Tudo como antes
Estudo constata que as mulheres continuam sendo as principais responsáveis pela realização das tarefas domésticas no país
A
despeito de terem ampliado a sua participação no mercado de trabalho e
de estarem em busca de novos projetos pessoais, as mulheres continuam
sendo as principais responsáveis pela realização das tarefas domésticas
no Brasil. A constatação é da pesquisa “Trabalho feminino e vida
familiar: escolhas e constrangimentos na vida das mulheres no início do
século XXI”, desenvolvida no Núcleo de Estudos de População “Elza
Berquó” (Nepo) da Unicamp, sob a coordenação da professora Maria Coleta
de Oliveira e da pesquisadora Glaucia dos Santos Marcondes. A principal
fonte do estudo são os dados fornecidos pela Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad) para os anos de 2001 a 2012. Segundo os
dados da Pnad, que é feita anualmente, 90% das mulheres entre 16 e 60
anos responderam que realizavam algum trabalho doméstico semanalmente,
contra apenas 40% dos homens na mesma faixa etária.
Mais
que apontar que os cuidados com a casa e a família continuam sendo uma
responsabilidade predominantemente feminina, a pesquisa mostra que as
mulheres, principalmente as que desempenham alguma atividade produtiva,
cumprem jornadas extremamente longas, pois somam as horas dedicadas às
tarefas domésticas às executadas no trabalho fora da residência.
Dependendo das características de trabalho – jornada e se o emprego é
formalizado - e da posição das mulheres no domicílio – responsável,
cônjuge ou filha -, ocorre uma grande diferenciação na média de tempo
que elas e os homens dedicam aos afazeres da casa.
A
média de tempo declarada pelos homens ao longo do período tomado para
análise, conforme Glaucia, fica em torno de 9 horas semanais. “Isso
independe de eles estarem ou não empregados. Os que estão desempregados
trabalham um pouquinho a mais dentro de casa, coisa de duas horas por
semana, embora a disponibilidade de tempo deles seja maior”, revela a
pesquisadora. Um contexto totalmente diferente ocorre em relação às
mulheres, segundo a especialista. As que estão no mercado de trabalho
declararam dedicar uma média não inferior a 15 horas por semana às
tarefas domésticas, a despeito cumprirem jornadas entre 20 e 44 horas
semanais fora de casa.
No caso das
mulheres trabalhadoras com filhos ou que são consideradas chefes e
cônjuges do domicílio, o tempo médio dedicado aos afazeres domésticos
aumenta significativamente, chegando ao patamar de 20 ou até de 25 horas
por semana. “Um dado interessante é que as mulheres dedicam até 40
horas semanais às atividades domésticas quando estão desempregadas,
tempo muito superior ao dos homens na mesma condição”. Glaucia lamenta
que a PNAD desse período analisado não seja capaz de identificar quais
tarefas são desempenhadas por homens e mulheres no âmbito
doméstico-familiar. Entretanto, ela revela que alguns estudos
qualitativos de uso do tempo indicam que os homens tendem a se ocupar
mais com o cuidado dos filhos que com a limpeza da casa.
Nos
últimos anos do período considerado pelo estudo, conforme a
pesquisadora do Nepo, foi possível identificar uma ligeira queda no
número médio de horas semanais dedicadas pelas mulheres ao trabalho
doméstico. Um aspecto que pode ajudar a explicar essa redução é o maior
acesso das famílias aos produtos da chamada “linha branca”, como
lava-roupas e micro-ondas, equipamentos que facilitam o cumprimento de
algumas tarefas. “Ainda assim, é possível afirmar que o maior nível de
escolaridade das mulheres e a sua maior inserção e permanência no
mercado de trabalho não têm aliviado a carga delas com as tarefas
domésticas”, ratifica Glaucia.
Tal
contexto decorre, entre outros motivos, dos valores relacionados ao
cuidado, que no Brasil ainda estão centrados primordialmente na figura
feminina, de acordo com a pesquisadora do Nepo. “Mesmo que não seja a
mulher que faça o trabalho, o que se espera é que ela ao menos se
responsabilize pela organização dele. Normalmente, é a mulher que
contrata a babá e a empregada doméstica ou que escolhe a creche ou a
escola dos filhos”.
