Pacote anticorrupção é ‘quase cosmético’, diz especialista
Beatriz Souza/ EXAME.com
São Paulo – O pacote de medidas anticorrupção anunciado ontem pela presidente Dilma Rousseff
não ataca as principais causas do problema, na avaliação de
especialistas ouvidos pela reportagem. “Algumas medidas anunciadas são
quase cosméticas”, afirma Roberto Romano, professor emérito de filosofia
política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
As iniciativas foram anunciadas pelo governo como uma resposta aos protestos
que tomaram as ruas de diversas cidades do país no domingo. O pacote
inclui cinco medidas: transformar em crime a prática de caixa 2;
transformar em crime o enriquecimento ilícito; confisco de bens de
servidores com enriquecimento incompatível com seus ganhos; perda
antecipada da posse de bens para envolvidos em casos de corrupção;
exigência de ficha limpa para servidores públicos.
No caso da exigência de ficha limpa para os servidores, Roberto Romano
ressalta que já existem mecanismos neste sentido. “É uma medida
absolutamente ociosa. Já existem regras para o trabalho no âmbito
público”, afirma.
Segundo ele, para ir ao cerne da questão a presidente precisaria tomar
providências para reduzir os cargos comissionados. “Boa parte desses
cargos de confiança são verdadeiros cabos eleitorais pagos pelo povo.
Acabar com esses cargos, sim, ajudaria a moralizar o sistema. Mas se
fizesse isso ela teria a oposição do Congresso Nacional”, avalia.
Outro ponto criticado por Romano é a tipificação do crime de caixa 2.
“Isso já é crime. E o problema não está aí. O problema é que os partidos
não são democráticos”, diz. Segundo Romano, as estruturas partidárias
permitem que presidentes e tesoureiros permaneçam nesses cargos
indefinidamente, e faz com que eles tenham controle sobre o dinheiro das
siglas. Porém, Romano reconhece que o tema também é espinhoso e
enfrenta a resistência do Congresso.
Já o advogado Luciano Caparroz Santos, do Movimento de Combate à
Corrupção Eleitoral (MCCE), acredita que as medidas anunciadas pelo
governo federal são positivas, mas diz ser necessário investir nos
mecanismos de controle já existentes.
“Existem mais de 100 projetos no Congresso sobre combate a corrupção.
Então, antes de criar novos projetos, o Executivo tem que ser mais
eficiente na prevenção da corrupção. É preciso aproveitar melhor os
mecanismos de controle que já existem”, diz Santos.
O advogado ressalta, porém, que o problema é complexo. “O governo de
coalização precisa fazer composição com vários partidos, e para isso
nomeia pessoas. Isso não conduz a práticas éticas. Portanto, seria
necessária uma mudança mais profunda, que alterasse a prática de governo
e a organização do Estado”, conclui.