sábado, 22 de março de 2014

Entrevista sobre a direita e a esquerda na universidade. É de 2013.

Enviado por Rogerio Waldrigues Galindo, 11/11/13 4:13:39 PM

Professor diz que direita é majoritária nas universidades

Roberto_Romano

Existe um discurso que vem ganhando espaço principalmente entre a direita, e que diz que a esquerda “aparelhou” a universidade brasileira. Os professores nas públicas seriam majoritariamente de esquerda, contratariam mais gente de sua ideologia e usariam as provas de seleção como instrumentos de garantia de que só os “seus” passariam no vestibular.

O blog foi ouvir gente dentro das universidades para saber o que eles pensam disso. Nos próximos dias, vou publicar as respostas de professores de várias universidades e de vários matizes ideológicos sobre o mesmo tema.

Começamos com o professor Roberto Romano, que leciona Ética e Ciência Política na Unicamp. Ele nega o predomínio da esquerda e diz que, muito pelo contrário, há mais gente de direita nos departamentos. A orientação política dele? O blog até perguntou, mas deixa sem contar a resposta. Fica mais divertido assim, e evita-se também uma caça às bruxas ainda maior.

1- Há um predomínio de intelectuais de esquerda nas universidades públicas brasileiras? Por quê?

Discordo. O número de conservadores e pessoas favoráveis à direita, na universidade, é tão grande quanto o das esquerdas. Mas ocorreu o seguinte: nas duas ditaduras que destruíram a vida cidadã no século XX brasileiro a direita, que representa o que é mais típico do Estado e da sociedade brasileiros, ou seja, a dominação sem limites contra os “negativamente privilegiados”(o termo é de Max Weber) predominou nos governos, nas chamadas sociedades civis, nos campi. Às esquerdas foi destinado o papel de inimigo a ser cassado, perseguido, banido, exonerado das salas de aula e dos laboratórios.

No mesmo passo em que os governos ditatoriais esmagavam as esquerdas, as direitas (porque elas também podem ser enunciadas no plural) se refestelavam em cargos, sinecuras, verbas de pesquisa, etc. É conhecida dos historiadores a cooperação da direita com os regimes de força no Brasil, as cooptações, as delações contra os que não aceitavam os golpes de Estado. Leia-se novamente O livro Negro da USP e outros documentos tremendos. Como a minoria deve sempre se distinguir pelo maior ativismo, as esquerdas conseguiram mais visibilidade na ordem universitária e civil.

A direita brasileira, salvo nos últimos tempos, se caracteriza pelo sigilo, pela apropriação silenciosa do espaço público, sem precisar (insisto, até data recente) de conquistar espaços. Para ser mais claro: a direita pouco falava, pouco militava, porque suas posições tinham sido concedidas pelos canhões dos golpes de Estado e pelas polícias políticas. Com a insipiente democracia pós 88, elas começaram a sentir a necessidade de propagar suas teses e garantir suas posições.

Mas, contra o sentido da pergunta acima, digo sem medo de errar que o predomínio nas universidades é a direita. E existe, sim, direita e esquerda. A primeira exige a ordem que preserva os seus lugares de mando e de garantia social. A segunda exige mudanças na estrutura da sociedade e do Estado. Se ambas, às vezes, não são coerentes com seus próprios alvos, é assunto para outra conversa.

É possível, sim, reconhecer nos campi brasileiros os descendentes de Rousseau e de Robespierre, de Marx e de Sartre. Mas também são identificáveis os herdeiros de Burke, Bonald, De Maistre, Donoso Cortés. E são hegemônicos os que integram a segunda lista.

2- A direita acusa a esquerda de “aparelhar” as universidades. Isso seria possível? Como?

Se for verdade, a esquerda apenas repete, para seu uso próprio, o que a direita fez e faz até hoje. O problema é o tipo de prática “acadêmica” posta em movimento : o jogo do favor, das trocas de cargos e de mando, os lobbies das seitas acadêmicas, etc. Tanto uma vertente ideológica quanto a outra são mestras na arte de se apegar a cargos que levam aos recursos financeiros, às redações prestigiosas, aos comandos das fundações. Digamos: nas críticas da direita, temos o roto reclamando do rasgado.

3- Questões de vestibular, Enade e Enem, segundo parte da direita, seriam usadas como instrumento de doutrinação e de seleção de alunos que corroboram teses do atual governo. Isso faz sentido?

Sim, faz sentido, como faz sentido boa parte da nossa historiografia que narra a vida brasileira segundo parâmetros da direita, não raro repetindo estereótipos de tipo absolutista. Além disso, como exige a Ordem, a direita vira o rosto, enojada, de tema pouco “nobres”como a luta pela terra, pela igualdade dos direitos, inclusive os trabalhistas. Ela também considera os indígenas como inimigos do progresso econômico, a serem afastados do espaço social no mais curto tempo. Tudo o que não esteja antes da Revolução inglesa do século 17, da revolução norte-americana e francesa, tudo o que não se inscreva no Antigo Regime ou na Contra Revolução do século 19, é suspeito de “doutrinarismo”pela direita.

4- Por que a direita não tem mais representantes nos cursos de humanas? Faltam intelectuais à direita? Por quê?

A direita é muito bem representada nos cursos de humanas. Mas ela prefere os cursos de humanas mais úteis ao capital financeiro, aos poderes conservadores e oligárquicos, etc. Nunca foi efetivada uma pesquisa rigorosa, para saber quem, nas ciências humanas, pertence à esquerda ou à direita. O que temos são slogans, gritos de guerras dos dois setores, postos uns contra os outros.

5- Há risco de “doutrinação ideológica” dos alunos nas universidades?

Não apenas nas universidades, mas no ensino primário, secundário, religioso, técnico, etc. As várias correntes ideológicas e políticas disputam o espaço sem cessar. E não perdem tempo quando se trata de atacar os adversários, inocentando a si mesmos. O mais lamentável é a encenação da velha peça, a do lobo malvado contra o chapeuzinho vermelho. Os outros (que não seguem meus ditames de pensamento e ação) sempre representam o lobo ardiloso e pervertido. Os nossos sempre são honestos, lógicos, consequentes e sérios. É o que se chama, em boa percepção ética, uma postura maniqueia.