Quando chamar alguém de
fascista
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Foi o fascismo que nos deu a noção de um líder todo-poderoso,
carismático, capaz de encarnar os anseios da nação
Palavras são armas. E, quando você mira num inimigo político, a palavra “fascista” equivale a um obus. Na era pós-Auschwitz, acusar alguém de “fascista” é uma das mais devastadoras acusações.
Raramente a palavra experimentou um retorno como o que vemos hoje. O
maior acelerador hoje é a crise na Ucrânia. Vladimir Putin e a mídia estatal
russa adoram descrever os revolucionários em Kiev como “fascistas” (termo
firmemente rejeitado pelos defensores dos protestos que derrubaram o presidente
Viktor Yanukovich). O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, usa “fascistas”
para os manifestantes que têm saído às ruas para pedir sua demissão. (Madonna
respondeu aplicando a mesma palavra a Maduro.) Turcos de esquerda que se
manifestam contra o premier Recep Erdogan denunciam seu “fascismo”.
Na Ásia, comparar países com a Alemanha nazista tornou-se um jogo de
salão. Os norte-coreanos chamam o premier japonês, Shinzo Abe, de “Hitler
asiático”. Os chineses acusam Abe de “venerar nazistas orientais” por suas
visitas a um controvertido santuário da Segunda Guerra Mundial. Hillary Clinton
não empregou a palavra para Putin, mas comparou a ocupação da Crimeia à tomada
dos Sudetos por Hitler.
Quando as pessoas usam uma palavra tão carregada com tal facilidade é
tempo de um choque de realidade. Há consenso entre historiadores e cientistas
políticos sobre como defini-la.
1. Começa com a quimera da pureza racial.
Historicamente, o fascismo nasceu das ansiedades do fim do século XIX,
quando radicais de direita em países europeus começaram a se ver como parte de
“nações” orgânicas, que enfrentavam ameaças existenciais diante das poderosas
novas ideologias do socialismo e do capitalismo. Para eles, teorias abstrusas
pareciam confirmar a ideia de que minorias “inferiores” (judeus, eslavos)
conspiravam para atacá-los. O colapso das monarquias dominantes e do sistema
tradicional de valores na Primeira Guerra Mundial abriu um vácuo que os
fascistas correram a preencher.
E no mundo de hoje? Há muitos racialistas xenófobos por aí. Mas apenas o
racismo não faz de você um fascista.
2. O Estado reina supremo.
“Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado.” A frase é
de Benito Mussolini, uma das primeiras pessoas a falar com aprovação de
“totalitarismo”. Fascistas acreditam no Estado porque o veem como a
manifestação lógica da vontade de uma nação de afirmar e defender seus direitos
coletivos. Assim, sindicatos, clubes e a imprensa deveriam ser subordinados ao
governo. Noções como “direitos humanos” nada significam fora da moldura da “comunidade
popular”. Os fascistas têm pouco em comum com, por exemplo, supremacistas
brancos americanos, profundamente desconfiados de qualquer tipo de governo.
Fascistas e anarquistas ocupam lados opostos do espectro político.
3. Um único homem forte dá as ordens.
Foi o fascismo que nos deu a noção de um líder todo-poderoso,
carismático — o Duce ou o Führer — que pessoalmente encarna os anseios da
nação. (O comunismo também tinha seu Grande Timoneiro e seus Jardineiros da
Felicidade, mas mesmo esses personagens sobre-humanos ainda estavam
supostamente seguindo os ensinamentos de um certo filósofo judeu alemão.)
Muitos autocratas pós-1945 — vem à mente o argentino Juan Perón — aprenderam
com esses modelos.
É digno de nota que os movimentos de protesto na Ucrânia ou na Venezuela
não lutam para instalar um líder em particular. Eles querem democracia — o
oposto do poder de um só homem.
4. Fascistas põem os militares acima de todos.
Os fascistas celebram as massas — mas apenas quando elas são rigidamente
organizadas em torno das necessidades do Estado. Os militares oferecem uma
imagem perfeita de como os fascistas veem o mundo. Visitantes à Alemanha
nazista notavam a pletora de uniformes: para os não iniciados, era difícil
diferenciar motoristas de ônibus e outros funcionários de membros das forças
armadas. E política externa agressiva, expansionista, tem sido marca registrada
de muitos regimes fascistas, embora não todos. A Espanha de Franco e Portugal
de Salazar são talvez os melhores exemplos de regimes fascistas clássicos que
preferiam manter um perfil discreto.
5. Fascistas zombam da racionalidade.
As raízes do fascismo clássico estão no período romântico — uma estirpe
aparente na ênfase fascista na emoção, na vontade e na unidade orgânica e sua
rejeição aos valores do Iluminismo —, no individualismo e no pensamento
crítico. A ligação pode ser feita com os “decadentes” do fim do século XIX,
como o poeta italiano Gabriele d’Annunzio, que celebrava a morte, a violência e
a destruição dos “valores burgueses”. Os fascistas sempre veem a nação como
ameaçada e sua tomada do poder é retratada como um renascimento nacional que
varrerá a decadência e a fraqueza.
6. Partidos fascistas se veem como “terceira via”.
Hitler e Mussolini viam suas versões do “nacional-socialismo” como a
única alternativa válida a todas as outras ideologias políticas. Rejeitavam
violentamente o socialismo e o “capitalismo burguês”, enquanto diziam se
apropriar das melhores características de cada um. Por exemplo, absorveram
ideias marxistas de revolução e uma abrangente engenharia social, deixando de
lado a divisiva luta de classes. Também tentavam preservar os aspectos
competitivos do capitalismo (o que, para eles, assegurava a “sobrevivência dos
mais aptos”), enquanto afirmavam o controle estatal sobre setores estratégicos
da economia. É verdade que alguns fascistas tentavam incorporar a Igreja
Católica em seu sistema ideológico. Mas Hitler, um zeloso anticlerical, sonhava
com o dia em que as massas pendurariam o Papa pelos calcanhares na Praça de São
Pedro.