Na sexta-feira, 13 de março de 1964, o presidente João Goulart defendeu as reformas de base propostas por seu governo em um grande comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Cerca de 200 mil pessoas participaram do ato político.
Foto: Arquivo Nacional / Correio da Manhã
Confira a íntegra do discurso:
Devo agradecer em primeiro lugar às organizações promotoras deste
comício, ao povo em geral e ao bravo povo carioca em particular, a
realização, em praça pública, de tão entusiasta e calorosa manifestação.
Agradeço aos sindicatos que mobilizaram os seus associados, dirigindo
minha saudação a todos os brasileiros que, neste instante, mobilizados
nos mais longínquos recantos deste país, me ouvem pela televisão e pelo
rádio.
Dirijo-me a todos os brasileiros, não apenas aos que conseguiram
adquirir instrução nas escolas, mas também aos milhões de irmãos nossos
que dão ao brasil mais do que recebem, que pagam em sofrimento, em
miséria, em privações, o direito de ser brasileiro e de trabalhar sol a
sol para a grandeza deste país.
Presidente de 80 milhões de brasileiros, quero que minhas palavras sejam bem entendidas por todos os nossos patrícios.
Vou falar em linguagem que pode ser rude, mas é sincera sem
subterfúgios, mas é também uma linguagem de esperança de quem quer
inspirar confiança no futuro e tem a coragem de enfrentar sem fraquezas a
dura realidade do presente.
Aqui estão os meus amigos trabalhadores, vencendo uma campanha de
terror ideológico e sabotagem, cuidadosamente organizada para impedir ou
perturbar a realização deste memorável encontro entre o povo e o seu
presidente, na presença das mais significativas organizações operárias e
lideranças populares deste país.
Chegou-se a proclamar, até, que esta concentração seria um ato
atentatório ao regime democrático, como se no Brasil a reação ainda
fosse a dona da democracia, e a proprietária das praças e das ruas.
Desgraçada a democracia se tiver que ser defendida por tais democratas.
Democracia para esses democratas não é o regime da liberdade de
reunião para o povo: o que eles querem é uma democracia de povo
emudecido, amordaçado nos seus anseios e sufocado nas suas
reinvindicações.
A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia antipovo,
do anti-sindicato, da anti-reforma, ou seja, aquela que melhor atende
aos interesses dos grupos a que eles servem ou representam.
A democracia que eles querem é a democracia para liquidar com a
Petrobrás; é a democracia dos monopólios privados, nacionais e
internacionais, é a democracia que luta contra os governos populares e
que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício.
Ainda ontem, eu afirmava, envolvido pelo calor do entusiasmo de
milhares de trabalhadores no Arsenal da Marinha, que o que está
ameaçando o regime democrático neste País não é o povo nas praças, não
são os trabalhadores reunidos pacificamente para dizer de suas
aspirações ou de sua solidariedade às grandes causas nacionais.
Democracia é precisamente isso: o povo livre para manifestar-se,
inclusive nas praças públicas, sem que daí possa resultar o mínimo de
perigo à segurança das instituições.
Democracia é o que o meu governo vem procurando realizar, como é do
seu dever, não só para interpretar os anseios populares, mas também
conquistá-los pelos caminhos da legalidade, pelos caminhos do
entendimento e da paz social.
Não há ameaça mais séria à democracia do que desconhecer os direitos
do povo; não há ameaça mais séria à democracia do que tentar estrangular
a voz do povo e de seus legítimos líderes, fazendo calar as suas mais
sentidas reinvindicações.
Estaríamos, sim, ameaçando o regime se nos mostrássemos surdos aos
reclamos da Nação, que de norte a sul, de leste a oeste levanta o seu
grande clamor pelas reformas de estrutura, sobretudo pela reforma
agrária, que será como complemento da abolição do cativeiro para dezenas
de milhões de brasileiros que vegetam no interior, em revoltantes
condições de miséria.
Ameaça à democracia não é vir confraternizar com o povo na rua.
Ameaça à democracia é empulhar o povo explorando seus sentimentos
cristãos, mistificação de uma indústria do anticomunismo, pois tentar
levar o povo a se insurgir contra os grandes e luminosos ensinamentos
dos últimos Papas que informam notáveis pronunciamentos das mais
expressivas figuras do episcopado brasileiro.