Glaucia
faz questão de assinalar, porém, que não é possível dizer que os homens
não estejam dando a sua contribuição para os afazeres domésticos. “Os
homens estão mais participativos. Ocorre que essa mudança de mentalidade
é muito mais lenta do que gostaríamos que fosse. Se os relacionamentos
sofreram uma importante mudança nos últimos anos, visto que as pessoas
estão se pautando por relações menos autoritárias, o mesmo ainda não
ocorreu com algumas práticas, que são mais difíceis de serem quebradas”,
analisa.
Ainda a respeito do tema
cuidado, a pesquisadora do Nepo chama a atenção para as transformações
demográficas em curso no Brasil. De acordo com ela, a população está
envelhecendo e a taxa de fecundidade está caindo. Em outros termos, isso
significa que as pessoas estão tendo menos filhos para cuidar, mas que
também terão menos filhos com os quais contar na fase da velhice.
“Estamos no momento de pensar o que será a nossa sociedade em termos de
cuidados nas próximas décadas. Quem vai cuidar de uma população
envelhecida e com menos filhos? Se antes as famílias se articulavam para
dar suporte uns aos outros, esse contexto tende a mudar numa situação
de menos filhos e menos parentes”, pondera.
Diante
dessa perspectiva, prossegue Glaucia, a sociedade tem que começar a
delinear como será o futuro dos idosos. Uma alternativa é a definição de
políticas públicas para dar o suporte que as famílias e os indivíduos
precisarão em termos de cuidados. “Talvez tenhamos que pensar na oferta
de instituições que possam acolher os idosos, oferecendo os cuidados que
eles necessitam. Trata-se de um público que precisa tanto de serviços
de saúde quanto de espaços de sociabilidade”, pontua a especialista.
Diferenças regionais
Retomando
a questão da dedicação ao trabalho doméstico, a pesquisadora do Nepo
destaca que os primeiros resultados do estudo revelam a situação de
mulheres e homens em âmbito nacional. Entretanto, os dados fornecidos
pela PNAD também permitem descortinar as diferenças regionais em relação
ao tema. Esta parte do estudo ainda está em andamento. Todavia, alguns
resultados preliminares de uma comparação entre as regiões
metropolitanas de São Paulo e Salvador fornecem elementos para reflexão.
De acordo com Glaucia, a primeira informação que chama a atenção é que a
média de horas que as paulistas dedicam ao trabalho doméstico é
superior à das baianas.
O dado
surpreendeu as pesquisadoras, dado que o mercado de trabalho nas duas
regiões apresenta diferenças expressivas. As mulheres paulistas, explica
a especialista, têm mais acesso ao emprego formal, que normalmente
exige o cumprimento de jornadas entre 40 e 44 horas semanais. Essas
mesmas mulheres estão majoritariamente concentradas no setor de
serviços, apresentam rendas domiciliares maiores e um número menor de
filhos que as baianas. “Na Região Metropolitana de Salvador a taxa de
desocupação das mulheres é mais elevada, com uma parcela maior cumprindo
jornadas abaixo das 40 horas semanais. A partir desse quadro, e dos
resultados observados para o conjunto do país, seria de se esperar que
as baianas cumprissem mais horas de serviços domésticos que as
paulistas, o que não foi confirmado pela pesquisa”, diz.
Um
fator que poderia explicar esse resultado inesperado, observa a
pesquisadora do Nepo, é a diferença do número de mulheres nos
domicílios. Na Região Metropolitana de Salvador há mais mulheres adultas
vivendo numa mesma casa que na de São Paulo. Assim, ocorre uma
distribuição de tarefas entre elas, de modo que a média individual de
horas dedicadas ao serviço doméstico caia. Um ponto que precisa ser mais
bem investigado, de acordo com Glaucia, é se o aumento da idade dos
filhos também concorre para a redução do número de horas que a mulher
dedica aos cuidados da casa.
Atualmente,
afirma a pesquisadora, os filhos pequenos já não representam uma
barreira grande para a inserção e permanência da mulher no mercado de
trabalho como fora para outras gerações. “No entanto, precisamos saber
se as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste apresentam diferença em
relação às regiões Sul e Sudeste, visto que elas têm estruturas de
mercado de trabalho bastante diversificadas”. O estudo foi financiado
pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
(MCTI), em edital específico para as áreas de Ciências Humanas, Sociais e
Sociais Aplicadas.
Publicação
Pesquisa: “Trabalho feminino e vida familiar: escolhas e constrangimentos na vida das mulheres no início do século XXI”
Coordenadoras: Maria Coleta de Oliveira e Glaucia dos Santos Marcondes
Unidade: Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” (Nepo)