O PMDB cumpre, com precisão cirúrgica, um roteiro para reduzir a força do PT
Com
a anemia política que tomou conta do governo Dilma, a qual corresponde
brutal índice de desaprovação popular, o PMDB roubou o governo. Se nele
não pode entrar, fez-se governo.
Desaparelhamento
JOÃO BOSCO RABELLO
Estadao
24 Março 2015 | 17:50
A
emenda constitucional que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, cuida
pessoalmente de fazer tramitar, reduzindo para 20 o número de
ministérios, é um problema para a presidente Dilma Rousseff, mas para o
PT, um golpe duríssimo, com poder para retirar do partido o combustível
de sua militância e feri-lo de morte.
Sem
mais o monopólio das ruas, protagonista de escândalos de corrupção em
série, no comando de um governo que levou o país à recessão, o PT sofre a
ameaça de perder o controle dos cargos estratégicos na estrutura
administrativa, que lhe garantiu na última década e meia a consolidação
de uma militância ativa a partir do uso partidário da máquina pública.
É
desse desmonte que trata a emenda constitucional que Cunha impulsiona a
partir de sua cadeira de presidente da Câmara. O pior para o PT é que a
causa contagia e não dependerá mais de Cunha ou de qualquer outro líder
para andar sozinha. O desaparelhamento da máquina estatal constrói
maioria por ser desejo permanente de todos os partidos, inclusive os da
base aliada.
Nos
últimos dez anos, o número de ministros chegou a 39 e os ocupantes de
cargos de livre nomeação, subordinados a eles, passaram de 17,6 mil, no
final de 2003, para 22,6 mil em outubro de 2013, segundo dados de 2014.
Ao
longo da administração petista, o número de ocupantes de DAS 4, 5 e 6
saltou 46% em uma década, chegando a 4.814, crescendo a taxa bem menor,
de 24%, no grupo dos DAS 1, 2 e 3, destinados a servidores de carreira
que assumem funções de coordenação e assessoria técnica.
A
remuneração mensal dos cargos vai de R$ 2.152 a R$ 12.043. Servidores
públicos nomeados podem acumular seu salário com parte da comissão,
segundo limites definidos na legislação. É fato que não só o PT ocupa a
máquina, mas a prevalência do partido é notória e responde pela queixa
geral dos aliados, especialmente o PMDB.
Reduzir
o número de ministérios significa um abalo nessa conta e pode ser o
início de um desgaste que se somará ao já em curso, que produziu
importante perda política ao partido, identificado nas pesquisas como
responsável pelos erros do governo e patrocinador da corrupção, nos
casos do mensalão e do “petrolão”.
Nem
mais o ex-presidente Lula desfruta da blindagem que parecia inabalável:
as pesquisas recentes registram que 67% da população entendem que ele
tem responsabilidade nos acontecimentos da Petrobras e o desgaste do
governo Dilma o alcança, pois é identificado como quem a elegeu.
O
PMDB cumpre, com precisão cirúrgica, um roteiro para reduzir a força do
PT. O partido está visivelmente isolado no contexto partidário e não é
imaginável supor que contornará seus problemas no Legislativo sob a
liderança de perfis como Sibá Machado (AC) e José Guimarães (CE),
segundo os quais, a legenda é vítima da agência de espionagem
norte-americana, a CIA, e de “uma lavagem cerebral midiática”, nessa
ordem.
Em
paralelo, a reforma política do PMDB avança na Câmara em versão
rejeitada pelo PT, roubando ainda ao governo a iniciativa concreta em
defesa do tema que usa como escape para as críticas da população, a cada
nova manifestação.
Outros
temas de importância econômica, caros ao governo, andam também à
revelia do Planalto, casos da reforma do Simples, da ampliação dos
direitos dos empregados domésticos e da regulamentação do mercado de
terceirizados – todos com origem no Executivo, mas que vão ganhando dono
novo – o PMDB.
O
governo, portanto, está na Câmara, sob a liderança do PMDB que, por
isso mesmo, quer diminuir o tamanho da estrutura administrativa onde o
espaço que lhe foi reservado durante os anos de poder do PT, não
corresponde à sua importância como aliado.
Com
a anemia política que tomou conta do governo Dilma, a qual corresponde
brutal índice de desaprovação popular, o PMDB roubou o governo. Se nele
não pode entrar, fez-se governo. Tem a iniciativa política e executiva
que chega agora ao ponto de patrocinar uma reforma administrativa que o
governo hesita em fazer, mesmo diante da obviedade de seu acerto.
Não
é sustentável a recusa a proposta de cortes, ainda que ínfimo em
relação ao que se precisa, mas de forte simbolismo. Pergunte-se a
qualquer cidadão na rua para que servem 39 ministérios e ele responderá
sem pestanejar que é para atender aos políticos – no mínimo. Na véspera
da aprovação de medidas recessivas, se não cortar na carne, o governo
perde o que resta de autoridade para impor o ajuste fiscal.
Resta
pouco para a presidente Dilma fazer e, a continuar nessa toada, restará
cada vez menos. Bandeiras positivas, capazes de sugerir alguma ação de
governo, estão sendo tocadas pelo Legislativo, como os casos já citados.
A redução dos ministérios poderia ser uma porta de saída para a
presidente acuada pela desaprovação, mas Cunha já a tomou.