O inolvidável Papa João XXIII é quem nos ensina que a
dignidade da pessoa humana exige normalmente como fundamento natural
para a vida, o direito ao uso dos bens da terra, ao qual corresponde a
obrigação fundamental de conceder uma propriedade privada a todos.
É dentro desta autêntica doutrina cristã que o governo brasileiro vem
procurando situar a sua política social, particurlamente a que diz
respeito à nossa realidade agrária.
O cristianismo nunca foi o escudo para os privilégios condenados pelos Santos Padres. Nem os rosários
podem ser erguidos como armas contra os que reclamam a disseminação da
propriedade privada da terra, ainda em mãos de uns poucos afortunados.
Àqueles que reclamam do Presidente de República uma palavra tranqüilizadora para a Nação, o que posso dizer-lhes é que só conquistaremos a paz social pela justiça social.
Perdem seu tempo os que temem que o governo passe a empreender uma
ação subversiva na defesa de interesses políticos ou pessoais; como
perdem igualmente o seu tempo os que esperam deste governo uma ação
repressiva dirigida contra os interesses do povo. Ação repressiva, povo
carioca, é a que o governo está praticando e vai amplia-la cada vez mais
e mais implacavelmente, assim na Guanabara como em outros estados
contra aqueles que especulam com as dificuldades do povo, contra os que
exploram o povo e que sonegam gêneros alimentícios e jogam com seus
preços.
Ainda ontem, trabalhadores e povo carioca, dentro da associações de
cúpula de classes conservadoras, levanta-se a voz contra o Presidente
pelo crime de defender o povo contra aqueles que o exploram nas ruas, em
seus lares, movidos pela ganância.
Não tiram o sono as manifestações de protesto dos gananciosos,
mascarados de frases patrióticas, mas que, na realidade, traduzem suas
esperanças e seus propósitos de restabelecer a impunidade para suas
atividades anti-sociais.
Não receio ser chamado de subversivo pelo fato de proclamar, e tenho
proclamado e continuarei a proclamando em todos os recantos da Pátria – a
necessidade da revisão da Constituição, que não atende mais aos anseios
do povo e aos anseios do desenvolvimento desta Nação.
Essa Constituição é antiquada, porque legaliza uma estrutura
sócio-econômica já superada, injusta e desumana; o povo quer que se
amplie a democracia e que se ponha fim aos privilégios de uma minoria;
que a propriedade da terra seja acessível a todos; que a todos seja
facultado participar da vida política através do voto, podendo votar e
ser votado; que se impeça a intervenção do poder econômico nos pleitos
eleitorais e seja assegurada a representação de todas as correntes
políticas, sem quaisquer discriminações religiosas ou ideológicas.
Todos têm o direito à liberdade de opinião e de manifestar também sem
temor o seu pensamento. É um princípio fundamental dos direitos do
homem, contido na Carta das Nações Unidas, e que temos o dever de assegurar a todos os brasileiros.
Está nisso o sentido profundo desta grande e incalculável multidão
que presta, neste instante, manifestação ao Presidente que, por sua vez,
também presta conta ao povo dos seus problemas, de suas atitudes e das
providências que vem adotando na luta contra forças poderosas, mas que
confia sempre na unidade do povo, das classes trabalhadoras, para
encurtar o caminho da nossa emancipação.
É apenas de lamentar que parcelas ainda ponderáveis que tiveram
acesso à instrução superior continuem insensíveis, de olhos e ouvidos
fechados à realidade nacional.
São certamente, trabalhadores, os piores surdos e os piores cegos,
porque poderão, com tanta surdez e tanta cegueira, ser os responsáveis
perante a História pelo sangue brasileiro que possa vir a ser derramado,
ao pretenderem levantar obstáculos ao progresso do Brasil e à
felicidade de seu povo brasileiro.
De minha parte, à frente do Poder Executivo, tudo continuarei fazendo
para que o processo democrático siga um caminho pacífico, para que
sejam derrubadas as barreiras que impedem a conquista de novas etapas do
progresso.
E podeis estar certos, trabalhadores, de que juntos o governo e o
povo – operários , camponeses, militares, estudantes, intelectuais e
patrões brasileiros, que colocam os interesses da Pátria acima de seus
interesses, haveremos de prosseguir de cabeça erguida, a caminhada da
emancipação econômica e social deste país.
