sexta-feira, 21 de março de 2014

Enviado por um amigo estimado. Discordo pontualmente do texto. Eu mesmo escrevi um artigo, no Estadão, criticando a mania de chamar a todos os oponentes de fascistas. Republicarei o texto no próximo post. Mas creio ser errado dizer que não existem fascistas na Ucrânia e, note-se, tanto no lado que apoia a Russia quanto no me apoia o "Ocidente". Enfim, acho estranho que alguns escritores brasileiros considerem "baderna"gente nas ruas e "democracia"na Venezuela. Todos seguimos o golpe de Estado que por o falastrão Chavez para correr por alguns dias. Os decretos dos ditadores que assumiram o poder nada apresentaram em termos democráticos. Pelo contrário: censura, perseguição, etc. No caso da Venezuela, os dois lados têm ranços autoritários. Se os embates atuais ajudassem a diminuir os ranços de cada um dos lados, seria excelente. Mas unir o que se passa na Ucrânia ao que ocorre na Venezuela é um tanto forçado. É o que penso.

Quando chamar alguém de fascista
·         Foi o fascismo que nos deu a noção de um líder todo-poderoso, carismático, capaz de encarnar os anseios da nação


Palavras são armas. E, quando você mira num inimigo político, a palavra “fascista” equivale a um obus. Na era pós-Auschwitz, acusar alguém de “fascista” é uma das mais devastadoras acusações.

Raramente a palavra experimentou um retorno como o que vemos hoje. O maior acelerador hoje é a crise na Ucrânia. Vladimir Putin e a mídia estatal russa adoram descrever os revolucionários em Kiev como “fascistas” (termo firmemente rejeitado pelos defensores dos protestos que derrubaram o presidente Viktor Yanukovich). O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, usa “fascistas” para os manifestantes que têm saído às ruas para pedir sua demissão. (Madonna respondeu aplicando a mesma palavra a Maduro.) Turcos de esquerda que se manifestam contra o premier Recep Erdogan denunciam seu “fascismo”.

Na Ásia, comparar países com a Alemanha nazista tornou-se um jogo de salão. Os norte-coreanos chamam o premier japonês, Shinzo Abe, de “Hitler asiático”. Os chineses acusam Abe de “venerar nazistas orientais” por suas visitas a um controvertido santuário da Segunda Guerra Mundial. Hillary Clinton não empregou a palavra para Putin, mas comparou a ocupação da Crimeia à tomada dos Sudetos por Hitler.

Quando as pessoas usam uma palavra tão carregada com tal facilidade é tempo de um choque de realidade. Há consenso entre historiadores e cientistas políticos sobre como defini-la.
1. Começa com a quimera da pureza racial.

Historicamente, o fascismo nasceu das ansiedades do fim do século XIX, quando radicais de direita em países europeus começaram a se ver como parte de “nações” orgânicas, que enfrentavam ameaças existenciais diante das poderosas novas ideologias do socialismo e do capitalismo. Para eles, teorias abstrusas pareciam confirmar a ideia de que minorias “inferiores” (judeus, eslavos) conspiravam para atacá-los. O colapso das monarquias dominantes e do sistema tradicional de valores na Primeira Guerra Mundial abriu um vácuo que os fascistas correram a preencher.

E no mundo de hoje? Há muitos racialistas xenófobos por aí. Mas apenas o racismo não faz de você um fascista.

2. O Estado reina supremo.

“Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado.” A frase é de Benito Mussolini, uma das primeiras pessoas a falar com aprovação de “totalitarismo”. Fascistas acreditam no Estado porque o veem como a manifestação lógica da vontade de uma nação de afirmar e defender seus direitos coletivos. Assim, sindicatos, clubes e a imprensa deveriam ser subordinados ao governo. Noções como “direitos humanos” nada significam fora da moldura da “comunidade popular”. Os fascistas têm pouco em comum com, por exemplo, supremacistas brancos americanos, profundamente desconfiados de qualquer tipo de governo. Fascistas e anarquistas ocupam lados opostos do espectro político.

3. Um único homem forte dá as ordens.

Foi o fascismo que nos deu a noção de um líder todo-poderoso, carismático — o Duce ou o Führer — que pessoalmente encarna os anseios da nação. (O comunismo também tinha seu Grande Timoneiro e seus Jardineiros da Felicidade, mas mesmo esses personagens sobre-humanos ainda estavam supostamente seguindo os ensinamentos de um certo filósofo judeu alemão.) Muitos autocratas pós-1945 — vem à mente o argentino Juan Perón — aprenderam com esses modelos.

É digno de nota que os movimentos de protesto na Ucrânia ou na Venezuela não lutam para instalar um líder em particular. Eles querem democracia — o oposto do poder de um só homem.

4. Fascistas põem os militares acima de todos.

Os fascistas celebram as massas — mas apenas quando elas são rigidamente organizadas em torno das necessidades do Estado. Os militares oferecem uma imagem perfeita de como os fascistas veem o mundo. Visitantes à Alemanha nazista notavam a pletora de uniformes: para os não iniciados, era difícil diferenciar motoristas de ônibus e outros funcionários de membros das forças armadas. E política externa agressiva, expansionista, tem sido marca registrada de muitos regimes fascistas, embora não todos. A Espanha de Franco e Portugal de Salazar são talvez os melhores exemplos de regimes fascistas clássicos que preferiam manter um perfil discreto.

5. Fascistas zombam da racionalidade.

As raízes do fascismo clássico estão no período romântico — uma estirpe aparente na ênfase fascista na emoção, na vontade e na unidade orgânica e sua rejeição aos valores do Iluminismo —, no individualismo e no pensamento crítico. A ligação pode ser feita com os “decadentes” do fim do século XIX, como o poeta italiano Gabriele d’Annunzio, que celebrava a morte, a violência e a destruição dos “valores burgueses”. Os fascistas sempre veem a nação como ameaçada e sua tomada do poder é retratada como um renascimento nacional que varrerá a decadência e a fraqueza.

6. Partidos fascistas se veem como “terceira via”.

Hitler e Mussolini viam suas versões do “nacional-socialismo” como a única alternativa válida a todas as outras ideologias políticas. Rejeitavam violentamente o socialismo e o “capitalismo burguês”, enquanto diziam se apropriar das melhores características de cada um. Por exemplo, absorveram ideias marxistas de revolução e uma abrangente engenharia social, deixando de lado a divisiva luta de classes. Também tentavam preservar os aspectos competitivos do capitalismo (o que, para eles, assegurava a “sobrevivência dos mais aptos”), enquanto afirmavam o controle estatal sobre setores estratégicos da economia. É verdade que alguns fascistas tentavam incorporar a Igreja Católica em seu sistema ideológico. Mas Hitler, um zeloso anticlerical, sonhava com o dia em que as massas pendurariam o Papa pelos calcanhares na Praça de São Pedro.