinações que produzem o meio
ambiente saudável.
O problema, mais ainda, reside na
segurança que cada qual deseja e pensa para si e para os seus. Num país
dispare, entre o baixo índice de pobreza (paupérrimo), passando por uma classe
média baixa e a rica, o caminho de se defender tem um significado maior.
Busca-se, se fechar em casa, trancando-a com grades, armações elétricas e
eletrônicas. Nos edifícios, segurança 24 horas, interfones, guaritas e
identificação de entrada. Nos
condomínios, cancelas, olho de identificação, portaria com vidro fumê,
homens armados, etc.
Tudo isso tem a ver com a questão do
meio ambiente saudável que desejamos para todos os que vivem aqui na Terra,
tanto agora, como depois – digamos – daqui a 40 anos.
As perspectivas futuras de vivência,
em cidades, estados e países passa pela disposição dos entes públicos em mapear
todos os pontos críticos e resolvê-los de forma a abrandar o impacto
progressista.
Mas, com tudo isso, como será o mundo
em 2050? Creio, sinceramente, a se ver pelo medo que gera o futuro, que as
coisas vão mudar... e para melhor. Haverá maior luta e disposição a favor do
nosso meio ambiente; haverá mais entidades dispostas a desfraldar a bandeira a
favor de uma sustentabilidade mais elevada; haverá personalidades mais que
estarão dispostas a levar a todos os rincões do mundo estas questões,
sensibilizando as plateias. E enquanto o tempo passa e as transformações vão se
processando, os homens vão se conscientizando de que a sua sobrevivência aqui
na Terra depende deles mesmos, sendo favor primordial cuidar da Terra.
Talvez, ainda, ajude a transformar
tudo isso em realidade, o que o homem sentiu nos últimos anos, do que a Terra
pode causar. A teoria de que a Terra responde com maior intensidade à agressão
sofrida, pode causar efeito importante
para deter a febre do homem em agredir o ecossistema.
Talvez, muito mais, o homem se
conscientize de sua responsabilidade perante o mundo e que ele, ele mesmo, não
é o epicentro de tudo isso aqui. Ele é parte integrante, mas há todo um
complexo estrutural terreno, entre vidas humanas, plantas, minerais, água, ar,
fogo – enfim o espaço todo tomado pelos elementos que compõem esta nossa Terra.
Penso e reflito que os anos
vindouros, até chegarmos em 2050, haverá grandes transformações e novas
posições em favor da Terra. Não é hora do pessimismo, mas do otimismo, sem o
que fatalmente estaremos produzindo um planeta sem vida e com ela a extinção de
tudo. Não é isso que queremos, naturalmente. O que queremos, evidentemente, é
que as novas gerações recebam de todos nós um mundo marcado pela existência
física e pela tomada do espaço com toda sustentabilidade.
Em todos estas colocações, o que
mais me preocupa é a questão da contaminação da água, o seu dispersar, a sua
mudança de comportamento, a sua imigração para o mar e o terror que tudo isso
pode causar. Mas haveremos de nos recompor.
W. G. Ward dizia: “O pessimista se
queixa do vento, o otimista espera que ele mude e o realista ajusta as velas”.
Parafraseando o emérito teólogo inglês, diria: “O inconsolado se queixa do
homem, o eufórico deseja que ele mude e o entusiasta prepara-o para o futuro
promissor”.
Chegaremos, pois, em 2050, com uma
Terra perfeitamente sintonizada e habitada com o amor pelas coisas naturais.
Creio, sinceramente, que novos paradigmas serão peças importantes e, neste
contexto, tudo o que a água representa para a nossa subsistência. É o que penso e o que desejo – e que todos nós
desejamos.
DADOS IMPORTANTES
Para curiosidade, aqui
estão alguns dados produzidos pela Calendar – entidade de Portugal:
- O volume total de água no planeta Terra é de 1.4 bilhões km3. Os recursos de água doce rondam os 35 milhões km3 (cerca de 2.5% do volume total de água).
- Destes 2.5%, cerca de 24 milhões km3 (ou 70%) estão em forma de gelo (zonas montanhosas, Antártida e Ártico).
- 30% da água doce disponível está armazenada no subsolo (lençóis freáticos, solos gélidos e outros). Isto representa 97% de toda a água doce disponível para uso humano.
- Os lagos e rios de água doce contêm aproximadamente 105.000 km3 (ou 0.3% de toda a água doce mundial)
- O total de água doce disponível ronda os 200.000 km3 - menos de 1% de todos os recursos de água doce disponíveis.
- A atmosfera da Terra contém aproximadamente 13.000 km3 de água.
- 70% da água doce é utilizada na rega, 22% na indústria e 8% no uso doméstico.
- Em 60% das cidades europeias com mais de 100.000 habitantes, a água do solo está a ser usada de modo mais rápido do que a sua restituição.
*J. R. Guedes de Oliveira, ex-Membro do CNRH.
E-mail: guedes.idt@terra.com.br