O nosso lema, trabalhadores do Brasil, é “progresso com justiça, e desenvolvimento com igualdade”.
A maioria dos brasileiros já não se conforma com uma ordem social
imperfeita, injusta e desumana. Os milhões que nada têm impacientam-se
com a demora, já agora quase insuportável, em receber os dividendos de
um progresso tão duramente construído, mas construído também pelos mais
humildes.
Vamos continuar lutando pela construção de novas usinas, pela
abertura de novas estradas, pela implantação de mais fábricas, por novas
escolas, por mais hospitais para o nosso povo sofredor; mas sabemos que
nada disso terá sentido se o homem não for assegurado o direito sagrado
ao trabalho e uma justa participação nos frutos deste desenvolvimento.
Não, trabalhadores; sabemos muito bem que de nada vale ordenar a
miséria, dar-lhe aquela aparência bem comportada com que alguns
pretendem enganar o povo. Brasileiros, a hora é das reformas de
estrutura, de métodos, de estilo de trabalho e de objetivo. Já sabemos
que não é mais possível progredir sem reformar; que não é mais possível
admitir que essa estrutura ultrapassada possa realizar o milagre da
salvação nacional para milhões de brasileiros que da portentosa
civilização industrial conhecem apenas a vida cara, os sofrimentos e as
ilusões passadas.
O caminho das reformas é o caminho do progresso pela paz social.
Reformar é solucionar pacificamente as contradições de uma ordem
econômica e jurídica superada pelas realidades do tempo em que vivemos.
Trabalhadores, acabei de assinar o decreto da SUPRA
com o pensamento voltado para a tragédia do irmão brasileiro que sofre
no interior de nossa Pátria. Ainda não é aquela reforma agrária pela
qual lutamos.
Ainda não é a reformulação de nosso panorama rural empobrecido.
Ainda não é a carta de alforria do camponês abandonado.
Mas é o primeiro passo: uma porta que se abre à solução definitiva do problema agrário brasileiro.
O que se pretende com o decreto que considera de interesse social
para efeito de desapropriação as terras que ladeiam eixos rodoviários,
leitos de ferrovias, açudes públicos federais e terras beneficiadas por
obras de saneamento da União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou
subutilizadas, ainda submetidas a um comércio especulativo, odioso e
intolerável.
Não é justo que o benefício de uma estrada, de um açude ou de uma
obra de saneamento vá servir aos interesses dos especuladores de terra,
quese apoderaram das margens das estradas e dos açudes. A Rio-Bahia,
por exemplo, que custou 70 bilhões de dinheiro do povo, não deve
bemeficiar os latifundiários, pela multiplicação do valor de suas
propriedades, mas sim o povo.
Não o podemos fazer, por enquanto, trabalhadores, como é de prática
corrente em todos os países do mundo civilizado: pagar a desapropriação
de terras abandonadas em títulos de dívida pública e a longo prazo.
Reforma agrária com pagamento prévio do latifundio
improdutivo, à vista e em dinheiro, não é reforma agrária. É negócio
agrário, que interessa apenas ao latifundiário, radicalmente oposto aos
interesses do povo brasileiro. Por isso o decreto da SUPRA não é a reforma agrária.
Sem reforma constitucional, trabalhadores, não há reforma agrária.
Sem emendar a Constituição, que tem acima de dela o povo e os interesses
da Nação, que a ela cabe assegurar, poderemos ter leis agrárias
honestas e bem-intencionadas, mas nenhuma delas capaz de modificações
estruturais profundas.
Graças à colaboração patriótica e técnica das nossas gloriosas Forças
Armadas, em convênios realizados com a SUPRA, graças a essa
colaboração, meus patrícios espero que dentro de menos de 60 dias já
comecem a ser divididos os latifúndios das beiras das estradas, os
latifúndios aos lados das ferrovias e dos açudes construídos com o
dinheiro do povo, ao lado das obras de saneamento realizadas com o
sacrifício da Nação.
