Cópia do cartão de abertura da conta de Robson Marinho foi enviada para investigadores brasileiros
por Fausto Macedo
A Suíça enviou aos investigadores brasileiros cópia do cartão de
abertura da conta secreta em Genebra do conselheiro do Tribunal de
Contas do Estado, Robson Riedel Marinho, ex-chefe da Casa Civil do
governo Mário Covas (PSDB). Nessa conta, numerada 17321-1, do Credit
Lyonnais Suísse – Credit Agricole, o conselheiro recebeu US$ 1,1 milhão.
O dinheiro que abasteceu a conta de Marinho, segundo suspeita o
Ministério Público Federal, teve origem no Caso Alstom – esquema de
pagamento de propinas na área de energia do Estado, entre outubro de
1998 e dezembro de 2002, nos governos Covas e Geraldo Alckmin.
Os investigadores classificam como “revelador” o documento bancário,
uma das mais importantes provas já surgidas contra o ex-braço direito de
Covas. Desde 2010, quando a Justiça de São Paulo acolheu ação cautelar
de sequestro de seus valores. Marinho nega possuir ativos no exterior.
Em fevereiro, a Justiça Federal abriu ação penal contra 11
denunciados no caso Alstom, entre lobistas, executivos e ex-dirigentes
da Eletropaulo e da Empresa Paulista de Transmissão de Energia (EPTE),
antigas estatais do setor. A eles teriam sido oferecidos R$ 23,3 milhões
em ‘comissões’ para viabilizar contrato de interesse da multinacional
francesa no valor de R$ 181 milhões.
Marinho não está entre os acusados neste processo porque desfruta de
foro privilegiado. Ele é alvo de investigação criminal do Superior
Tribunal de Justiça (STJ).
A suspeita sobre Marinho tem base em julgamento que favoreceu a
Alstom do Brasil. Ele foi o relator. Em sessão de 27 de novembro de
2001, o conselheiro votou pela regularidade do ato declaratório de
inexigibilidade de licitação para extensão da garantia de equipamentos,
pelo prazo de 12 meses, prevista no décimo aditivo do contrato Gisel
(Grupo Industrial para o Sistema da Eletropaulo).
Marinho abriu a conta secreta por correspondência, sem sair de São
Paulo, informam os investigadores. O cartão foi preenchido de punho
próprio pelo conselheiro no dia 13 de março de 1998. No campo destinado
às assinaturas aparecem, por extenso, os nomes dele e da mulher, Maria
Lucia de Oliveira Marinho, como titulares.
Posteriormente, segundo os registros da instituição financeira suíça,
assumiu a titularidade da conta a offshore Higgins Finance Ltd,
constituída nas Ilhas Virgens Britânicas e incorporada por uma pessoa
jurídica que concedeu a Marinho o direito de uso a partir de janeiro de
1998 – nessa ocasião, ele já havia assumido o cargo no TCE, por
indicação de seu padrinho político, Covas.
Outros documentos enviados pela Procuradoria da Suíça revelam as
fontes que abasteceram a conta do conselheiro. Oito transferências,
somando US$ 953,69 mil, entre 1998 e 2005, foram realizadas pelo
empresário Sabino Indelicato, denunciado no caso Alstom por corrupção e
lavagem de dinheiro.
Amigo de Marinho, ele é apontado pela Procuradoria da República como pagador de propinas do caso Alstom.
Um primeiro repasse ocorreu a 19 de junho de 1998, no valor de US$
326,13 mil. Em 2005, dois depósitos, um no dia 28 de fevereiro (US$
242,96 mil) e outro em 15 de março (US$ 121,52 mil).
Indelicato foi secretário municipal de Obras da gestão Robson Marinho
como prefeito de São José dos Campos (SP), na década de 1980.
Ele controla a Acqua Lux Engenharia, situada no pequeno município de
Monteiro Lobato (SP), que captou entre 1999 e 2001 a quantia de R$ 2,21
milhões de coligadas da multinacional, por serviços fictícios de
consultoria, segundo os investigadores. “O Grupo Alstom, visando
internalizar dinheiro que seria utilizado para o pagamento de vantagem
indevida, depositava valores na conta desta empresa (Acqualux)”, afirma a
Procuradoria.
Laudo financeiro da Polícia Federal indica que a Acqua Lux repassou
R$ 1,84 milhão para a conta pessoal de Indelicato, também alojada no
Credit Lyonnais, banco francês que em 2003 foi comprado pelo Credit
Agricole – ele abriu a conta três dias antes de Marinho, em 10 de março
de 1998.
Já sob titularidade da Higgins Finance, mas com o mesmo número, a
conta de Marinho foi contemplada com mais US$ 146,5 mil, depositados
pela MCA Uruguay, offshore de Tortola (Ilhas Virgens), que recebeu R$
40,11 milhões da Alstom, entre 2000 e 2007, também por serviços não
realizados.
Com a palavra, a defesa. O criminalista Celso
Vilardi, que defende Robson Marinho, disse que não ia comentar a
revelação sobre o cartão de abertura da conta do conselheiro do Tribunal
de Contas do Estado porque não teve acesso ao documento. “Não sei a
fonte e não vou comentar antes de ter acesso. Não tenho conhecimento
sobre papéis enviados pela Suíça com citações ao conselheiro”, observou
Vilardi.
Ele destacou que Marinho “jamais julgou ou participou de qualquer julgamento do projeto Gisel”.
O advogado afirmou que o ex-chefe da Casa Civil do governo Mário
Covas “só se manifestou (como conselheiro de contas) sobre a garantia
(dos equipamentos), o que ocorreu anos depois do contrato do projeto
Gisel”.
“Ele (Marinho) não tem nada a ver com isso”, enfatiza Vilardi. “Os
fatos apontados na denúncia (da Procuradoria da República) aconteceram
quatro anos antes de ele julgar a extensão de garantia que passou no
TCE. As datas não batem. Marinho está sendo acusado de receber valor em
1998, quando nem existia ainda a questão da extensão da garantia. Me
causa surpresa porque ele jamais julgou o projeto abordado na denúncia,
apenas uma extensão de garantia que foi feita anos depois do contrato.”
A advogada Dora Cavalcanti, que defende o empresário Sabino
Indelicato, informou que ele e Marinho são amigos há muitos anos e
sócios em empreendimentos imobiliários em São José dos Campos
(SP).”Indelicato permanece, como sempre, à disposição da Justiça e
confiante de que irá provar sua inocência.” Ela disse que também não
teve acesso a documentos enviados pela Suíça.
A Alstom tem reiterado que enfrenta acusações no Brasil “relativas à
não-conformidade com leis e regras de competição”. A empresa destaca que
“tem implementado, em toda a sua organização, regras estritas de
conformidade e ética que devem ser aderidas por todos os funcionários”.