RACISMO –
COISA FEIA
Existem
racistas e racismo (como consequência) em todos os cantos do planeta. Uns mais,
outros menos contundentes. E, como prova de tal imbecilidade, escondido está
entre a multidão. Mas há os que, em poder de uma qualquer ira, para se
expressar em ofensa a outrem, destilam esta tal ira, jogando frutas (bananas) e
urrando como macacos, principalmente em campos de futebol onde, na verdade,
deveria imperar o congraçamento.
Está aí, para demonstrar a
prática criminosa, os desavisados de sua origem. Uma pesquisa científica feita há algum
tempo, falando sobre a origem do homem
branco e da “diversidade das raças” no Planeta Terra, dizia
sumamente que todos os homens modernos
vieram de uma única raça: a Negra. Portanto somos todos negros em nossa origem
biológico-genética, a única coisa que nos diferencia é a cor de nossa pele,
nada mais.
As recentes demonstrações de racismo,
num Brasil miscigenado, foi contra o volante Tinga, do Cruzeiro e o árbitro Márcio
Chagas da Silva. Inconformados com tal prática, denunciaram e receberam o
apoio e a solidariedade de toda a sociedade brasileira que abomina qualquer ato
de agressão.
Mas para dar conhecimento à questão
científica da origem do homem, valemo-nos de um artigo interessante e oportuno
da jornalista e pesquisadora Gisele Heymann, do jornal “Le Monde”, de Paris.
Tal matéria, traduzida para o português, foi estampada na revista “Super
Interessante”, edição de março de 1993:
“ Brancos, negros, índios e amarelos:
Todos parentes
Gisele Heymann
Apesar das diferenças de
cor e de traços, cada dia mais cientistas apostam na tese de que somos
descendentes de um único ancestral, que há 100000 anos deixou a África para
colonizar o mundo.
Samuel George Morton, um americano da Filadélfia,
morreu, em 1851, convencido de que tinha esgotado o debate sobre a diferença
fundamental entre as raças humanas. E não era o único a acreditar nisso. No dia
de sua morte, o jornal The New York Tribune, consagrou uma manchete ao
cientista americano de maior autoridade junto à comunidade internacional. Mas
o mérito tinha uma boa razão de ser. Afinal, Morton foi o primeiro cientista do
mundo a utilizar métodos considerados objetivos, e portanto indubitáveis, para
comprovar uma tese até então formulada em bases puramente retóricas. Durante
mais de vinte anos, Morton se dedicou a colecionar crânios humanos mais de mil
de inúmeras populações e passou boa parte de sua vida enchendo cada um deles,
minuciosamente, com grãos de mostarda-branca peneirada: depois de preenchida a
cavidade craniana, ele despejava os grãos num cilindro de vidro, graduado em
polegadas cúbicas, e assim obtinha a medida do encéfalo de cada um dos
espécimes com absoluta precisão. Mais tarde, ele substituiria a mostarda por
granalha de chumbo, cujos grãos mais homogêneos não deixariam pairar dúvidas
sobre suas medições. Tanto esforço foi recompensado: Morton conseguiu
demonstrar que a capacidade dos crânios teutônicos ou germânicos se elevava a
90 polegadas cúbicas, enquanto a dos australianos ou aborígines não passava de
75 polegadas. Entre os dois extremos se encontravam, em ordem decrescente,
todos os outros caucasianos, seguidos dos mongólicos, dos indígenas americanos
e, finalmente, os negros. Ou seja, ele estabeleceu uma explicação biológica
para os diferentes estágios de evolução dos povos: quanto maior o crânio, mais
evoluído o indivíduo.
Se ainda fosse vivo e visitasse a
exposição Todos Diferentes, Todos Parentes, instalada ano passado no Museu do
Homem de Paris, Morton certamente estaria fadado a um enfarte fulminante. Lá,
diante da tela de um computador, veria crianças remontando aquilo que lhe
custou os melhores anos de sua existência para separar. Diariamente, centenas
de jovens e curiosos em geral se divertem na mostra a mais visitada de 1992 e
aberta até 1994 criando homens inimagináveis, numa miscelânea que inclui os
mais variados tipos de cabelo, olhos, rosto ou mesmo o tamanho do nariz.
Essa brincadeira se confunde com a própria
explicação da origem do homem moderno, o Homo sapiens sapiens: a de que, ao
contrário do que pensava Morton, as diferenças físicas, tão gritantes a nossos
olhos, não passam de detalhes na história de uma espécie que, embora numerosa e
espalhada por todo o mundo, em última análise provém de um único ancestral
Geraldo de Moura Filho. As aparências enganam. O sentido da visão tem um papel
primordial nas percepções humanas, enquanto várias espécies de animais que
diferem na cor dos pelos ou da pele parecem não dar a menor importância a
isso, brinca o francês André Langaney, chefe do laboratório de Biometria de
Genética da Universidade de Genebra.