E, feito isto, os trabalhadores do campo já poderão, então, ver
concretizada, embora em parte, a sua mais sentida e justa
reinvindicação, aquela que lhe dará um pedaço de terra para trabalhar,
um pedaço de terra para cultivar. Aí, então, o trabalhador e sua família
irão trabalhar para si próprios, porque até aqui eles trabalham para o
dono da terra, a quem entregam, como aluguel, metade de sua produção. E
não se diga, trabalhadores, que há meio de se fazer reforma sem mexer a
fundo na Constituição. Em todos os países civilizados do mundo já foi
suprimido do texto constitucional parte que obriga a desapropriação por
interesse social, a pagamento prévio, a pagamento em dinheiro.
No Japão de pós-guerra, há quase 20 anos, ainda
ocupado pelas forças aliadas vitoriosas, sob o patrocínio do comando
vencedor, foram distribuídos dois milhões e meio de hectares das
melhores terras do país, com indenizações pagas em bônus com 24 anos de
prazo, juros de 3,65% ao ano. E quem é que se lembrou de chamar o General MacArthur de subversivo ou extremista?
Na Itália, ocidental e democrática, foram
distribuídos um milhão de hectares, em números redondos, na primeira
fase de uma reforma agrária cristã e pacífica iniciada há quinze anos,
150 mil famílias foram beneficiadas.
No México, durante os anos de 1932 a 1945, foram
distribuídos trinta milhões de hectares, com pagamento das indenizações
em títulos da dívida pública, 20 anos de prazo, juros de 5% ao ano, e
desapropriação dos latifúndios com base no valor fiscal.
Na Índia foram promulgadas leis que determinam a
abolição da grande propriedade mal aproveitada, transferindo as terras
para os camponeses.
Essas leis abrangem cerca de 68 milhões de hectares, ou seja, a
metade da área cultivada da Índia. Todas as nações do mundo,
independentemente de seus regimes políticos, lutam contra a praga do
latifúndio improdutivo.
Nações capitalistas, nações socialistas, nações do Ocidente, ou do
Oriente, chegaram à conclusão de que não é possível progredir e conviver
com o latifúndio.
A reforma agrária não é capricho de um governo ou programa de um
partido. É produto da inadiável necessidade de todos os povos do mundo.
Aqui no Brasil, constitui a legenda mais viva da reinvindicação do nosso
povo, sobretudo daqueles que lutaram no campo.
A reforma agrária é também uma imposição progressista do mercado interno, que necessita aumentar a sua produção para sobreviver.
Os tecidos e os sapatos sobram nas prateleiras das lojas e as nossas
fábricas estão produzindo muito abaixo de sua capacidade. Ao mesmo tempo
em que isso acontece, as nossas populações mais pobres vestem farrapos e
andam descalças, porque não tem dinheiro para comprar.
Assim, a reforma agrária é indispensável não só para aumentar o nível
de vida do homem do campo, mas também para dar mais trabalho às
industrias e melhor remuneração ao trabalhador urbano.
Interessa, por isso, também a todos os industriais e aos
comerciantes. A reforma agrária é necessária, enfim, à nossa vida social
e econômica, para que o país possa progredir, em sua indústria e no
bem-estar do seu povo.
Como garantir o direito de propriedade autêntico, quando dos quinze
milhões de brasileiros que trabalham a terra, no Brasil, apenas dois
milhões e meio são proprietários?
O que estamos pretendendo fazer no Brasil, pelo caminho da reforma
agrária, não é diferente, pois, do que se fez em todos os países
desenvolvidos do mundo. É uma etapa de progresso que precisamos
conquistar e que haveremos de conquistar.
Esta manifestação deslumbrante que presenciamos é um testemunho vivo
de que a reforma agrária será conquistada para o povo brasileiro. O
próprio custo daprodução, trabalhadores, o próprio custo dos gêneros
alimentícios está diretamente subordinado às relações entre o homem e a
terra. Num país em que se paga aluguéis da terra que sobem a mais de 50
por cento da produção obtida daquela terra, não pode haver gêneros
baratos, não pode haver tranquilidade social.
No meu Estado, por exemplo, o Estado do deputado Leonel Brizola, 65%
da produção de arroz é obtida em terras alugadas e o arrendamento
ascende a mais de 55% do valor da produção. O que ocorre no Rio Grande é
que um arrendatário de terras para plantio de arroz paga, em cada ano, o
valor total da terra que ele trabahou para o proprietário. Esse
inquilinato rural desumano é medieval é o grande responsável pela
produção insuficiente e cara que torna insuportável o custo de vida para
as classes populares em nosso país.
