Mordomias a cônjuges é mais um 'telhado de vidro' da Câmara
A autorização do uso de verbas públicas para
compra de passagens aéreas de cônjuge de parlamentares contribui para
deteriorar a imagem da Câmara dos Deputados; para o professor de Ética
Política da Unicamp, Roberto Romano, o parlamentar que usa dinheiro
público com esse propósito está sendo "antiético e antirrepublicano"; "É
o indivíduo [que foi eleito] e não sua esposa, papai ou cachorrinho.
Isso é inaceitável", afirma; "Como justificar essas prerrogativas
familiares em um país com uma crise econômica como a nossa? Trata-se de
mais um péssimo exemplo de nosso Legislativo"; nessa quarta-feira,
presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), admitiu rever a decisão
Pedro Peduzzi – Repórter da Agência Brasil
Ao autorizar o uso de verbas públicas para a compra de passagens
aéreas de cônjuge de parlamentares, o presidente da Câmara dos
Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acaba por criar mais um "telhado de
vidro" para o Congresso Nacional. Na avaliação de especialistas
consultados pela Agência Brasil, parlamentar que usa dinheiro público
com esse propósito está sendo antiético e antirrepublicano, uma vez que,
devido à crise, o momento exige corte de gastos. "E comete também uma
ilegalidade, porque os benefícios à família não estão previstos na
Constituição. Portanto é bastante possível que alguém entre com ação de
inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) contra essa
medida", disse o professor de Ética Política da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), Roberto Romano.
"É o indivíduo [que foi eleito] e não sua esposa, papai ou
cachorrinho. Isso é inaceitável, além de antiético e antirrepublicano.
Como justificar essas prerrogativas familiares em um país com uma crise
econômica como a nossa? Os deputados deveriam mostrar solidariedade ao
governo e economizar, em vez de fazer esse exibicionismo de privilégios.
Trata-se de mais um péssimo exemplo de nosso Legislativo, que
desconhece que, na República, todos são iguais", acrescentou o
especialista.
Para o diretor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), José
Antonio Moroni, os benefícios concedidos por Eduardo Cunha evidenciam
mais uma das contradições do Congresso Nacional. “Quem aprova isso são
os mesmos deputados que têm defendido cortes ou reduções nos benefícios
destinados às camadas mais baixas da população, como seguro-desemprego e
pensões. Não dá para considerar isso ético de maneira nenhuma. Se eles
quiserem, podem comprar passagens para as esposas ou maridos com o
dinheiro do próprio salário, que é bastante alto.”
As contradições vão além. “Os deputados representam o povo. É de se
esperar, portanto, que eles vivam também as limitações e a rotina da
população. Representar passa por isso. Caso contrário, torna-se difícil
para eles entender a realidade daqueles que representam. Têm de fazer
contas para passar o mês; têm de calcular seus orçamentos; têm de passar
o aperto que o brasileiro passa para poder representá-lo. Não pode
estar tão descolado da realidade de seu representado. Não pode ter
distanciamento. Se as verbas têm por objetivo facilitar a ele entender a
rotina do representado, elas [as verbas] têm de dar limites a ele”,
argumentou o diretor do Inesc.
Segundo o diretor do Inesc, os parlamentares recebem um “bolo de
benefícios” bem maior do que passagens aéreas, muitos deles, bastante
questionáveis. “[O uso dos] Correios, por exemplo. Antigamente era o
único meio para o parlamentar prestar contas a seus eleitores. Portanto,
até fazia sentido o valor significativo destinado a isso. Mas, com a
internet, perdeu sentido usar material impresso para esse propósito. No
entanto, a verba foi mantida e, ao longo do tempo, foi aumentada.”
Cientista político e especialista em comportamento eleitoral, o
professor Leonardo Barreto explica que “por essas e outras o Legislativo
brasileiro é o mais caro do mundo", com cada senador custando aos
cofres públicos mais de R$ 33 milhões, e cada deputado, R$ 10,2 milhões.
"Para fazer esse cálculo, basta dividir o orçamento pelo número de
parlamentares. Daí o fato de o Congresso estar entre as instituições que
detêm os piores níveis de confiança da população”, disse ele.
Segundo Barreto, na Alemanha cada parlamentar custa aos cofres
públicos R$ 3,4 milhões; na França, R$ 2,8 milhões; no Canadá, R$ 2,3
milhões; no Reino Unido, R$ 2,2 milhões; no México, R$ 1,89 milhão, e na
Argentina, R$ 1,29 milhão. Portugal e Espanha estão entre os mais
baixos, com um gasto médio de R$ 952 mil e R$ 850 mil por parlamentar,
respectivamente.
“Qualitativamente, isso também é um problema, porque a percepção de
custo depende do beneficio que se tem. E, no nosso caso, a população não
vê isso no Congresso. Infelizmente, a tendência é que essa situação
piore, prejudicando ainda mais a reputação da Casa, que já estava lá no
chão”, completou.