É certo que as questões de um século
atrás ainda persistem: se somos descendentes de um mesmo antepassado, por que
alguns têm a pele negra, cabelos crespos e olhos escuros, enquanto outros têm
olhos puxados, cabelos lisos e a pele amarela? Por que os pigmeus medem em
média 1,50 metro, enquanto suecos chegam a 1,77 m? As diferenças são tantas,
que apenas enumerá-las já soa como uma missão impossível quanto mais listar
respostas para cada uma. Mas para geneticistas como Langaney ou o célebre
italiano Luigi Luca Cavalli-Sforza, um dos maiores especialistas no assunto,
muito mais numerosas e essenciais são as igualdades. Todo homem, seja ianomâmi
ou finlandês, possui cerca de 4,5 metros quadrados de pele, 100 órgãos, 450
músculos motores, 211 ossos, 950 quilômetros de tubos (veias e artérias), 100
000 quilômetros de fibras nervosas, 5 litros de sangue, 60 trilhões de células,
etc. etc.
Tais importante ainda é que jamais se
encontraram genes que pudessem ser considerados característicos de uma única
população, por mais isolada que ela viva. Isto é: os cerca de 3 bilhões de
componentes do patrimônio genético são compartilhados pelos 5 bilhões de homens
que ocupam o planeta. Sem exceções. É o que asseguram décadas de pesquisas, em
especial as realizadas por aqueles dois especialistas. Langaney concentrou seu
trabalho em três genes que são fundamentais no ser humano. O primeiro,
responsável pelo tipo sanguíneo, é o sistema ABO. O outro, o do fator Rhesus,
determina o Rh positivo e negativo. Quanto ao terceiro, o Gm, é o gene que
produz a imunoglobulina, substância essencial para o sistema imunológico. Tais
genes se encontram em centenas de grupos étnicos, cujas células a equipe de
Langaney vasculhou. E o pesquisador é taxativo: isto descarta a possibilidade
de existirem genes brancos, negros ou amarelos, como se acreditou até há
pouco.
Nenhuma população se isolou por um
tempo suficiente para se constituir como uma raça completamente diferenciada,
garante Cavalli-Sforza. Professor da Universidade Stanford, nos Estados Unidos,
ele diz isso com a autoridade de quem nos últimos cinquenta anos se dedicou a
construir a mais completa e ambiciosa árvore genealógica da espécie humana e
hoje se dá ao conforto de andar de chinelos nos corredores da universidade.
Sforza testou nada menos de 120
características humanas gravadas nos genes, inclusive o fator Rhesus e os
sistemas ABO e Gm. E também não poupou o computador de Stanford para reagrupar
milhares de trabalhos linguísticos e arqueológicos, a partir dos quais
selecionou os 42 grupos mais estudados, numa amostragem perfeita dos habitantes
dos cinco continentes. Etíopes, pigmeus, europeus em geral, lapões, esquimós,
japoneses, polinésios e índios americanos são apenas algumas das etnias
escolhidas por ele. E, a partir desses estudos, o geneticista genovês radicado
nos Estados Unidos chegou a uma conclusão inovadora: a de que era possível
reconstituir a história da evolução humana com base na frequência de certos
genes, o chamado critério de distância genética.
O fator Rhesus é um exemplo que pode
ajudar a entender essa conclusão. Sforza verificou que 16% dos ingleses tinham
o fator Rhesus negativo, enquanto a frequência nos bascos era de 9% e nos
japoneses 0% (ver gráfico na próxima página). Se nos limitarmos ao Rhesus,
podemos dizer que os ingleses são mais próximos dos bascos que dos japoneses.
É lógico que, para obter a distância genética entre as populações, Sforza não
usou apenas um gene; analisou mais de uma centena. Graças a esse critério, pôde
chegar então às sete grandes famílias, os colonizadores da Terra: africanos,
caucasianos, asiáticos do sul, asiáticos do norte, australianos, insulares do
Pacífico e ameríndios.
Resumindo o trabalho tanto de
Langaney quanto de Sforza: se existem diferenças genéticas entre grupos
étnicos, elas estão somente na frequência com que cada gene ou grupos de genes
se apresentam nas diversas populações. O que faz, então, com que os etíopes
tenham a pele escura, enquanto os belgas têm pele clara? Ainda é cedo para
esperar uma resposta definitiva, mas hoje há um consenso de que as diferenças
são circunstanciais.
Provavelmente, uma simples questão de
clima, explica Langaney. Do ponto de vista bioquímico, por exemplo, não
existem classificações como brancos, negros e amarelos: apenas pessoas com
menos ou mais melanina. É essa substância, presente nas camadas profundas da
epiderme, que responde pela coloração da pele, dos cabelos e dos olhos. Quanto
mais melanina, mais escura a pele.
Ainda não conseguimos explicar o
mecanismo de incidência do sol na coloração da pele, nem como isso se transfere
hereditariamente, mas sabemos muito bem, por outro lado, que a síntese da
vitamina D depende diretamente dos raios ultravioleta, revela Langaney.