A reforma agrária só prejudica a uma minoria de insensíveis, que
deseja manter o povo escravo e a Nação submetida a um miseravel padrão
de vida.
E é claro, trabalhadores, que só se pode iniciar uma reforma agrária
em terras economicamente aproveitáveis. E é claro que não poderíamos
começar a reforma agrária, para atender aos anseios do povo, nos Estados
do Amazonas ou do Pará. A reforma agrária deve ser iniciada nas terras
mais valorizadas e ao lado dos grandes centros de consumo, com
transporte fácil para o seu escoamento.
Governo nenhum, trabalhadores, povo nenhum, por maior que seja seu
esforço, e até mesmo o seu sacrifício, poderá enfrentar o monstro
inflacionário que devora os salários, que inquieta o povo assalariado,
se não forem efetuadas as reformas de estrutura de base exigidas pelo
povo e reclamadas pela Nação.
Tenho autoridade para lutar pela reforma da atual Constituição,
porque esta reforma é indispensável e porque seu objetivo único e
exclusivo é abrir o caminho para a solução harmônica dos problemas que
afligem o nosso povo.
Não me animam, trabalhadores – e é bom que a nação me ouça –
quaisquer propósitos de ordem pessoal. Os grandes beneficiários das
reformas serão, acima de todos, o povo brasileiro e os governos que me
sucederem. A eles, trabalhadores, desejo entregar uma Nação
engrandecida, emancipada e cada vez mais orgulhosa de si mesma, por ter
resolvido mais uma vez, pacificamente, os graves problemas que a
História nos legou. Dentro de 48 horas, vou entregar à consideração do
Congresso Nacional a mensagem presidencial deste ano.
Nela, estão claramente expressas as intenções e os objetivos deste
governo. Espero que os senhres congressistas, em seu patriotismo,
compreendam o sentido social da ação governamental, que tem por
finalidade acelerar o progresso deste país e assegurar aos brasileiros
melhores condições de vida e trabalho, pelo caminho da paz e do
entendimento, isto é, pelo caminho reformista.
Mas estaria faltando ao meu dever se não transmitisse, também, em
nome do povo brasileiro, em nome destas 150 ou 200 mil pessoas que aqui
estão, caloroso apelo ao Congresso Nacional para que venha ao encontro
das reinvindicações populares, para que, em seu patriotismo, sinta os
anseios da Nação, que quer abrir caminho, pacífica e democraticamente
para melhores dias. Mas também, trabalhadores, quero referir-me a um
outro ato que acabo de assinar, interpretando os sentimentos
nacionalistas destes país. Acabei de assinar, antes de dirigir-me para
esta grande festa cívica, o decreto de encampação de todas as refinarias
particulares.
A partir de hoje, trabalhadores brasileiros, a partir deste instante,
as refinarias de Capuava, Ipiranga, Manguinhos, Amazonas, e Destilaria
Rio Grandense passam a pertencer ao povo, passam a pertencer ao
patrimônio nacional.
Procurei, trabalhadores, depois de estudos cuidadosos elaborados por
órgãos técnicos, depois de estudos profundos, procurei ser fiel ao
espírito da Lei n. 2.004, lei que foi inspirada nos ideais patrióticos e
imortais de um brasileiro que também continua imortal em nossa alma e
nosso espírito.
Ao anunciar, à frente do povo reunido em praça pública, o decreto de
encampação de todas as refinarias de petróleo particulares, desejo
prestar homenagem de respeito àquele que sempre esteve presente nos
sentimentos do nosso povo, o grande e imortal Presidente Getúlio Vargas.
O imortal e grande patriota Getúlio Vargas tombou, mas o povo
continua a caminhada, guiado pelos seus ideais. E eu, particurlamente,
vivo hoje momento de profunda emoção ao poder dizer que, com este ato,
soube interpretar o sentimento do povo brasileiro.
Alegra-me ver, também, o povo reunido para prestigiar medidas como
esta, da maior significação para o desenvolvimento do país e que
habilita o Brasil a aproveitar melhor as suas riquezas minerais,
especialmente as riquezas criadas pelo monopólio do petróleo. O povo
estará sempre presente nas ruas e nas praças públicas, para prestigiar
um governo que pratica atos como estes, e também para mostrar às forças
reacionárias que há de continuar a sua caminhada, no rumo da emancipação
nacional.
