Seg
, 24/03/2014 às 07:30
Petrobras abriu mão de cobrar 'calote' da Venezuela
Lisandra Paraguassu, Andreza Matais e Fabio Fabrini | Agência Estado
Documentos inéditos da Petrobras aos quais o Estado teve acesso
mostram que a empresa brasileira abriu mão de penalidades que exigiriam
da Venezuela o pagamento de uma dívida feita pelo Brasil para o projeto e
o começo das obras na refinaria Abreu Lima, em Pernambuco. O acordo "de
camaradas", segundo fontes da estatal, feito entre o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e o ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez deixou o
Brasil com a missão de garantir, sozinho, investimentos de quase US$ 20
bilhões.
O acordo previa que a Petrobras teria 60% da
Abreu e Lima e a Petróleos de Venezuela SA (PDVSA), 40%. Os aportes de
recursos seriam feitos aos poucos e, caso a Venezuela não pagasse a sua
parte, a Petrobras poderia fazer o investimento e cobrar a dívida com
juros, ou receber em ações da empresa venezuelana, a preços de mercado.
Essas penalidades, no entanto, só valeriam depois de assinado o contrato
definitivo, de acionistas. Elas não chegaram a entrar em vigor, já que o
contrato não foi assinado.
Os documentos obtidos pelo
Estado mostram que a sociedade entre a Petrobras e PDVSA para construção
da refinaria nunca foi assinada. Existe hoje apenas um "contrato de
associação", um documento provisório, que apenas prevê, no caso de
formalização futura da sociedade, sanções pelo "calote" venezuelano.
Desde
2005, quando esse termo de compromisso foi assinado pelos dois
governos, até o ano passado, a Petrobras tentou receber o dinheiro
devido pela PDVSA - sem sucesso. Em outubro do ano passado, quando o
investimento na refinaria já chegava aos U$ 18 bilhões, a estatal
brasileira desistiu.
Os venezuelanos não negam a dívida.
No item 7 do "contrato de associação" a PDVSA admite sua condição de
devedora (ver ao lado). Antes desse documento, ao tratar do fechamento
da operação, uma das condições era o depósito, pelas duas empresas, dos
recursos equivalentes à sua participação acionária em uma conta no Banco
do Brasil - o que a o governo da Venezuela nunca fez.
Em
outro documento obtido pelo Estado, a Petrobras afirma que estariam
previstas penalidades para o "descumprimento de dispositivos
contratuais". Como nos outros casos, essa previsão não levou a nada,
porque as penalidades só seriam válidas quando a estatal venezuelana se
tornasse sócia da Abreu e Lima - e isso não ocorreu.
Chávez e Lula
A
ideia de construir a refinaria partiu de Hugo Chávez, em 2005. A
Venezuela precisava de infraestrutura para refinar seu petróleo e
distribuí-lo na América do Sul, mas não tinha recursos para bancar tudo
sozinha. Lula decidiu bancar a ideia. Mas Caracas nunca apresentou nem
os recursos nem as garantias para obter um empréstimo e quitar a dívida
com a Petrobrás.
Em dezembro de 2011, em sua primeira
visita oficial a Caracas, a presidente Dilma Rousseff tratou o assunto
diretamente com Chávez, que prometeu, mais uma vez, uma solução. Nessa
visita, o presidente da PDVSA, Rafael Ramírez, chegou a anunciar que
"havia cumprido seus compromissos" com a empresa e entregue uma "mala de
dinheiro em espécie" e negociado uma linha de crédito do Banco de
Desenvolvimento da China. Esses recursos nunca se materializaram.
O
projeto inicial, que era de US$ 2,5 bilhões, já chegava, em outubro do
ano passado, aos US$ 18 bilhões, quando a Petrobras apresentou ao seu
Conselho de Administração a proposta de assumir integralmente a
refinaria. A estimativa é que o custo total fique em torno de US$ 20
bilhões.
Para justificar os novos valores, a empresa cita
ajustes cambiais e de contratos, gastos com adequação ambiental e o fato
de ter ampliado a capacidade de produção de 200 mil para 230 mil barris
por dia. Os novos itens e a ampliação da produção explicariam o custo
oito vezes maior que o inicial.
Procurada pelo jornal O Estado de S. Paulo, para falar sobre o "calote" da Venezuela, a Petrobras informou que nada comentará. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.