Presentes em maior quantidade nas zonas tropicais, esses raios são menos
absorvidos por peles escuras do que pelas claras. A falta de vitamina D, por
sua vez, causa raquitismo. Basta uma simples olhadela no mapa-múndi para notar
que, geograficamente, de acordo com a região em que se estabeleceram, as
populações são menos ou mais claras. Antes das grandes migrações que, a partir
do século XVI, marcaram a história da humanidade, todos os grupos de pele mais
escura se situavam nas zonas tropicais, enquanto os mais claros são sempre
aqueles próximos das latitudes mais altas. Ao mesmo tempo, zonas intermediárias,
como as Filipinas ou a Índia, são ocupadas por pessoas de cores igualmente
intermediárias.
Segundo a teoria mais aceita
atualmente, os homens que migraram da África Central ou do Oriente Próximo em
direção ao norte teriam mudado de cor de pele para melhor absorver os raios
ultravioleta . Assim, escapariam à ameaça do raquitismo, já que o Sol aparecia
menos por lá do que nas ter-ras de onde, supõe-se, vieram.
Além disso, tudo leva a crer que as
diferenças de cor que notamos entre um negro e um asiático, por exemplo,
ocorreram há pouco tempo na escala de desenvolvimento da humanidade.
Principalmente quando comparadas com características essenciais: é quase certo
que o código genético que determina que todos tenham 4,5 metros quadrados de
pele antecedeu em muito o que determina a coloração da pele. Para usar o mesmo
exemplo, a cor da pele parece levar de 20 000 a 40 000 anos para se modificar.
A conclusão vem do fato de a América ter sido povoada, a partir da Ásia do
Norte, há não mais de 40 000 anos. Este intervalo teria sido suficiente para
que a incidência solar dos trópicos fizesse efeito e escurecesse as populações
que ali se estabeleceram, os ameríndios. E o que são 40 000 anos diante dos 4
milhões de anos que forjaram biologicamente a espécie humana?, pergunta
Langaney.
Assim como a cor da pele, as
estaturas também parecem estar ligadas ao tipo de meio ambiente eleito por uma
população. E não deve ter sido necessário muito mais tempo do que o gasto nas
mudanças de cor para que populações africanas desenvolvessem estaturas tão
discrepantes como entre pigmeus (1,50 metro), habitantes da floresta
equatorial, e os saras (1,80 m) que habitam zonas áridas do continente. É certo
que a transformação das sociedades rurais agrícolas em sociedades urbanas
industrializadas interferiu violentamente nessa divisão: um estudo da média de
altura dos recrutas militares franceses entre 1880 e 1970 mostra que a
população masculina do país chegou a crescer 7 centímetros nesses noventa anos.
As exceções só confirmam a regra.
A seu modo, Sforza também reforça a
tese de que as diferenças aparentes são mais ligadas a fatores climáticos e
ambientais do que a origens distintas. Em sua árvore genealógica, a cor da pele
não é um critério e nada impede que brancos e negros saiam da mesma família. Os
branquelos lapões do norte europeu vieram do mesmo grupo caucasianos que
originou os escuros berberes da África. As diferenças, assim como a distância
genética, portanto, foram adquiridas através do tempo. Quanto mais distantes
geograficamente, menos as populações se parecem (veja gráfico ao lado,
embaixo). A rede genética mostra que as discordâncias se fizeram durante a
colonização do mundo, esclarece Langaney.
Embora a cadeia genética de cada uma
dessas famílias tenha sofrido alterações à medida que elas se afastavam e se
subdividiam, nenhuma desenvolveu qualquer tipo de gene específico.
Recentemente, Sforza demonstrou que, além da coincidência geográfica, a
familiaridade genética se superpõe quase sempre a uma familiaridade linguística.
Ou seja, quanto mais geneticamente próximos os grupos, mais suas línguas se
correspondem.
Arqueologicamente, hoje poucos duvidam da
origem africana do homem moderno: supõe-se que ele surgiu entre a África
Central e o Oriente Próximo, há 100 ou 150 000 anos. Pelo menos é o que indicam
seus vestígios mais antigos, entre 100 e 125 000 anos, encontrados no continente
africano. Mas foi com a descoberta do Homem de Qafzeh, um crânio desenterrado
na Palestina, que a tese da migração do Homo sapiens sapiens começou a se
concretizar: Eva, o nome dado ao mais perfeito exemplar do passado humano, viveu
há 92 000 anos. Para Sforza, a data-chave do momento em que os ramos africanos
e não-africanos se separaram para iniciar a grande andança, espalhando tipos
tão diferentes pelos quatro cantos do mundo que, às vezes, é difícil acreditar
virem todos do mesmo ancestral. Para Langaney e Sforza, apenas mais uma prova
da sabedoria do velho ditado popular: as aparências realmente enganam”.
J. R. Guedes de Oliveira