Na mensagem que enviei à consideração do Congresso Nacional, estão
igualmente consignadas duas outras reformas que o povo brasileiro
reclama, porque é exigência do nosso desenvolvimento e da nossa
democracia. Refiro-me à reforma eleitoral, à reforma ampla que permita a
todos os brasileiros maiores de 18 anos ajudar a decidir dos seus
destinos, que permita a todos os brasileiros que lutam pelo
engrandecimento do país a influir nos destinos gloriosos do Brasil.
Nesta reforma, pugnamos pelo princípio democrático, princípio
democrático fundamental, de que todo alistável deve ser também elegível.
Também está consignada na mensagem ao Congresso a reforma
universitária, reclamada pelos estudantes brasileiros. Pelos
universitários, classe que sempre tem estado corajosamente na vanguarda
de todos os movimentos populares nacionalistas.
Ao lado dessas medidas e desses decretos, o governo continua
examinando outras providências de fundamental importância para a defesa
do povo, especialmente das classes populares.
Dentro de poucas horas, outro decreto será dado ao conhecimento da
Nação. É o que vai regulamentar o preço extorsivo dos apartamentos e
residências desocupados, preços que chegam a afrontar o povo e o Brasil,
oferecidos até mediante o pagamento em dólares. Apartamento no Brasil
só pode e só deve ser alugado em cruzeiros, que é dinheiro do povo e a
moeda deste país. Estejam tranqüilos que dentro em breve esse decreto
será uma realidade.
E realidade há de ser também a rigorosa e implacável fiscalização
para seja cumprido. O governo, apesar dos ataques que tem sofrido,
apesar dos insultos, não recuará um centímetro sequer na fiscalização
que vem exercendo contra a exploração do povo. E faço um apelo ao povo
para que ajude o governo na fiscalização dos exploradores do povo, que
são também exploradores do Brasil. Aqueles que desrespeitarem a lei,
explorando o povo – não interessa o tamanho de sua fortuna, nem o
tamanho de seu poder, esteja ele em Olaria ou na Rua do Acre – hão de
responder, perante a lei, pelo seu crime.
Aos servidores públicos da Nação, aos médicos, aos engenheiros do
serviço público, que também não me têm faltado com seu apoio e o calor
de sua solidariedade, posso afirmar que suas reinvindicações justas
estão sendo objeto de estudo final e que em breve serão atendidas.
Atendidas porque o governo deseja cumprir o seu dever com aqueles que
permanentemente cumprem o seu para com o país.
Ao encerrar, trabalhadores, quero dizer que me sinto reconfortado e
retemperado para enfrentar a luta que tanto maior será contra nós quanto
mais perto estivermos do cumprimento de nosso dever. À medida que esta
luta apertar, sei que o povo também apertará sua vontade contra aqueles
quenão reconhecem os direitos populares, contra aqueles que exploram o
povo e a Nação.
Sei das reações que nos esperam, mas estou tranqüilo, acima de tudo
porque sei que o povo brasileiro já está amadurecido, já tem consciência
da sua força e da sua unidade, e não faltará com seu apoio às medidas
de sentido popular e nacionalista.
Quero agradecer, mais uma vez, esta extraordinária manifestação, em
que os nossos mais significativos líderes populares vieram dialogar com o
povo brasileiro, especialmente com o bravo povo carioca, a respeito dos
problemas que preocupam a Nação e afligem todos os nossos patrícios.
Nenhuma força será capaz de impedir que o governo continue a assegurar
absoluta liberdade ao povo brasileiro. E, para isto, podemos declarar,
com orgulho, que contamos com a compreensão e o patriotismo das bravas e
gloriosas Forças Armadas da Nação.
Hoje, com o alto testemunho da Nação e com a solidariedade do povo,
reunido na praça que só ao povo pertence, o governo, que é também o povo
e que também só ao povo pertence, reafirma os seus propósitos
inabaláveis de lutar com todas as suas forças pela reforma da sociedade
brasileira. Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma
tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela
elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática,
pela emancipação econômica, pela justiça social e pelo progresso do
Brasil.