Quem saiu às ruas não foi a CIA
As manifestações não foram organizadas pelos EUA, e sim por um novo país, surgido das cinzas da Velha República, cada dia mais desgastada
A suspeita do líder do PT na Câmara, o deputado Sibá Machado, de que por trás das manifestações de protesto no domingo pudesse
estar a mão negra da CIA, o serviço secreto norte-americano, é no
mínimo uma ofensa à inteligência dessa maré de brasileiros que saíram às
ruas espontaneamente para dizer à presidenta Dilma que “a paciência”
tinha se esgotado.
Quem
estava por trás daquela grande manifestação, inédita neste país por ter
sido convocada pelas redes sociais, era o novo Brasil que está surgindo
das cinzas da Velha República, que parece a cada dia mais exaurida e
sem muito a dizer às novas gerações de brasileiros, cansados de
ideologias que dividem, em vez de abraçar a todos numa mesma esperança
de modernidade.
Os
que resistem a aceitar que algo novo e melhor está despertando neste
país das mil possibilidades e de tantos talentos desperdiçados (quantos
prêmios Nobel tem o Brasil? Nenhum) procuram uma explicação em
ultrapassadas intrigas internacionais.
Inicialmente
se disse que tinham ido protestar somente os ricos e a classe alta, e
que a classe trabalhadora tinha ficado em casa. Então os ricos e a
classe média não têm também direito de se manifestar? E por que então
esses “não ricos” não aproveitaram a marcha da sexta-feira anterior, convocada pelos sindicatos do PTe pelos movimentos sociais de esquerda, para sair em defesa do governo?
Não
são hoje, na verdade, os mais ricos os que mais temem o PT, que governa
há 12 anos e que permitiu que fosse triplicado o número de milionários e
que eles e os banqueiros ganhassem como nunca antes.
Quem
hoje está com medo de perder o que tem, especialmente o emprego, são
aqueles mais afetados pela inflação descontrolada, pelos juros absurdos
que fizeram 60% das famílias da classe média e baixa se endividarem,
empurradas antes para um consumismo enganoso e sem freios. Foram também
eles que saíram às ruas. Como me disse muito claramente uma pessoa que
esteve domingo na Avenida Paulista, os manifestantes eram, simplesmente,
“pessoas”.
Foi essa massa de trabalhadores, pequenos empresários, muitos deles jovens ainda, que estão começando a vida, os que temem que os cortes anunciados frustrem suas aspirações.
Cortes sem dúvida hoje indispensáveis, mas que são o fruto maldito do
fato de o Governo ter se endividado até o nariz com uma política
econômica equivocada e perdulária. Uma política que só agora a
presidenta Rousseff começa a reconhecer que foi equivocada, ainda que de
má vontade.
Não, não foi a CIA que esteve por trás do protesto lúdico, massivo, espontâneo, gratuito, sem violência de domingo.
Por
trás do estupor e do medo que aquela maré de brasileiros provocou nos
palácios do poder estava um Brasil que sai de sua letargia. O Brasil que
é consciente de que uma política econômica errada, alimentada pelo tsunami de uma corrupção cujo horizonte se alarga a cada dia que passa, pode devolver o país a seus anos de pobreza e atraso.
Por
trás do êxito da marcha de domingo estavam aquelas famílias que
quiseram sair levando seus filhos pequenos, para que começasse a pulsar
nas ruas o coração da democracia conquistada e que desejam que seja
herdada purificada e ampliada.
Não
foi a CIA que tramou a manifestação que gritava “Fora Dilma” e “Fora
PT”, como símbolos de uma forma de governar que já deu o melhor de si e
que milhões de brasileiros, hoje quem sabe a grande maioria, desejam que
sejam substituídos para que no país se abra uma nova era política, com
as mãos menos sujas pela corrupção institucionalizada.
Foi
o Brasil que quer acabar com o ambíguo e perigoso mantra que alimenta o
ódio de ricos contra pobres, ao passo que hoje o que todos os
brasileiros desejam é deixarem de ser pobres e se possível também serem
ricos. Por acaso isso é pecado? E não é melhor para os ricos que todos o
sejam e produzam mais?
A
quem interessa manter essa luta surda de classes criada por ideologias
que até a esquerda mais iluminada considera superadas e que semearam no
mundo milhões de mortes?
Por
trás do protesto estava a inocência das crianças sem medo dos uniformes
militares da tropa de choque, com a qual tiravam fotos. Talvez seja uma
profecia feliz: os brasileiros, em vez de terem medo das forças de
ordem, veem-nas como seu escudo protetor numa sociedade em que podem
sair às ruas sem medo de um assalto ou de uma bala perdida.
Estava
também por trás da grande manifestação aquela mulher que mostrava
visivelmente o bebê que chutava em sua barriga e que deve ter tido
vontade de participar daquela festa da democracia com a esperança
secreta de que seu filho pudesse viver amanhã numa sociedade que não o
esmagasse com o peso da mentira política.
Talvez
sonhasse com uma sociedade que velasse para que seu filho crescesse
desfrutando em paz das oportunidades para abrir caminho na vida com
dignidade. Essas oportunidades que, com um regime ou outro, nunca
faltaram nem faltarão para os ricos.
O
que o povo pedia no domingo e que estava escrito num cartaz com as
cores da bandeira nacional era que lhes “devolvam o Brasil”, o Brasil
melhor, muitas vezes ofuscado pelos pecados da política com letra
minúscula. O que fica às vezes demasiadamente escondido e adormecido no
coração deste povo e que às vezes conseguimos descobrir e desfrutar
melhor nós que vimos de fora.
Por
trás da grande festa de protesto de 15/15 estava apenas o Brasil que
começa a se descobrir outro e que quer que sua voz conte e seja ouvida. O
que deseja afirmar que para ser brasileiro legítimo não é preciso
aderir a determinado partido ou ideologia.
Dizem
que era gente de direita. Nem todos. E se fossem, ser de direita ou de
centro é um estigma? A Constituição proíbe? Não são brasileiros também?
Todo
o resto é somente uma tentativa de demonizar esses novos anseios por
uma sociedade mais de todos, que não exclua ninguém do banquete que
ainda hoje parece repartido por uma casta privilegiada com as mãos
muitas vezes manchadas de ilegalidade.